Acórdão nº 464/12.0TBAVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | ISABEL SILVA |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. B… e C… (de futuro, apenas Autores) instauraram ação contra D…, E… e F…, (de futuro, apenas Réus) visando a resolução do contrato promessa celebrado, com a consequente restituição do sinal prestado em dobro, bem como indemnização por danos patrimoniais e reconhecimento por todos os Réus do direito de retenção sobre o prédio.
Alegaram que os dois primeiros Réus lhes prometeram vender um prédio, no qual passaram a habitar desde logo, tendo prestado sinal; convencidos que o prédio iria ser seu, mobilaram-no e nele efetuaram obras; porém, os Réus acabaram por vender o prédio à 3ª Ré, assim impossibilitando o cumprimento do contrato prometido.
Perante a falta de contestação dos Réus, foram os factos julgados confessados e proferida sentença que decidiu: «a)- declara-se resolvido o contrato promessa celebrado entre os AA. e os RR. D… e E… , melhor identificado no art.º 1.º da petição inicial; b)- condena-se os RR. D…e E…a pagar aos AA. as quantias de € 180.000 (…) e de € 19.000 (…), acrescidas dos juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento; c)- condena-se RR. D…, , E… e F… a reconhecer que os AA. gozam de direito de retenção sobre o prédio urbano composto por casa de dois pavimentos com rossios, para habitação, com a superfície coberta de 120 m2 e rossios de 880 m2, sito no lugar da Tapada, da freguesia de Tabaçô, concelho de Arcos de Valdevez, a confrontar de Norte e Poente com Avelino, Sul com Manuel e caminho e do nascente com herdeiros de Manuel, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo xxx e que faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o numero xxx pelo crédito de € 180.000 resultante do incumprimento do referido contrato promessa; d)- absolve-se os RR. do demais peticionado." 2. Inconformada, veio a Ré F… apelar para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «I – Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido "julgar a acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e em consequência: (…) II – Com o devido respeito, que é muito, a Recorrente não se pode conformar com a sentença proferida no que a si diz respeito.
III – A ora Ré/recorrente não apresentou contestação, motivo pelo qual, não põe em causa a matéria de facto considerada provada, mas sim apenas a matéria de direito, a subsunção dos factos ao direito, o seu enquadramento jurídico e a decisão final no que somente a si diz respeito.
IV – A sentença proferida, no que concerne à ora recorrente, padece de nulidade, porquanto, a fundamentação invocada pela Meritíssima Juiz a quo está em completa oposição com a decisão proferida, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
V – Consta da fundamentação da sentença recorrida, melhor devidamente supra transcrita, que os Autores é que são os credores sobre os Réus D… e E… e F… e estes já não são os proprietários do bem imóvel prometido comprar, mas sim a ora recorrente F…, colocando-se a questão de saber se os Autores gozam do direito de retenção previsto nos artigos 754.º e 755.º, nº 1 al. f) do Código Civil para garantia de um crédito sobre um bem imóvel que não pertence ao devedor desse mesmo crédito, mas sim a uma outra pessoa (a ora recorrente) que não tem e nunca teve qualquer relação creditícia com os Autores titulares do direito de crédito correspondente ao dobro do sinal prestado e benfeitorias realizadas no mesmo prédio emergente do incumprimento definitivo de um contrato promessa de compra e venda.
VI – Consta ainda da fundamentação da sentença recorrida que os AA. não gozam de direito de retenção pelo crédito resultante das benfeitorias realizadas no mesmo prédio. Com efeito, o direito de retenção previsto na al. f) do n.º 1 do art.º 755.º apenas abrange, como resulta do exposto, o crédito resultante do não cumprimento da promessa imputável à outra parte nos termos do art.º 442.º do C.C. (que, no caso dos autos, corresponde ao dobro do sinal prestado) e não a indemnização pelas benfeitorias realizadas pelos AA. no prédio prometido vender. Por outro lado, o direito de retenção genérico previsto no art.º 754.º do C.C. pressupõe que o titular do direito à entrega seja sujeito passivo de uma relação creditícia cujo credor é obrigado à entrega da coisa, o que não acontece no caso em apreço. Com efeito, o titular do direito à entrega do imóvel prometido vender aos AA. é, por via da venda efectuada pelos RR. D… e E…, é a R. F…. A R. F… não é, porém, sujeito passivo de qualquer relação creditícia em que os AA. figuram como credores. Os RR. D… e E… são sujeitos passivos da relação de crédito resultante obrigação de indemnizar os AA. pelas benfeitorias realizadas no prédio prometido vender, mas já não são titulares do direito à entrega deste prédio porque, entretanto, o venderam à R. F….
VII – Sucede que, apesar do raciocínio seguido pelo Tribunal recorrido, este , a final, decidiu condenar a Ré F… a reconhecer que os AA. gozam de direito de retenção sobre o prédio urbano composto por casa de dois pavimentos com rossios, para habitação, com a superfície coberta de 120 m2 e rossios de 880 m2, sito no lugar da Tapada, da freguesia de Tabaçô, concelho de Arcos de Valdevez, a confrontar de Norte e Poente com Avelino, Sul com Manuel e caminho e do nascente com herdeiros de Manuel, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 159 e que faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o numero cento e oitenta e cinco pelo crédito de € 180.000 resultante do incumprimento do referido contrato promessa.
VIII – Ora, atendendo à fundamentação e respetiva decisão proferida, entendemos existir uma evidente contradição entre ambas, pois se a Ré F… não é sujeito passivo de qualquer relação creditícia com os credores/Autores/, nada lhes devendo, não pode a mesma ser condenada a reconhecer que os Autores gozam do direito de retenção sobre o prédio em causa nos autos que não pertence aos devedores.
IX – Por isso, a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, que dispõe que "É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.", cuja nulidade se arguiu perante este Tribunal Superior, nos termos do disposto no n.º 4 da citada disposição legal.
X – Sem prejuízo do supra exposto, com o devido respeito, não podemos, de todo, concordar com a aplicação que foi feita do direito, no que concerne à condenação da ora recorrente a reconhecer o direito de retenção dos Autores sobre o prédio identificado nos autos.
XI – O direito de retenção encontra-se enunciado no artigo 754.º do Código Civil, o qual que dispõe que “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
XII – Este instituto encontra-se consagrado na lei como um verdadeiro direito real de garantia, conferindo ao credor que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela com preferência sobre os demais credores.
XIII – O titular do direito à entrega da coisa tem que ser sujeito passivo de uma relação creditícia, cujo credor fica obrigado à entrega da coisa e, no caso em apreço tal não se verifica, uma vez que a Ré F… não é, sujeito passivo de qualquer relação creditícia em que os Autores figuram como credores, ou seja, a Ré F… não está adstrita ao cumprimento de qualquer obrigação em relação aos Autores, pois nada lhes deve e, tanto assim é que, não foi condenada a pagar aos Autores qualquer quantia, seja a que...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO