Acórdão nº 20/14.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Março de 2016
Magistrado Responsável | MANUELA FIALHO |
Data da Resolução | 03 de Março de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães: B., tendo sido notificado da sentença proferida nos presentes autos e com ela não se conformando na íntegra vem interpor Recurso.
Pede a revogação da sentença proferida em primeira Instância, na parte em que não considera ilícito o despedimento do Recorrente e absolve a Recorrida dos consequentes pedidos, e, consequentemente, que se confirme o carácter ilícito do despedimento do Recorrente e condene a Recorrida na reintegração daquele, no pagamento dos salários intercalares e no pagamento de indemnização por danos morais.
Alega e, após, conclui nos termos seguintes: 1. A sentença recorrida, versando sobre o sistema de controlo por meio de GPS, olvida que qualquer relatório/mapa, ainda que baseado em dados transmitidos, pode ser alvo de manipulação, o que sucede também com os relatórios e os registos retirados do GPS, tendo apenas a Recorrida os meios e o acesso para o fazer. Não deve, assim, ser dado como provado o facto elencado no ponto 33 da matéria provada.
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A sentença recorrida considerou provado que “sem o GPS a R. teria muita dificuldade em verificar: i) o (in) cumprimento do exercício de funções; ii) o (in) cumprimento do horário de trabalho; iii) o (in) cumprimento do local de trabalho e dos locais de visita efetuadas; iv) os quilómetros percorridos a título profissional e a título particular”. Tal não corresponde à realidade uma vez que antes de instalados aqueles aparelhos, a recorrida já fazia o controlo da atividade desenvolvida pelos seus funcionários, com recurso a outros meios, o que revela que a tecnologia do GPS não é indispensável para efetivar qualquer poder de direção e fiscalização por parte da entidade empregadora.
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Em momento algum o Recorrente impediu que a Recorrida conseguisse verificar o rigor das suas declarações no CRM relativamente às visitas efetuadas e aos quilómetros percorridos, o que foi confirmado pelo superior hierárquico do Recorrente, que asseverou que é possível confrontar o mapa de despesas e o planeamento feito pelo Recorrente, de forma a verificar a veracidade das declarações quanto aos locais de visita. Posto isto, não deve ser dado como provado o facto elencado no ponto 36 da matéria provada.
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Ad cautelam, em momento algum o Recorrente impediu um efetivo controlo das suas funções por parte da Recorrida, pelo que tal conduta nunca poderia ter a gravidade que lhe pretende sacar a sentença recorrida. Tal é confirmado pela própria sentença recorrida, por referência ao episódio da inspeção do veículo, em que não se dá como provado que o Recorrente tivesse deixado o veículo intencionalmente no hotel (cf. ponto 39 da matéria de facto). Assim, não se deve dar-se, assim, como provado, o facto constante no ponto 38, na parte em que se diz “para que durante a reunião se procedesse à inspeção do veículo”.
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A sentença considerou provado que o Recorrente interferiu no funcionamento do GPS, tendo provocado as suas falhas de transmissão, conforme pontos da matéria provada 43, 44, 52 e 55, estribando-se na circunstância de o Recorrente ser a única pessoa acesso ao veículo e o único interessado no impedimento da transmissão de informações por parte do aparelho. Porém tal dedução não é aceitável.
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Como qualquer outro equipamento eletrónico, o funcionamento do GPS depende de inúmeros fatores: i) a comunicação com satélites que orbitam a Terra; ii) o local onde o GPS está instalado nas viaturas de serviço da Recorrida, nas costas do banco traseiro da viatura que poderá ter influído nas falhas de transmissão do GPS; iii) a própria deslocação do cartão GSM, colocado numa bandeja de plástico que pode deformar com o calor do funcionamento e causar encavalitamento ou mesmo deslocação e perdas de ligação, uma vez que o aparelho está sujeito a uma trepidação constante e à pressão de caixas e outro material que é carregado para a mala. O aparelho chegou a desprender-se, pelo facto de as buchas metálicas que prendiam a caixa à placa metálica se terem desprendido, e pelo facto de apenas estar preso por dois parafusos. Aliás, o relatório pericial ao aparelho GPS feito no dia 08-05-2014 refere expressamente que não foram detetados sinais de violação da integridade do sistema e que deveria ser feita uma peritagem adicional ao sistema, referindo ainda que não foi possível chegar a nenhuma conclusão objetiva e recomendando-se a alteração do local de instalação do GPS e a tentativa de despistagem de técnicas de jamming. Sinal inequívoco da não intervenção dolosa do Recorrente no aparelho é o facto de os selos voide colocados na primeira inspeção ao GPS não se encontrarem violados, o que significa que não pode ter existido mais nenhuma “intervenção”, humana ou não, no aparelho GPS, mantendo-se, no entanto, os problemas de transmissão.
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Não pode concluir-se que qualquer vício do aparelho GPS se tenha ficado a dever a alguma ação do Recorrente – tanto mais que este nunca se mostrou preocupado, nem fez questão de acompanhar a inspeção que decorreu em 03-04-2014 – pelo simples facto de este ser um “potencial interessado” na não transmissão de dados. Os elementos que constam dos autos apontam, com muito maior certeza, para a existência de alguma falha elétrica, eletrónica ou mecânica que impediu o correto funcionamento do aparelho e, consequentemente, as falhas nas transmissões de informação.
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A Recorrida mandou instalar um segundo GPS no veículo, não tendo disso dado qualquer conhecimento de tal ao Recorrente, e esse aparelho apresentava exatamente os mesmos resultados que os do primeiro GPS. Aliás, o GPS escondido não funcionava melhor do que o GPS do qual o Recorrente tinha conhecimento, mas aquele não podia ser manipulado pelo Recorrente, visto ter-lhe sido ocultado. Assim, não devem ser dados como provados os factos elencados nos pontos 43, 44, 52 e 55 da matéria provada.
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A douta sentença considerou provado que, pela análise dos relatórios e dados transmitidos pelo GPS, poderia concluir-se que o Recorrente não cumpria com instruções relacionadas com o seu horário de trabalho, local de trabalho, locais de visitas e declaração de quilómetros particulares – cf. os pontos 35, 49, 50 e 54 da matéria provada. A Recorrida e a sentença do tribunal ab quo entram em contradição quando, por um lado, imputam ao Recorrente as falhas nas transmissões do GPS e, por outro lado, sustentam que o Recorrente apenas percorria os quilómetros e trabalhava as horas que o GPS dizia terem sido percorridos ou trabalhadas, conforme se verifica pelo ponto 62 da nota de culpa, que a sentença recorrida deu por reproduzida. Ora, analisados os dados efetivamente transmitidos pelo GPS, estes permitem concluir que o Recorrente cumpria com as instruções relativas aos locais de visita, ao seu horário de trabalho e ao dever de inserção, com verdade, das distâncias percorridas, pelo que acusações relacionadas com os incumprimentos do Recorrente se sustentam em meras presunções da Recorrida, o que largamente resultou provado em sede de audiência de julgamento. Aliás, os superiores hierárquicos do recorrente admitem que nunca sentiram necessidade de reforçar o acompanhamento “em campo” feito ao Recorrente, mesmo depois de já existir conhecimento sobre as falhas de transmissão no GPS instalado no veículo.
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Não existe portanto prova suficiente nos autos que permita concluir pelo incumprimento das ordens quanto ao horário, local, visitas e declaração de quilómetros particulares por parte do Recorrente, podendo, antes, concluir-se que, quando devidamente cruzada toda a informação, o Recorrente cumpria o seu horário, cumpria o seu local de trabalho, cumpria com as visitas planeadas e declarava todos os quilómetros particulares que fazia. Assim, não se podem dar como provados os factos que constam dos pontos 35, 49, 50 e 54 da matéria de facto dada como provada 11. O Recorrente não adotou nenhuma conduta que fundamente o seu despedimento com justa causa, i.e., que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, conforme prescreve o artigo 351.º do CT. Com efeito, todo o processo disciplinar foi tratado com extrema leviandade e superficialidade por parte da Recorrida, não tendo esta analisado toda a informação existente ou mesmo apurado com exatidão o que se passava com o aparelho GPS instalado no veículo do Recorrente e, portanto, não tendo conseguido provar, como lhe cabia, que fosse o Recorrente o responsável pelas falhas de transmissão do GPS ou que este tivesse incumprido qualquer ordem relacionada com o seu horário de trabalho, local de trabalho, locais de visita e declaração de quilómetros particulares. Viola, assim, a sentença recorrida o disposto no artigo 98º-I/4 do C.P.T. e 342º/1 do C.C.
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Na análise de um caso semelhante, optou a Recorrida por uma sanção disciplinar diferente da do despedimento, sendo certo que a Recorrida imputou ao arguido nesse processo (e cuja decisão se encontra junta aos autos por requerimento de 28-01-2015) os mesmos factos que imputou ao Recorrente, deles não tendo extraído as mesmas consequências. A sanção aplicada ao Recorrente, ainda que se considerasse que o mesmo tivesse causado algum impedimento ao funcionamento do GPS, o que, repita-se, não se concede, é francamente desproporcional. Assim, a douta sentença, ao considerar que, com a sua conduta, o Recorrente pôs em causa a manutenção do vínculo laboral, viola, o disposto no artigo 351º do Código do Trabalho 13. Todo o processo disciplinar movido ao Recorrente assenta na utilização de um aparelho GPS, de forma altamente violadora dos mais elementares direitos e garantias dos trabalhadores, inclusivamente de natureza constitucional, na medida em que o sistema de GPS permite apurar a localização exata, em momento determinado, do veículo e da pessoa que nele se desloca, pelo que deve ser considerado um mecanismo de vigilância à distância, passível de interferir com o constitucionalmente consagrado direito...
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