Acórdão nº 456/14.4JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução09 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, com o nº 456/14.4JABRG, da Comarca de Braga – Braga - Instância Central – 1ª Secção Criminal – Juiz 3, foi pronunciado o arguido: - D. M.

, casado, vigilante, filho de … e de …, natural da freguesia de Merelim, concelho de …, nascido a … e, residente na Rua …, Braga, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelo artigo 172º, nº 1, com referência à alínea a), do nº 1, do artigo 177º, ambos do Código Penal.

O arguido D. M. não apresentou contestação, mas arrolou testemunhas.

A assistente B. L. deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, requerendo a sua condenação no pagamento do montante de € 22.800,00 (vinte e dois mil e oitocentos euros), a título de danos não patrimoniais e de danos patrimoniais futuros, face à necessidade de acompanhamento psicológico permanente, pelo menos por 10 anos.

O arguido/demandado apresentou contestação ao pedido civil, impugnando os factos e o montante indemnizatório reclamado. Realizado o julgamento, veio a ser proferido pertinente Acórdão, no qual se decidiu: - Condenar o arguido D. M., pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelos artigos 171º, nº 1 e, nº 2 e, 177º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido e, em consequência, condenar o demandado/arguido D. M. a pagar à demandante/ofendida B. L. a quantia indemnizatória global de € 18.980,00 (dezoito mil novecentos e oitenta euros), sendo € 1.980,00 (mil novecentos e oitenta euros) relativos aos danos patrimoniais e € 17.000,00 (dezassete mil euros) para compensação dos danos não patrimoniais sofridos, a acrescer de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a data da notificação para contestar até integral pagamento, absolvendo-o do restante valor peticionado.

Inconformado com esta decisão condenatória, o arguido D. M. da mesma interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição): 1. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças (p. e p. artigo 171º, nº 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea b) do CP), na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. O recurso tem como objecto a reapreciação de matéria de facto e de direito.

  2. Consideradas as questões suscitadas sobre a matéria de facto, o condenado reafirma o interesse no recurso interlocutório já interposto sobre a valoração das declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial – artigos 407º, nº 3 e 412º, nº 5 do CPP.

  3. Quanto a estas declarações, o Tribunal a quo valorou aquilo que o arguido não excluiu, aquilo que não negou e ainda o que não confirmou; apelando à lógica, os silogismos realizados conduzem a conclusões que não são válidas: pois da não negação ou da não exclusão da prática de factos não se pode concluir pela sua verificação – o que configura erro notório na apreciação da prova.

  4. Por outro lado, o douto acórdão extrai conclusões do silêncio (não exclusões; não negações) do arguido e nessa medida viola o princípio da presunção da inocência – limitação constitucional à livre apreciação da prova.

  5. Ao julgar provados os factos constantes dos pontos 5 e 6 o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, posto que o arguido negou que tais factos tivessem ocorrido à noite (ao invés do explicitado na fundamentação constante a fls. 12 do douto acórdão); devendo aqueles factos ser julgados não provados.

    Sem prescindir: 7. Assente a decisão no depoimento de E. L. e nas declarações da ofendida – e a motivação não o explicita –, também aqui existe um erro de julgamento, porquanto não foi feita prova de que tal tivesse ocorrido, e em consequência, os factos constantes dos pontos 5 e 6 devem ser julgados não provados.

  6. Ao julgar provados os factos constantes do ponto 7, o douto acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova; erro de julgamento e verifica-se uma nulidade da sentença, devendo os mesmos ser julgados não provados. Com efeito, 9. O douto acórdão valorou aquilo que o arguido não excluiu e não negou nas declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial, enfermando assim dos vícios apontados nas conclusões 4 e 5; as conclusões extraídas com base em juízos de normalidade carecem de fundamento empírico; e no mais: o recorrente negou em julgamento a prática dos factos.

  7. A convicção do Tribunal firmou-se também nas declarações da ofendida; mas a fundamentação do acórdão não esclarece devidamente porque é que as declarações da ofendida foram valoradas de forma diversa: o Tribunal ficou convencido, para além de dúvida razoável, e julgou provado que o recorrente apalpou e introduziu os dedos na vagina da ofendida mas julgou não provado que os abusos se iniciaram em 1999.

  8. Sem beliscar o princípio da livre apreciação da prova ou apresentar uma interpretação diversa dos factos, não é claro, nem perceptível o processo de valoração de um mesmo meio de prova; donde, neste inciso, existe uma nulidade da sentença (cfr. artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2 do CPP).

  9. O Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao dar como provado os factos constantes sob o ponto 8: o arguido nega a sua prática, e as declarações da ofendida não os confirmam, não havendo outra prova que sustente os mesmos, devendo os factos constantes do ponto 8 ser julgados não provados.

  10. Ao julgar provada a matéria factual do ponto 11, o douto acórdão valorou aquilo que o arguido não excluiu e não negou nas declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial, enfermando assim dos vícios apontados nas conclusões 4 e 5 – erro notório na apreciação da prova.

  11. No que se refere à motivação da decisão verifica-se igualmente uma nulidade de sentença pelos fundamentos explicitados nas conclusões 10 e 11.

  12. Acresce que o arguido negou a prática dos factos, e em nenhum momento a ofendida relata que o arguido se tenha masturbado perante si, inexistindo qualquer outra prova – o que constitui um erro de julgamento, e em consequência, os factos vertidos no ponto 11 devem ser julgados não provados.

  13. Ao julgar provado os factos constantes dos pontos 13 e 14, o douto acórdão padece dos vícios apontados nas conclusões 4 e 5 – erro notório na apreciação da prova.

  14. Além de que, ao basear parte do seu juízo naquilo que o arguido não conseguiu explicar, o Tribunal a quo valorou desfavoravelmente a sua não confissão parcial, o que, ainda que conjugado com outros meios de prova, constitui uma ofensa das leis da lógica e, consequentemente, um erro notório na apreciação da prova.

  15. A valoração do silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer – ainda que tal valoração se inclua num juízo mais amplo – constituirá sempre a violação do princípio da presunção da inocência (artigo 32º, nº 2 da CRP).

  16. Pelo que deve ser julgado não provada a introdução dos dedos na vagina da ofendida pelo recorrente, passando então os pontos 13 e 14 dos factos provados a ter a seguinte redacção: 13. Para satisfazer as suas intenções libidinosas, o arguido ainda apalpou as “mamas” à sua enteada B. L. e acariciou-lhe a vagina. 14. Esta gritou ao que os vizinhos chamaram a PSP, ao que o arguido não abriu a porta.

  17. No que se refere à motivação da decisão verifica-se igualmente uma nulidade de sentença pelos fundamentos explicitados nas conclusões 10 e 11, daqui resultando necessariamente uma nulidade da sentença.

  18. Ao julgar provado os factos constantes do ponto 15, o acórdão evidencia os vícios indicados nas conclusões 4 e 5, incorrendo num erro notório na apreciação da prova.

  19. Acresce que, nas declarações que a ofendida prestou não faz menção a perseguições por parte do recorrido com o pénis erecto; o arguido nega este específico facto; e a testemunha E. L. no que relata não faz qualquer alusão ao facto de o recorrente se encontrar com o pénis erecto – o que não deixaria de relatar se tal tivesse ocorrido, atenta a relevância.

  20. Ao julgar provados factos sem que tivesse sido feito prova dos mesmos, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento; em consequência, o ponto 15 deve ter a seguinte redacção: 15. O arguido, em Março/Abril de 2010, exibiu o pénis à ofendida, na cozinha da habitação; assim como entrou na casa de banho enquanto esta se encontrava a tomar banho e tirou fotografias da mesma nua.

  21. Por outro lado, a motivação relativa ao natural funcionamento da erecção masculina (cfr. fls. 13 do acórdão) assenta em noções fisiologicamente erradas, e nessa medida o Tribunal a quo incorreu num erro notório na apreciação da prova.

  22. A inexistência de fundamentação quanto à prova de que os factos ocorriam com a frequência de duas a três vezes por semana, nos termos do ponto 17 dos factos provados gera a nulidade da sentença.

  23. Nas declarações para memória futura, a ofendida declarou que os factos ocorreriam com uma frequência de uma vez por semana quando era mais pequena e que posteriormente passou a ser uma vez por mês – pelo que a motivação é omissa quanto ao caminho lógico percorrido pelo julgador para chegar à conclusão de que os factos ocorreram com a frequência julgada provada.

  24. Com a alteração dos factos provados, na sequência da impugnação da matéria de facto, concretamente dos pontos 7, 11 e 13, deixa de ter lugar a aplicação do artigo 171º, nº 2 do CP, passando os factos a subsumirem-se à previsão normativa do nº 1 daquela norma com a agravação estabelecida na alínea b), do nº 1 do artigo 177º do CP.

  25. Dentro de uma moldura penal de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos de prisão, atentas as finalidades da aplicação das penas, a culpa como limite inultrapassável da medida da pena e ainda as circunstâncias que depõem a favor do arguido (cfr. ponto 23 dos factos provados) deve ser...

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