Acórdão nº 273/06.5TAVLN.G3 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução19 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo comum singular que, com o nº 273/06.5TAVLN, corre termos na Secção da Competência Genérica de Valença foi declarada revogada, em conformidade com o disposto no artigo 56º, nº 1, alínea a) e 2 do Código Penal e 14º, nºs 1 e 2 alínea c) do RGIT a pena de prisão que havia sido imposta ao arguido P. V.

Inconformado com a decisão recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, concluindo do seguinte modo: 1º- Vem o presente recurso da decisão produzida pelo Tribunal "a quo", que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de 20 (vinte) meses de prisão aplicada ao recorrente pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social.

2º- A decisão recorrida não se encontra devida e suficientemente fundamentada, não traduz uma correta valoração da realidade fáctica que acompanha o condenado no pós prolação da dita sentença, nem tão pouco uma acertada interpretação e aplicação da lei e do direito.

3º- O ora recorrente havia recorrido da sentença condenatória de fls. 377 a 409, em particular e fundamentalmente por, conhecedor da espiral negativa em que a sua vida havia tombado anos antes, estar bem ciente de que não teria qualquer hipótese de vir a pagar a quantia pecuniária de 13.479,39€, cujo pagamento ao I.G.F.S.S. lhe havia sido fixado como condição da suspensão da pena de prisão.

4º. Malogradamente para o condenado/recorrente, o que ele antevia à data daquele recurso veio, de facto, a confirmar-se, porquanto não conseguiu, de facto, proceder ao pagamento da totalidade daquela quantia de 13.479,39€; 5°- Mas tão só, e com o que logrou poupar ao longo de cerca de um ano e meio, pagar, por conta daquele montante total, a importância de 1.800,00€.

6º- Porém, os autos documentam que a situação laboral, patrimonial, financeira e pessoal do condenado, não é, em absoluto, de molde a que se possa fazer recair sobre ele um qualquer juízo de censura no que concerne à não realização de tal pagamento integral. Na verdade, 7º- Com a exceção dos períodos em que esteve desempregado, nos vários trabalhos pelos quais passou o condenado nunca conseguiu auferir um vencimento superior ao do salário mínimo nacional.

8°- Apresenta como compromisso regular o pagamento de uma pensão de alimentos aos seus dois filhos, anteriormente no valor de 200,00 €uros e atualmente no de 150,00€, com prestações em atraso e que apenas consegue regularizar com o auxílio de familiar próximo; 9º- Não lhe são conhecidos quaisquer outros rendimentos; 10º- Nem se lhe encontram associados, ou em nome dele registados, quaisquer veículos automóveis ou bens prediais.

11°- Demonstrada está, pois, a efetiva impossibilidade de o arguido satisfazer, na totalidade, a obrigação de pagamento que lhe foi imposta.

12º- A situação patrimonial e deficitária a ele atinente encontra-se, de resto, sobejamente espelhada na certidão de fls. 607 dos autos - contitularidade de uma fração autónoma (quota-parte essa entretanto judicialmente vendida), sobre a qual se encontram registadas responsabilidades vencidas de valor global superior a 3.000.000,00€.

13º- Por outro lado, o arguido não auferiu, com a não entrega das quantias retidas aos trabalhadores à segurança social, vantagem patrimonial de ordem alguma (relembrando-se que resultou não provado, na sentença condenatório, que "as quantias referidas em 8) foram utilizadas pelo arguido em benefício próprio)" 14º- O arguido não pagou o montante total cuja liquidação lhe foi fixada como condição da suspensão da pena de prisão porque não tem dinheiro, nem forma de o conseguir, e não porque pretenda, e pela primeira vez na sua vida, ter de ingressar em estabelecimento de reclusão para cumprir a pena em que foi condenado.

15º- A decisão da revogação da suspensão de pena de prisão não se afigura, com o devido respeito, uma decisão devidamente ponderada, sopesada, criteriosa, sensata e justa.

16º- Não teve, designadamente, a ponderação e a sensatez bem expressas no douto despacho de fls. 688 e ss., por via do qual o então Mmo Juiz titular do processo decidiu prorrogar o período de suspensão da pena de prisão, exarando quanto nele se encontra vertido; 17º- Que contribuiu, de forma acrescida, para que o condenado tivesse envidado redobrados esforços, auto-sujeito a sacrifícios pessoais e privações de toda a ordem, para lograr amealhar valores de poupança mensais que, apesar da reduzida dimensão, demonstram que ao mesmo não é indiferente o desvalor da sua conduta, nem o resultado da pena que lhe foi aplicada, nem o sentido da decisão a tomar acerca do não cumprimento da condição fixada para a suspensão da pena.

18º- Malogradamente, esse esforço e sacrifícios nada significaram para a M.ma Juiz que proferiu a decisão de que ora se recorre, pelo que o "castigo" aplicado ao condenado acabou por o ser após o pagamento que fez à segurança social, o que para ele se traduz numa profunda desilusão e injustiça.

19°- Não é verdade, contrariamente ao exarado no despacho de que se recorre, que o condenado haja ocultado ao Tribunal que consta como gerente das sociedades “X - Unipessoal, L.da” e “Y - Unipessoal, L.da”.

20º- Trata-se de sociedades sem qualquer atividade social relevante, que não tem bens nem rendimentos, cujo capital social não pertence ao condenado, e cuja gerência, ou co-gerência, lhe não aporta qualquer remuneração ou rendibilidade; 21º- Razão pela qual se não compreende qual a relevância (de resto não concretizada) que aí se possa colher para ajuizar e decidir da revogação ou não da suspensão da pena de prisão.

22°- O Tribunal "a quo" não teve o cuidado, que se lhe impunha, de requisitar, aos competentes serviços da segurança social, um relatório social atualizado e avaliativo das condições, pessoais, de emprego, de rendimentos e patrimoniais, que pudesse traçar uma quadro objetivo e atual das suas condições de vida e da sua inserção social; 23º- E que permitisse sindicar a vontade, e a capacidade económico-financeira, por parte do condenado, para cumprir com o pagamento do remanescente da quantia cuja liquidação integral lhe foi fixada como condição da suspensão da pena de prisão; 24º- Podendo dar-se o caso, perante essa falta/omissão, de o Tribunal concluir por um desvalor da conduta no não pagamento mesmo que o condenado se encontre em situação de completa indigência. Por outro lado, 25º- Há que ter presente que a prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social apresenta como momento temporal os meses de julho de 2002 (há cerca de 16 anos) e de dezembro de 2004 a setembro de 2006 (há já cerca de 12 anos); 26º- E que a própria sentença condenatória data de 9 de novembro de 2010 e, portanto, de há cerca de 7 anos e 6 meses a esta parte; 27º- Não se lograrão salvaguardar quaisquer fins de prevenção geral positiva ou de integração com o cumprimento, doze ou dezasseis anos depois da prática, e cerca de sete anos e meio depois da condenação, de uma efetiva pena de prisão.

28°- Sendo que o efetivo cumprimento de uma pena de prisão, no falado contexto, perante um condenado que se encontra pessoal, social e profissionalmente integrado, terá, antes, um efeito perverso e diametralmente antagónico ao visado pelo legislador, tendo presente quanto preside às necessidades da prevenção especial e da ressocialização do delinquente (ou sua reinserção na sociedade).

29°- O condenado/recorrente não tem averbado, no seu registo criminal, qualquer outra condenação, por igual ou similar factualidade, no pós trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos presentes autos, o que bem evidencia o redireccionamento, em alinhamento com a lei e o direito, que logrou alcançar após a prolação de tal sentença, e mais atesta que inferiorizou, de facto, o desvalor da sua conduta, e ainda que se mantém incólume o juízo de prognose favorável que esteve...

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