Acórdão nº 30472/16.5YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelAFONSO MANUEL ANDRADE
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.

A distinção entre a figura do contrato de transporte de mercadorias e do contrato de fretamento é por vezes difícil de fazer na prática.

  1. Quer o transportador quer o fretador estão obrigados contratualmente a facultar um navio em estado de navegabilidade, ou seja, apto ao fim a que se destina, tendo por base o programa obrigacional definido pelas partes.

  2. O contrato de fretamento corresponde grosso modo, ao aluguer de um navio, uma vez que a prestação característica a que o fretador está adstrito diz respeito ao consentimento do gozo do navio, mediante o pagamento do frete.

  3. Quando nas cláusulas acordadas entre as partes encontramos: a) a referência expressa ao navio, que é identificado pelo nome ou com a referência “ou similar”; b) a referência à totalidade da carga do navio que é disponibilizada, e não apenas uma parte dela; c) a remuneração acordada é denominada de frete; d) o navio inteiro está por conta da parte que pretende o transporte; e) a ênfase posta na cedência temporária do navio como a essência do acordo entre as partes, e o rigor com que o tempo de utilização do navio é contado, então podemos concluir estar perante um contrato de fretamento.

  4. Quando as partes, ao abrigo da regra da liberdade contratual, acolhem no contrato que celebraram as condições gerais do Frete, revistas em 1922, 1976 e 1994 (vulgo GENCON 94), o recurso às normas do DL 191/87 de 29.4 apenas é lícito em caso de omissão contratual.

    I- Relatório X – Agência Marítima, Lda, com os sinais dos autos, veio apresentar requerimento injuntivo contra A. S., Lda, peticionando o pagamento do montante de € 27.381,08, acrescido de juros vencidos no valor de € 2.607,18 e ainda juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento e taxa de justiça no montante de € 153,00.

    Sustenta, para o efeito, que se dedica à prestação de serviços de agência de navegação, cargas, descargas, tráfego e conferência de mercadorias no porto da Figueira da Foz, estiva e ou desestiva dos navios por ela agenciados e ou que lhe sejam consignados, incluindo armazenagem e grupagem de mercadorias, afretamentos, trânsitos e outras actividades conexas e que no âmbito da sua actividade comercial celebrou com a Ré, entre outros, 2 contratos de afretamento de paletes de madeira a realizar, um, em 13.2.2014, através do navio N., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir e outro em 20.11.2014 a realizar através do navio U., gerido pela mesma empresa, de Aveiro para Agadir.

    No desenrolar dessas relações contratuais emitiu as facturas nº Ftf1 – 1 emitida em 28.5.2014, com data de vencimento em 30.5.2014, no valor de € 5.622,33 e factura nº FtF2 – 596, emitida em 31.12.2014, data de vencimento em 1.1.2015, no valor de € 21.718,75, tudo no valor total de 27.381,08, tendo a requerida recepcionado as aludidas facturas, não tendo apresentado qualquer reclamação, não tendo, até à presente data efectuado o pagamento do aludido montante, apesar das várias diligências da requerente nesse sentido.

    Regularmente notificada, a requerida veio opor-se ao pedido injuntivo, pugnando pela sua improcedência.

    Para o efeito, alegou em síntese que não deve a quantia peticionada.

    Face à oposição da Ré e uma vez que o processo se destinava à cobrança de uma dívida fundada em transacção comercial com valor superior a € 15.000,00, o processo seguiu os seus termos como Acção de processo comum (fls. 34 e 35).

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, à qual se procedeu com inteiro respeito pelo respectivo formalismo (conforme resulta da respectiva acta).

    A final, o Tribunal julgou a acção totalmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré A. S., Lda a pagar à Autora X- Agência Marítima, Lda a quantia de € 27.381,08, acrescida de juros de mora comerciais à taxa legal vencidos e contados desde a data do vencimento de cada uma das facturas até à data da instauração da acção (em 24.3.2016) no montante global de € 2.607,18 - e os juros vincendos, à mesma taxa, desde 25.3.2016 até efectivo e integral pagamento.

    Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, em conformidade com o disposto nos artigos 639, 641º, 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1 todos do Código de Processo Civil.

    Termina as suas alegações com as seguintes conclusões: I- No facto descrito no número três da relação de factos provados consta: “Em 13.2.2014 a Autora enviou à Ré um e-mail, que esta recebeu, com as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio N., as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas (…).

    No entanto, II- Nos articulados oferecidos pela Recorrida nenhuma invocação consta de que “as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio N., as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas (…).”.

    De igual modo, III- No facto descrito no número doze da relação de factos provados consta: “Em 20.11.2014 a Autora enviou à Ré um email, que esta recebeu, com as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio U., cujo teor foi previamente acordado e explicado (…)”.

    No entanto, IV- Nos articulados oferecidos pela Recorrida nenhuma invocação consta de que “cujo teor foi previamente acordado e explicado”. E assim, V- Está a sentença proferida inquinada de nulidade, por excesso de pronuncia quanto à causa de pedir, tipificada no art.º 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, o que desde já e para todos os efeitos legais se invoca, devendo a mesma ser declarada e revogada a Douta Sentença proferida e substituída por outra que exclua: -Do número três da relação de factos provados a expressão: “as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas (…); -Do número doze da relação de factos provados a expressão: ““cujo teor foi previamente acordado e explicado”.

    SEM PRESCINDIR, VI- Conforme resulta do artigo 1.º da resposta oferecida pela Recorrente ao articulado de aperfeiçoamento da Petição Inicial, é dito que “A Ré aceita, que efectivamente, em 13 de Fevereiro de 2014 e 20 de Novembro de 2014, celebrou um contrato com a Autora, de afretamento de paletes de madeira a realizar através de navio, de Aveiro para Agadir”. E assim, VII- Não poderia o Tribunal a quo julgar como provado, por acordo, que “Em 13 de Fevereiro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato que denominaram de fretamento de paletes de madeira a realizar através do navio N., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.” Pelo que, VIII- Deverá a Douta Sentença proferida ser revogada e substituída por uma outra que exclua do facto descrito no número um dos factos provados a expressão “que denominaram”. Acresce que, IX- Conforme decidiu o STJ in Acórdão de 2 de Junho de 1998 na decisão quanto à matéria de facto decidir a qualificação de um contrato, como sucede nos números três; dez e doze da relação dos factos provados, devendo tão só pronunciar-se quanto aos factos concretos e objectivos integradores do seu "nomen juris". E assim, X- Na decisão proferida, e no que aos factos descritos no número três; dez e doze diz respeito, deve tão só julgar-se como provado: -Facto descrito no número três: “Em 13.02.2014 a Autora enviou à Ré um email, que esta recebeu, constando do mesmo o seguinte: (…)” -Facto descrito no número dez: “Em 20 de Novembro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato para fretamento de paletes de madeira serrada a realizar através do navio U., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.” Quanto ao facto descrito no número doze: “Em 20.11.2014 a Autora enviou à Ré um e-mail, que esta recebeu, constando do mesmo o seguinte (tradução certificada a fls. 119): (…)” XI- E tal assim deve ser, porque por um lado é isso que impõe a jurisprudência supra invocada fixada pelo STJ no citado acórdão de 2 de Junho, mas também porque da prova produzida em audiência e julgamento não resulta provado qualquer facto que permita extrair das cláusulas contratuais e declarações negociais susceptíveis de conduzir à qualificação da relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrida como um contrato de fretamento de navio, tal como decidiu o Tribunal a quo. Na verdade, XII– Por definição legal, o contrato de fretamento de um navio é aquele que uma das partes (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a por à sua disposição um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete. Ora, XIII- Da prova produzida em audiência e julgamento, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha Manuel, que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início: 00:00:01 a 01:29:09 e cuja reapreciação desde já se requer, a Recorrida interveio nas duas relações contratuais estabelecidas com a Recorrente com a qualidade de B. (intermediário) e não como Fretadora. Mas mais.

    XIV- Nos termos do art.º 2.º do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril o documento exigido para a validade de um contrato de fretamento é a carta de partida. No entanto, XV- Nos presentes autos os únicos documentos escritos disponíveis em julgamento e que evidenciam a vontade das partes são os dois e-mails juntos aos autos de folhas 39 verso e 40 e 45. Ou seja, XVI- Não foi invocada nem apresentada qualquer carta de partida que nos termos do art. 2º do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril pudesse ser entendido como “documento particular exigido para a válida do contrato de fretamento” e, dos depoimentos prestados em sede de audiência e julgamento nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou a existência de qualquer carta de partida. Aliás, XVII- Como se depreende do depoimento da testemunha Manuel - cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início: 00:00:01 a 01:29:09 e cuja reapreciação desde já se requer - pessoa que conforme resulta da...

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