Acórdão nº 3/14.8TJVNF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | MARIA CRISTINA CERDEIRA |
Data da Resolução | 07 de Junho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO X, S.A.
intentou a presente acção de condenação, sob a forma de processo comum, contra F. P.
, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 51.250,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados desde 26/05/2013 até integral pagamento, mostrando-se já vencidos à data da propositura da acção juros no montante de € 1 241,23.
Alega, em síntese, que o R. lhe deve a quantia de € 51.250,00 conforme contrato de “reconhecimento de dívida e plano de pagamentos” rubricado e assinado por ele, junto com a petição inicial e constante de fls. 7 e 8 dos autos.
Conforme o plano de pagamentos acordado, o R. deveria ter efectuado o pagamento de € 25.000,00 na semana em que foi firmado o acordo (semana de 20 a 26/05/2013) e o pagamento de € 26.250,00 até 20/06/2013, sendo que aquele não efectuou qualquer pagamento.
Refere, ainda, que do aludido contrato consta o direito da A. recolher a viatura Toyota Avensis, de matrícula IV; no entanto, esta encontra-se registada em nome da sociedade Y Portugal, Lda. da qual o R. é gerente, pelo que não pode ser apreendida, nem o respectivo valor pode ser considerado para efeitos de quitação da dívida.
O R. contestou, negando a existência da mencionada dívida para com a A. e arguindo a falsidade do documento junto com a petição inicial, bem assim como da assinatura nele aposta, alegando que nunca rubricou, assinou nem tão pouco entregou nenhum documento de “reconhecimento de dívida e plano de pagamentos”, afirmando de forma peremptória que as letras e assinaturas apostas no referido documento não lhe pertencem, nem autorizou quem quer que fosse para em seu nome o fazer.
Refere, também, já ter apresentado queixa crime contra a Autora, o seu representante legal e administrador S. D. e ainda contra incertos, sendo que a fotocópia do seu cartão de cidadão que juntou aos autos evidencia que a assinatura constante do aludido documento não é sua.
Conclui, pugnando pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, se identificou o objecto do litígio, fixaram-se os factos assentes e enunciaram-se os temas de prova controvertidos, que não sofreram reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção improcedente e absolveu o Réu do pedido.
Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, considerando que foi incorrectamente julgado como não provado que “A assinatura constante do referido documento junto com a pi é do punho do réu”, matéria esta que, no seu entender, deveria ter sido dada como provada, com base nos depoimentos de Rui e de S. B. e, em consequência, ser o R. condenado no pedido.
Defendeu ainda que, caso assim se não entendesse, em obediência ao dever de averiguação oficiosa dos factos, consagrado nos artºs 6º e 411º do novo Código de Processo Civil, e considerando as dúvidas que os depoimentos das referidas testemunhas suscitaram à Mª Juíza “a quo”, deveria ser ordenada perícia à assinatura do réu, constante do aludido documento.
O Réu contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 122 e remetido a este Tribunal da Relação.
Foi proferido acórdão nesta instância superior que decidiu julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Autora e, em consequência, anulou a sentença recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância a fim do mesmo ordenar oficiosamente a realização de perícia à assinatura constante do documento junto com a petição inicial, visando averiguar se a mesma foi feita pelo punho do Réu, ou de outras diligências que entenda serem necessárias e pertinentes, tendo em vista alcançar a verdade material, no âmbito do poder-dever de direcção do processo.
Em obediência ao acórdão deste Tribunal da Relação, foi ordenada a realização de perícia à assinatura constante do documento junto a fls. 7 e 8 dos autos, em ordem a averiguar se a mesma é do punho do Réu, cujo relatório se encontra junto a fls. 246 a 262.
O R. veio a fls. 310 a 314 arguir a nulidade da perícia efectuada pelo Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual (doravante LEDEM) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e requerer a realização de segunda perícia pelo Laboratório de Polícia Científica (doravante LPC).
Por despacho proferido em 3/05/2017 foi indeferida a invocada nulidade da perícia e determinada a realização de segunda perícia pelo LPC (cfr. fls. 318 e 319).
Foi realizada a segunda perícia pelo LPC, cujo relatório consta de fls. 333 a 353.
Por requerimento apresentado em 25/10/2017, veio o R. reclamar do relatório de exame pericial do LPC, reclamação essa que foi indeferida por despacho proferido em 24/11/2017 (cfr. fls. 359 e 360).
Foi reaberta a audiência de julgamento para alegações finais, tendo posteriormente sido proferida sentença que julgou a presente acção procedente e, consequentemente, condenou o réu a pagar à autora o valor de € 51.250,00 acrescido de juros de mora vencidos desde 26 de Maio de 2013 e contabilizados à data da petição inicial em € 1.241,23 euros, e nos vincendos à taxa legal.
Inconformado com os despachos de 3/05/2017 e de 24/11/2017 e com a aludida sentença, o Réu deles interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1 – O presente recurso incide primeiramente sobre o douto despacho de 3/05/2017 que indeferiu o pedido de nulidade da 1.ª perícia formulado pelo recorrente a fls. 310 (apenas impugnável no recurso que viesse a ser interposto da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa – artigo 644.º, n.º 3, do CPC).
2 – O recorrente, notificado do relatório de exame de escrita manual realizado pelo Laboratório de exame de Documentos e Escrita Manual (LEDEM) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, veio a fls. 310 (requerimento com a ref.ª 25485104) invocar a nulidade daquela perícia, alegando para o efeito que os documentos intitulados no relatório pericial de G2 a G6 (referidos nas fls. 2 e 3 do relatório) não podiam ter sido utilizados, pois tendo sido juntos aos autos pela recorrida por requerimento de 16/02/2017 (ref.ª 24924766), o recorrente, por requerimento de 2/03/2017 (ref.ª 25046899), tinha-se pronunciado sobre a sua junção pugnando pelo seu desentranhamento, e, tendo subsidiariamente, impugnado os mesmos, sem que o Tribunal recorrido se tivesse pronunciado sobre este pedido do recorrente e ter mesmo enviado ao LEDEM esses documentos a fim de serem tomados em consideração na realização do exame.
3 – Assim, o Tribunal a quo violou o dever legal de proferir despacho ou sentença sobre as matérias pendentes (artigo 152.º, n.º 1, do CPC), provocando a nulidade do acto pois a irregularidade influiu no exame ou na decisão da causa – cfr. artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
4 – De facto, é inquestionável que a irregularidade influiu no exame da causa, pois os sobreditos documentos foram efectivamente utilizados na realização da 1.ª perícia, cuja conclusão é invocada na motivação de facto da sentença aqui impugnada.
5 – Desse modo, deve ser revogado o despacho ora em crise e anulados todos os actos processuais praticados posteriormente (artigo 195.º, n.º 2, do CPC).
Subsidiariamente: 6 – O presente recurso incide também no douto despacho de 24/11/2017 que indeferiu o pedido de reclamação da 2.ª perícia formulado pelo recorrente por requerimento de 25/10/2017, com o fundamento que o relatório não apresentava deficiência (apenas impugnável no recurso que viesse a ser interposto da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa – artigo 644.º, n.º 3, do CPC).
7 – Na verdade, o recorrente após ter sido notificado do resultado da 2.ª perícia, apresentou, em 25/10/2017, um requerimento (ref.ª 27152626), no qual suscitou reclamação ao abrigo do artigo 485.º, n.º 2, do CPC, invocando para o efeito que o relatório pericial não se pronunciava sobre as diferenças assinaláveis, detectáveis a olho nú, nas letras “F” de Francisco e “A” de António constantes do documento de confissão de dívida e dos autógrafos.
8 – A figura da reclamação está prevista no artigo 485.º, do CPC, e pressupõe a existência de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório, ou, ainda, falta de fundamentação devida das conclusões, sendo certo que se o pedido de reclamação for atendido, dá lugar a que o juiz ordene que o perito complete, esclareça ou fundamente o relatório.
9 – Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 530/2008: “… o direito à tutela jurisdicional efectiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos … com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder … controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras (acórdão n.º 86/1988, reiterado em jurisprudência posterior e, por último, no acórdão n.º 157/2008).”.
10 – A reclamação apresentada pelo recorrente tinha em vista eliminar as insuficiências e as dúvidas que de forma objectiva, séria e fundamentada apontou ao relatório da 2.ª perícia e cujas respostas poderiam vir a afectar as respectivas conclusões, com as devidas consequências na decisão sobre o mérito da causa.
11 – Perante a apontada insuficiência, o recorrente exerceu legitimamente o seu direito constitucional da tutela jurisdicional efectiva para defesa dos seus direitos e...
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