Acórdão nº 697/16.0JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução22 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Laura Maurício.

  1. RELATÓRIO No processo comum colectivo n.º 697/16.0JABRG, do juízo central criminal de Braga, 2ª secção, da comarca de Braga, foi submetida a julgamento a arguida Maria, com os demais sinais dos autos.

O acórdão, proferido a 15 de março de 2017 e depositado no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal Coletivo decide julgar a acusação deduzida pelo Ministério Público parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: . Absolve a arguida Maria da prática, como autora material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos art.132º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal; e . Condena a arguida Maria pela prática, como autora material, de um crime de homicídio, previsto e punível pelo art. 131º, do Código Penal, na pena de prisão de 10 (dez) anos, ordenando-se o seu internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente a esta pena e enquanto durar a causa determinante deste internamento – o regime dos estabelecimentos comuns se mostrar prejudicial à condenada face à anomalia psíquica de que padece.

*O Tribunal condena, ainda, a arguida, a título de custas judiciais, de 3 UC`s de taxa de justiça e dos encargos processuais (art. 8º, nº 9, do RCP e 513º, nºs 1, 2 e 3 e 514º, nºs 1 e do C.P.P).

* Medida de Coação: (…) Após trânsito: . Remeta boletim à D.S.I.C; . Declaram-se perdidas a favor do Estado as peças de roupa apreendidas a fls. 68 e 131 dos autos, uma vez que a arguida não pretende a sua restituição, tal como decorre da ata da audiência de julgamento do dia 07 de março de 2017; . Considerando a natureza concreta dos factos provados e personalidade da arguida, proceda-se à recolha de amostras à arguida, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 8º, nº 2 e 18º, nº 3, da Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro, devendo a entidade responsável pela recolha observar o prescrito nos arts. 9º e 10º deste diploma legal.

*Deposite-se – art. 372º, nº 5, do C.P.P.»*Inconformada, a arguida interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: 1. «Após o nascimento do primeiro filho da arguida, o marido desta afastou-se do contexto familiar e o relacionamento entre o casal deteriorou-se, sendo frequentes os episódios de agressão física e verbal; 2. O marido da arguida, tinha um comportamento agressivo para com o filho mais velho do casal, vitima do ato ilícito da arguida, causando-lhe medo e insegurança; 3. Esta vivência provocou na recorrente um estado depressivo grave; 4. Tendo o mesmo se agudizado, desde finais de Maio de 2016, data em que a recorrente descobriu o relacionamento extra conjugal do marido; 5. O que originou na recorrente um sentimento de desesperança, tristeza, humilhação e perturbação; 6. Que com o seu acumular, geraram um conflito interior inalterável, que durava há já bastante tempo (cfr pontos 4º, 5º, 6º e 7º da factualidade provada), que a levou à prática dos factos ilícitos.

  1. A recorrente não conseguiu resolver esse conflito interior, o que a levou a uma perda progressiva de forças, à origem de um estado depressivo grave, que a dominou e, consequentemente, condicionou o seu pensamento; 8. A acumulação de tensão que se arrastou no tempo, agravou o seu estado de desespero e impeliu a arguida para um beco sem saída, deixando de acreditar e de ter esperança.

  2. A recorrente foi suportando esse desespero, derivado ao estado depressivo e ao sofrimento que se encontrava, desencadeado pelo quadro de violência que vivenciava na sua pessoa e do seu filho, pela infidelidade do marido, e pela humilhação que sentia, e ao ver limitarem-se as suas capacidades de resistir mais a toda essa situação e tenta matar-se como forma de se libertar desse estado.

  3. O que foi fortemente denunciado pela recorrente, através dos manuscritos por si subscritos, e que foram encontrados em sua casa e na caixa de correio dos seus sogros.

  4. Ao procurar a morte, a arguida levou consigo o seu filho Manuel, para lhe poupar sofrimentos, pois como resultou provado “ o cônjuge direcionava, de modo reiterado, uma conduta agressiva ao filho mais velho, causando neste sentimentos de medo e insegurança…” 12. Apesar da manifesta perturbação que vivenciava, a arguida ainda teve discernimento de procurar ajuda junto da sua médica de família; 13. Foi medicada, sendo que, os efeitos secundários desta medicação, poderiam, como deram, dar origem a dores de cabeça e alguma confusão mental, o que aliás a recorrente referiu sentir.

  5. Pese embora, a prontidão da resposta ao desespero da recorrente, o tratamento farmacológico não foi suficiente para atenuar a sua sintomatologia, e a sua expectável demora na produção dos efeitos, foi para a recorrente o agravamento da sua sintomatologia e, consequentemente, a pressão psicológica apresentou-lhe o crime como a única saída possível para a situação em que se encontrava.

  6. Crime este que acaba por praticar, porque a sua intenção, de se matar, não se concretiza.

  7. As testemunhas Dr.ª BB, CC, DD, EE e FF, foram peremptórias ao afirmar a relação estreita, de cumplicidade e dependência que existia entre a recorrente e o filho mais velho; 17. A recorrente tinha como intenção pôr termo à sua própria vida e à do seu filho, na convicção de que se este cá ficasse, ficaria desprotegido, e à mercê do pai, cujo relacionamento não era saudável.

  8. Ou seja, a sua decisão de “levar consigo”, o filho, foi de apenas e só, o proteger. Quer do sofrimento da ausência da mãe, quer do comportamento do pai.

  9. A recorrente, jamais, agiu movida por qualquer sentimento de raiva ou de vingança, mas sim, pelo quadro depressivo que a condicionava, na sua tomada de decisões e nos comportamentos de que adotou.

  10. A morte foi o fim de linha, foi o eclodir de uma situação que foi lentamente cercando e aprisionando a arguida, tirando-lhe o necessário e imprescindível discernimento para uma adequada ponderação da situação por si vivida.

  11. A solução que a recorrente encontrou, neste manifesto contexto de desespero, condicionou-a, não se sentindo a recorrente capaz de enfrentar essa situação.

  12. A recorrente matou para se libertar de todo o desespero e sofrimento que a cercou, pondo, dessa forma, fim a todo o quadro depressivo que foi acometida.

  13. A ideação suicida da recorrente decorre do quadro depressivo que a mesma padecia, e que dado a sua gravidade, acabou por condicionar as suas atitudes e condutas, apesar de a mesma ter consciência dos comportamentos, atitudes, responsabilidades e consequências, mas a sua tomada de decisão estava condicionada de tal forma que não conseguiu tomar outra, senão a do facto ilícito.

  14. A culpa da recorrente está fortemente diminuída.

  15. À data da prática do facto ilícito a recorrente apresentava uma capacidade volitiva diminuída, o que a impediu de uma tomada de decisão coerente, o que de resto vem reforçar, a considerável diminuição da sua culpa.

  16. Da análise da prova levada a cabo pelo Tribunal “a quo” mostra-se patente que os factos praticados pela recorrente foram determinados por uma compreensível emoção violenta, e por ter agido em nítido desespero, acreditando que lhe cabia a si a proteção do menor, atirou-se da ponte com o mesmo.

  17. Assim, a compreensível emoção violenta, o desespero que a recorrente estava a viver naquele momento, deve privilegiar a sua atuação, pois diminuiu de forma sensível a exigibilidade de outro comportamento; 28. A sua conduta enquadra-se, assim, no tipo p. e p. do artigo 133º do Código Penal - Homicídio privilegiado; 29. A recorrente foi colaborante, e prestou um esclarecimento cabal sobre os factos, e desse modo evidenciou uma personalidade que revela que futuramente se pautará por condutas lícitas; é por todos, respeitada pessoal e profissionalmente.

  18. Assim, e por tudo o acima exposto, o qual se dá por reproduzido, existe no douto acórdão ora recorrido, uma contradição insanável entre a fundamentação propriamente dita e a decisão. (alínea b) do nº 2 do artigo 410º CPP).

  19. Existe igualmente no acórdão recorrido, erro notório na apreciação da prova, quer da prova testemunhal, apresentada em audiência de julgamento, quer da prova documental, junta aos autos (Alínea c) do nº2 do artigo 410 CPP), as quais devidamente apreciadas pelo Tribunal “a quo”, levariam ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo de crime previsto e punido pelo artigo 133º do C.P. – Homicídio Privilegiado.

  20. Provas essas, que não foram devidamente apreciadas e muito menos foi fundamentada a sua não apreciação. (aliena c) do nº2 artigo 410º).

  21. Uma vez que se nos afigura ser justo enquadrar o homicídio em questão na previsão do artigo 133º do Código Penal, como sendo um homicídio privilegiado e sendo, o mesmo, punível com uma pena de prisão de 1 a 5 anos, a mesma deverá ser graduada nessa moldura.

  22. Ponderado todo o circunstancialismo de facto assente como provado pelo Tribunal “a quo”, nomeadamente: “ - o grau da ilicitude dos factos é elevada, atendendo ao modo de execução dos mesmos – o salto de uma ponte para o rio, com uma criança de seis anos de idade, que não sabia nadar e a quem a arguida ministrou previamente fármacos contendo benzodiazepinas, consubstancia um meio garantido de se alcançar a morte deste – e à relação de parentesco existente entre a arguida e a vítima; - a arguida representou os factos que preenchem o tipo do crime de homicídio, agiu com a intenção de os realizar, tendo atuado com dolo direto; - agiu com o intuito de proteger a vítima, não tendo conseguido, no quadro depressivo que vivenciava, adotar outra atitude, tendo-se convencido que o filho não suportaria a sua ausência; - a arguida padece de depressão grave sem sintomas psicóticos, com componente reativo vivencial que perpetua o humor depressivo e com componente dissociativo traduzido no evitar trazer à consciência os factos traumáticos, apesar de ter consciência dos...

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