Acórdão nº 1964/14.2TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Alexandra Rolim Mendes 1º Adjunto: Maria Purificação Carvalho 2º Adjunto: Maria dos Anjos Nogueira Sumário: 1 – O juízo de probabilidade de “Pode ter sido” a que se chegou num relatório pericial relativo à assinatura do Autor, que foi impugnada por este, não obstante corresponder a um grau de probabilidade ligeiramente acima dos 50%, não permite concluir com a necessária segurança que foi o Autor que apos a sua assinatura nos mencionados documentos, na falta de qualquer outra prova que sustente que foi aquele a assinar tais documentos.

2 – No âmbito de um contrato de agência, a agente que no cumprimento das funções que lhe foram confiadas se apropriou de parte das quantias que lhe foram entregues pelo Autor, não as entregando à Ré (principal), a ilicitude desse comportamento (da agente) ocorre no âmbito das suas relações com a Ré, ou seja, no âmbito das relações internas e não no relacionamento daquela com o terceiro ora Autor.

3 – O abuso de representação só tem relevância, em princípio, no relacionamento interno, entre representante e representado, e é irrelevante no relacionamento externo, entre o representado e terceiros a não ser que estes reconheçam ou não devam desconhecer o abuso.

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: M. C., solteiro, maior, residente Rua …, freguesia de …, Barcelos, intentou a presente ação de processo comum contra X - COOPERATIVA NACIONAL DE HABITAÇÃO, CRL, pessoa coletiva nº. … com sede na Avenida …, em Lisboa.

Alega em síntese: Que a Ré é uma Cooperativa Nacional de Habitação, tendo como objetivo, a satisfação das necessidades habitacionais, nomeadamente a construção de fogos, bem como, empréstimos nas condições estipuladas nas várias modalidades, designadamente a aquisição, construção, reconstrução e distrates de empréstimos bancários destinados à habitação.

Que em 30 de Abril de 2004 inscreveu-se como sócio cooperador da Ré tendo então adquirido várias posições, o que sempre fez na delegação da Ré no Porto.

Mais alega que era uma senhora de nome Maria quem exercia o cargo e funções de delegada da Ré naquela filial, e que esta filial tinha completa dependência hierárquica, financeira e administrativa da Ré.

Que entregou na delegação da Ré 55 cheques no valor global de €142.735,88 e que em 2005 quando pediu àquela Maria um extrato de conta corrente com o valor das posições que detinha, constatou que havia discrepâncias entre os valores.

Que a referida Maria admitiu ter depositado alguns dos cheques na sua própria conta ou na conta de terceiros a que tinha acesso e geria tendo-se apropriado de quantias ínsitas em alguns dos cheques emitidos pelo Autor à Ré.

Mais alega que o Presidente da Ré se comprometeu a apurar a quantia em causa e a Ré procedeu à devolução ao Autor da quantia de €95.879,36, tendo-se comprometido ainda a devolver a quantia de €46.856,52 não o tendo feito não obstante o Autor por diversas vezes lhe ter solicitado.

Alega ainda o Autor ter sofrido danos não patrimoniais.

O Autor pede seja declarada a demissão do Autor como sócio cooperante da Ré desde finais do mês de Dezembro de 2009 e em consequência a Ré condenada a proceder à devolução ao Autor do montante de €46.856,52, correspondente à quantia de que ainda se encontra desapossado a título de capital que possui na Ré e que corresponde à diferença entre o somatório dos cheques - €142.735,88 – e a quantia devolvida pela Ré ao Autor - €95.879,36, a condenação da Ré no pagamento ao Autor do montante relativo aos juros de mora vencidos desde a data em que foi comunicada a sua demissão como sócio cooperante à Ré, e que ascendem a €8.570,25 e ao pagamento ao Autor a quantia de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

A Ré veio contestar invocando a exceção de incompetência territorial e dizendo em síntese que o Autor efetivamente se inscreveu como cooperador da Ré em Abril de 2004, tendo sido cooperador até Março de 2006 data em que efetuou a última cedência a outros cooperadores das posições/inscrições que detinha na Ré, tendo-se inscrito em 5 posições/inscrições com o valor total de €90.000,00.

Mais alega que a referida Maria nunca teve qualquer vínculo laboral com a Ré e nunca exerceu funções de representação, sendo apenas comissionista e que ao contrário do alegado pelo Autor, a Ré em momento algum se comprometeu a devolver ao Autor qualquer montante, e nem o Autor apresentou a sua demissão junto da Ré, sendo que quem terá reembolsado o Autor terá sido a referida Maria, desconhecendo a Ré o valor concreto que esta terá pago ao Autor pelos negócios efetuados entre ambos.

O Autor veio pronunciar-se quanto à exceção de incompetência territorial no sentido da sua improcedência uma vez que, nos termos do disposto no artigo 71º do Código de Processo Civil e do artigo 774º do Código Civil, o Autor optou pelo tribunal em que a obrigação deveria ter sido cumprida, isto é o domicílio do credor.

Procedeu-se à realização da audiência prévia tendo sido proferido despacho saneador em que, nomeadamente, se julgou improcedente a exceção invocada pela Ré.

* *Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelo A..

Inconformado veio o Autor recorrer formulando as seguintes Conclusões:

  1. Produzida a prova o tribunal “a quo”, proferiu a sentença ora sindicada, julgando a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo autor.

  2. A impugnação da decisão matéria de facto tem por objeto, além do mais, a apreciação de segmento da prova gravada que ao caso importa.

  3. Nos factos julgados não provados em 5. refere “que o autor em finais do mês de Dezembro de 2009 comunicou presencialmente ao Presidente da Ré que apresentava formalmente a sua demissão como sócio cooperador”.

  4. Entendemos salvo o devido respeito que Mma Juiz “a quo” julgou incorretamente este facto.

  5. Na verdade, nas suas declarações de parte em CD, faixa 20170516142935, de 28:36m a 28:59; de 34:30m a 35:10m; de 34:47m a 39:36m; e de 54:00m a 54:31m, o presidente da Ré Manuel refere inequívoca, convicta e convincentemente que em junho de 2005 o autor já não era sócio cooperador da ré.

  6. Como bem resulta das declarações do seu legal representante, pelo menos desde setembro de 2005, que a recorrida deixou de reconhecer o Autor como seu sócio cooperador.

  7. Assim, admitindo-se que não se tenha provado que tenha sido em Dezembro de 2009 que o autor pediu a sua demissão, sempre a Mma Juiz “a quo” deveria dar como provado que “desde, pelo menos, Setembro de 2005, a Ré já não reconhecia o Autor como seu sócio cooperador, deixando de existir qualquer ligação entre ambos”.

  8. O nº 3 dos factos não provados, deveria ter sido julgado provado no sentido de ficar a constar que a Ré sabia que a prática referida em 41) dos factos provados era usual na delegação do Porto”.

  9. Isto porque, por certidão judicial do processo-crime instaurado contra a delegada do Porto, Maria, junta ao processo pela Ré em 9.06.2017, incursa a respetiva sentença condenatória, já transitada, é referido em 17. dos factos aí provados que “contudo, no período de tempo a que se reportam os factos, a X recebeu, tolerando tal prática, algumas notas de remessa enviadas pela sua Delegação do Porto, da responsabilidade da delegada e ora arguida Maria, que incluíram, para além de cheques emitidos por cooperadores a favor da cooperativa, nomeadamente os pós-datados, cheques pessoais daquela arguida sacados sobre a conta bancária por si titulada, com valores correspondentes a cobranças feitas a cooperadores através da Delegação do Porto, mediante cheques para o efeito por eles emitidos”.

  10. E em 21. dos factos provados que: “Os únicos carimbos genuínos e autênticos, aos quais ambas as arguidas nunca tiveram acesso, e que só podiam ser utilizados por quem detivesse os necessários poderes e legais autorizações, encontravam-se na sede da assistente em Lisboa”.

  11. E nesse mesmo aresto em 22. dos factos provados que: “Porém, nas notas de remessa enviadas pela Delegação do Porto para a X, bem como nos envelopes onde as mesmas seguiam, encontrava-se aposto o carimbo que a arguida Maria mandou fazer e que tinha os dizeres “X” e a morada das instalações da Delegação do Porto.” m) Do exposto se infere que os atropelos à boa prática que se impunha à delegada da Ré no Porto eram do seu conhecimento, por si tolerados e com tal conduta se foram conformando, menosprezando ou abdicando do seu dever de fiscalização e vigilância, pelo que deveria ter sido JULGADO PROVADO “que a Ré sabia que a prática referida em 41) dos factos provados era usual na Delegação do Porto”.

  12. Os factos julgados provados em 56º), 57º), 58º), 59º), 60º), 61º), 62º), 63º) e 64º), da douta sentença recorrida, não deviam, em nosso modesto entendimento, ser julgados provados, porquanto a sua fundamentação assenta em alguma contradição e ambiguidade.

  13. A motivação/fundamentação que a Mma Juiz “a quo” deitou mão para julgar provados aqueles factos que configuram a cedência de posições – 56), 57), 58), 59), 60), 61), 61), 62), 63) e 64) dos factos provados – assenta essencialmente na perícia à assinatura dos respetivos documentos de cedência, que o autor/recorrente negou.

  14. Dispõe o art. 374º, nº 2 do Código Civil que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da assinatura incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.

  15. Na perícia realizada concluíram os senhores peritos que as assinaturas contidas nos documentos que sustentaram a cedência de posições a que aludem pontos 56), a 64º, dos factos provados – podem tem sido produzidas pelo punho do autor - encerra o mais reduzido nível de probabilidade.

  16. Ao nível mais reduzido de probabilidade acresce a advertência dos senhores peritos incursa nos relatórios quando referem que: “Este exame apresenta muitas dificuldades pelo facto de os documentos contestados não serem originais, mas sim fotocópias, devendo um exame de escrita fazer-se...

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