Acórdão nº 253/16.2T8VNF-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Nos autos principais de insolvência apensos, relativos à sociedade X – Unipessoal, Lda.

, foi proferida a sentença declaratória de insolvência (datada de 17.02.2016), ao abrigo das disposições do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Na mesma sentença não houve declaração de abertura do incidente de qualificação de insolvência.

Não teve lugar a assembleia de credores para apreciação do relatório apresentado pela administradora de insolvência (art. 155º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (1) – doravante designado por CIRE).

Neste apenso D, a administradora de insolvência requereu, em 10 de Outubro de 2016, a abertura do incidente de qualificação de insolvência, invocando que “atendendo ao descrito no Relatório elaborado nos termos e para os efeitos do art.º 155º do CIRE, bem como a posteriores desenvolvimentos do processo de insolvência, designadamente, contactos tidos com o antigo gerente, a signatária encontrou indícios dos quais se pode retirar que a situação em que a insolvente se encontra foi criada ou agravada em consequência de atuação culposa ou com culpa grave do devedor, nos três anteriores ao processo de insolvência, devido à insolvente ter feito desaparecer, em parte considerável, o seu património, em benefício da mesma e/ou de pessoas entidades especialmente relacionadas com a ora insolvente, e em prejuízo dos demais credores”; indicando o gerente da empresa, José, o anterior gerente António e a procuradora do anterior gerente, Paula, como as pessoas que deverão ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa, requerendo prazo para a apresentação do respetivo parecer (cfr. fls. 2 e 3).

Na sequência, e atendendo aos factos alegados pela administradora de insolvência, foi declarado aberto o incidente, por despacho de 18.10.2016, concedendo-se à administradora de insolvência prazo para a apresentação do aludido parecer.

Em 25.11.2016, a referida administradora de insolvência emitiu o respetivo parecer constante de fls. 9 e segs., tendo concluído pelo prosseguimento do incidente de insolvência como culposo, afetando José, António e Paula.

O Ministério Público pugnou pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos expressos no parecer de fls. 133 e seguintes, devendo ser afetados pela qualificação Paula e José, seus gerentes de facto.

Uma vez notificada a devedora e citados pessoalmente as pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa, veio a requerida Paula deduzir oposição, pugnando pela extemporaneidade do requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência, nulidade da procuração outorgada pelo sócio-gerente da insolvente a favor da oponente, verificação da exceção dilatória de ilegitimidade (substantiva e adjetiva) da oponente e, ainda, pela qualificação da insolvência como fortuita.

A sociedade devedora “X – Unipessoal, Lda.

” deduziu oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como furtuita.

O requerido José veio igualmente apresentar oposição, invocando a extemporaneidade do requerimento de abertura do incidente de qualificação de insolvência, alegando ainda que em nada contribuiu para a situação de insolvência da sociedade devedora, tendo concluído pela qualificação da insolvência como furtuita.

A administradora da insolvência respondeu.

O Ministério Público não apresentou qualquer resposta.

Foi proferido despacho saneador, no qual designadamente foi proferida decisão tabelar a declarar que as partes têm legitimidade para a presente ação e se julgou improcedente a invocada extemporaneidade do parecer de qualificação de insolvência apresentado pela Administradora de Insolvência, ordenando-se o prosseguimento do incidente.

Seguidamente, foi fixado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova (cfr. fls. 204 e 205).

Por requerimento de fls. 238 e 239, veio o Ministério Público requerer o desentranhamento da oposição apresentada pela sociedade devedora, invocando, em suma, que a mesma sociedade, uma vez declarada insolvente, não tem qualquer legitimidade ou interesse em agir no presente incidente, porquanto o mesmo em nada a prejudica.

Tal requerimento veio a ser indeferido, por despacho de fls. 241 e 242, desde logo com base na extemporaneidade do requerimento e, em segunda linha, por inadmissibilidade legal.

Inconformado com o assim decidido veio o Ministério Público interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1. O prazo concedido no art.º 188º, nº 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, destina-se exclusivamente a responder ao teor da oposição e não pode comprimir o direito de qualquer interessado em arguir a falta de um pressuposto processual, quando constatado; 2. Porque a ilegitimidade é uma excepção dilatória, é oficiosamente cognoscível e, independentemente de a parte a invocar, é constatada pelo juiz logo que possível; 3. Inexiste despacho sobre tal questão que faça caso julgado formal porque a mesma não havia ainda sido suscitada perante o Tribunal (artº 595º, nº 3, do Código de Processo Civil, a contrario); 4. Ainda que o Mmº Juiz a quo tenha aludido genericamente à verificação dos pressupostos processuais no saneador, também este despacho não constitui, nessa parte, caso julgado formal; 5. Como tal, a arguição da falta do aludido pressuposto processual é tempestiva e deve ser, obrigatoriamente, apreciada pelo julgador a fim de não permitir a prática de actos inúteis, proibidos por lei (artº 130º do Código de Processo Civil); 6. O réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer e esse interesse afere-se pelo prejuízo que dessa procedência advenha, sendo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (artº 30º, nºs. 2 e 3 do Código de Processo Civil); 7. A procedência (integral ou não) do incidente tal como qualificado pela administradora da insolvência e pelo Ministério Público é absolutamente irrelevante para a sociedade “X – Unipessoal, Ldª”, que não tem assim qualquer interesse jurídico directo em estar presente na lide e, como tal, carece de legitimidade ad causam; 8. Quem tem interesse directo na lide são os cidadãos potencialmente afectados pela qualificação da insolvência como culposa [Paula, José e António (no entender da administradora da insolvência), ou só os dois primeiros (como defende o Ministério Público)]; 9. Ponderando a causa de pedir e o pedido que estão em causa nos autos, é processualmente desajustado falar na tutela do direito ao bom nome que, quando muito, apenas poderá merecer protecção jurídica num qualquer outro processo; 10. O facto de a lei insolvencial prever intervenções processuais do (a) devedor (a) não pode obstaculizar o raciocínio expendido, quanto à falta de legitimidade processual da pessoa colectiva no apenso de qualificação da insolvência, pois que as situações elencadas pelo Mmº Juiz a quo abrangem os casos em que da procedência da reclamação de créditos/acções de verificação ulterior de créditos resultam efeitos patrimoniais pessoais para os legais representantes das sociedades insolventes, após o encerramento do processo [artº 233º, nº 1, al. c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas], que assim as podem tentar combater a montante; 11. A boa interpretação do artº 186º, nº 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, manda que a notificação ocorra quando o afectado pela qualificação da insolvência é uma pessoa singular (o devedor nos autos principais), já sabedor da pendência da acção, e que a citação suceda nos casos de insolvência de uma pessoa colectiva, situação em que são (entre outros) afectados pela qualificação da insolvência os seus administradores/sócios/gerentes de direito ou de facto (sempre pessoas singulares para quem a lide incorpora uma “nova acção”), não havendo lugar a...

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