Acórdão nº 411/14.4T8VCT.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. RELATÓRIO A aqui Recorrida intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum, contra os Recorrentes acima identificados, pedindo que: a) Se declare que à data da morte de L. Gonçalves, em 7 de Novembro de 2013, a Autora vivia com ele em comunhão de cama, mesa e habitação há 30 anos consecutivos, em condições análogas às dos cônjuges, declarando-se, assim, a união de facto entre a Autora e o falecido L. Gonçalves; b) Se declare que a Autora tem o direito real de habitação da casa de morada de família, sita na (…), Viana do Castelo, bem como, o direito ao uso do respectivo recheio, por um período de 30 anos; c) Se condene os RR a reconhecerem a união de facto supra referida em a) e reconhecerem o direito à habitação e uso do respectivo recheio referido em b), por período não inferior a trinta anos, sobre a casa de morada de família, correspondente ao artigo urbano ...º - Darque, (…), Viana do Castelo; d) Se condene o terceiro Réu a pagar à Autora uma indemnização no montante de €1.000,00 pelos danos morais sofridos.

Em síntese alegou que durante mais de 30 anos Autora viveu em união de fato, ou seja, em comunhão de cama, mesas e habitação com o falecido L. Gonçalves, como se marido e mulher fossem, o que perdurou até à sua morte; acontece que após a morte do referido L. Gonçalves, um dos filhos do mesmo – J. F., comunicou-lhe que teria de abandonar a casa e, no dia 21.11.2013, mudou as fechaduras da dita habitação em que os mesmos moravam.

Os réus contestaram, impugnando motivadamente os factos alegados pela autora, quanto à existência da união de facto entre o pai e a autora e negando o direito real de habitação que esta pretende fazer valer com a acção.

Concluem pela improcedência da acção, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

Instruída a causa, procedeu-se a realização de audiência final para prolação de sentença, com o seguinte dispositivo.

(…) julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, decido: a) Declarar que à data da morte de L. Gonçalves, em 7 de Novembro de 2013, a Autora vivia com ele em comunhão de cama, mesa e habitação há 30 anos consecutivos, em condições análogas às dos cônjuges, declarando-se, assim, a união de facto entre a Autora e o falecido L. Gonçalves; b) Declarar que a Autora tem o direito real de habitação da casa de morada de família, sita na (…), Viana do Castelo, bem como, o direito ao uso do respectivo recheio, por um período de 30 anos; c) Condenar os RR a reconhecerem a união de facto supra referida em a) e reconhecerem o direito à habitação e uso do respectivo recheio referido em b), por período não inferior a trinta anos, sobre a casa de morada de família, correspondente ao artigo urbano ...º (,,,), Viana do Castelo; d) Condenar o Réu J. F. Gonçalves a pagar à Autora C. Botelho, uma indemnização no montante de €1.000,00 ( mil euros ) a título de danos morais.

Custas a cargo dos Réus – artigo 527º, nº. 1, do Código de Processo Civil. Pelo exposto*Não se conformando com a decisão, dela apelaram os Réus, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem: I – O presente recurso versa a matéria de facto e a matéria de direito.

II – A douta sentença recorrida omitiu pronúncia quanto aos factos alegados nos itens 69º e 70º, 97º, 98º e 101º, 106º e 128º, 129º, 130º, 131º e 136º da contestação, não os dando nem como provados nem como não provados, e quanto aos documentos em que os recorrentes suportaram a alegação de tais factos, concretamente os documentos de fls. 269 - verso a 292 - verso dos autos (juntos com a contestação sob os documentos nºs 15, 16 a 19, 20 a 45 e 47 a 51), não os apreciando nem valorando em sede de fundamentação da decisão proferida quanto à matéria de facto.

III - Os factos sob juízo revelavam-se essenciais para aquilatar da existência da união de facto invocada pela A. com o falecido L. Gonçalves, maxime quanto à existência da alegada comunhão conjugal (cama, mesa e habitação).

IV – A douta sentença recorrida enferma assim da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, vício este que expressamente se invoca, com as legais consequências.

V – Em sede de impugnação da douta decisão proferida quanto à matéria de facto, os recorrentes consideram incorrectamente julgados os itens 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 17º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º e 27º dos factos provados e as alíneas d), e), f) e h) dos factos não provados.

VI – No tocante à consecutividade da união de facto por mais de trinta anos, ficou evidenciado nos autos que o falecido L. Gonçalves, no ano de 1983/1984, foi leccionar para Ponte da Barca, onde se manteve até à sua reforma em 1998; após a reforma, o falecido manteve negócios de diversa índole na vila de Ponte da Barca e tinha a sua residência fixada nessa vila na denominada Casa C.; no mesmo período temporal, as deslocações do falecido a Viana do Castelo eram ocasionais e sempre aos fins-de-semana, sendo que os filhos, querendo visitar o pai, dirigiam-se à Casa C., em Ponte da Barca, e não a Viana do Castelo – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A., L. T. e J. F., da A. C. Botelho e depoimento da testemunha C. Gonçalves, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.

VII – Ficou ainda evidenciado que, no mesmo período temporal, o falecido L. Gonçalves foi várias vezes a Joanesburgo (África do Sul) onde o filho João se encontrava a fazer uma especialização, sendo que numa dessas viagens permaneceu aí durante cerca de três meses – vd. declarações de parte do co-réu J. F., conforme excerto transcrito na motivação deste recurso, que aqui se dá por reproduzido.

VIII – Tudo ponderado, o tribunal recorrido não podia dar como provado o que consta dos itens 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e 15º dos factos provados, na parte em que remete para a consecutividade ou ininterruptabilidade da alegada união de facto por mais de trinta anos, com início em 1983, pelo que tais factos devem, agora, ser dados como não provados.

IX – No que tange à existência de comunhão de cama, mesa e habitação, ficou demonstrado que a A. desconhecia a construção da suposta casa de morada de família do casal (Casa CB), construção essa que se manteve durante cerca de cinco anos – vd. declarações de parte da A. C. Botelho e depoimento das testemunhas M. Vaz e F. Gonçalves, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.

X – A A. também confessou desconhecer que o falecido recebeu a visita na Casa CB de uns primos do Brasil nos meses de abril, maio e junho de 2009, quando, nessa data, já vivia em união de facto com o falecido nessa casa – vd. declarações de parte da co-ré Maria A. e da A. C. Botelho e depoimento das testemunhas C. Gonçalves, A. L. Gonçalves e J. Moreira, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.

XI – Por outro lado, a Casa CB nunca revelou um “toque feminino” ou vestígios da presença de uma mulher, sendo essa casa reconhecida por quem privava mais de perto com o falecido (filhos e amigos mais próximos) como “a casa de um homem só” – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A., L. T. e J. F. e depoimento das testemunhas A. L. Gonçalves, J. Serafim e J. Vaz, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.

XII – Os filhos e amigos mais próximos do falecido declararam-se plenamente convencidos de que o falecido L. Gonçalves vivia sozinho, não só porque este nunca assumiu qualquer união de facto com a A., mas também porque nunca o viram acompanhado pela A., que nem sequer conheciam, fosse na Casa CB, fosse em qualquer outro local – vd. declarações de parte dos co-réus Maria A., L. T. e J. F. e depoimento das testemunhas M. Vaz, J. Vaz e J. Serafim, conforme excertos transcritos na motivação deste recurso, que aqui se dão por reproduzidos.

XIII – Para além disso, uma das duas testemunhas de que a A. se serviu para obter da J. F. D. um atestado da alegada união de facto – Eng. F. Martinez –, pessoa esta que era também muito próxima do falecido, se num primeiro momento atestou essa alegada união, logo depois, ao tomar verdadeiramente conhecimento do que tinha assinado, retratou-se em requerimento dirigido ao presidente da junta, onde concluiu que “(…) consequentemente o documento em causa, intitulado “Declaração” e por mim assinado em 13 de Novembro deve ser considerado sem qualquer efeito, pois o seu conteúdo não corresponde aos factos que conheço e que em consciência, não posso permitir que valham como declaração do que não declarei” – vd. fls. 264 verso e 265 dos autos.

XIV – A A. confessou, em sede de declarações de parte, que na Casa CB apenas tinha a “roupa mais prática”, o que evidencia que não fazia vida nem pernoitava nessa casa e que apenas dela se podia servir, no limite, para estadias ocasionais e limitadas no tempo – vd. declarações de parte da A. C. Botelho, conforme excerto transcrito na motivação deste recurso, que aqui se dá por reproduzido.

XV – Os consumos de energia na casa sita na rua das …, a partir do ano de 2009, não só se mantiveram, como aumentaram, conforme flui de fls. 749 e 750 dos autos, o que comprova que a A. nunca saiu ou abandonou a casa da rua das Alfazemas para se fixar na Casa CB, nem antes nem após 2009.

XVI – A A. manteve sempre o seu domicílio, para todos os efeitos, na casa sita na rua das Alfazemas, conforme ressalta de fls. 288 – verso, de fls. 289 - frente e de fls. 289 - verso dos autos, e apresentou sempre as suas declarações de rendimentos (IRS) separadamente do falecido L. Gonçalves e como solteira – vd. documentos de fls. 288 - verso e 290 a 292 - frente dos autos.

XVII – A fls. 269 - verso dos autos consta que o falecido L. Gonçalves deu entrada no Tribunal Eclesiástico de Viana do Castelo, no dia 3 de junho de 1986, de um...

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