Acórdão nº 349/16.0T8BGC-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Em processo, instaurado no Tribunal de Bragança, de insolvência de pessoas singulares (José e Maria), às quais foi concedido o benefício da exoneração do passivo restante por decisão de 26-09-2016, o respectivo Administrador e Fiduciário (AF) nomeado Francisco apresentou, em 08-11-2017, requerimento, juntando relatório do primeiro ano de exercício de funções.

Expôs as diligências feitas entretanto e respectivo resultado, avultando a informação de que os devedores não procederam à entrega de qualquer quantia, apesar de a tal estarem obrigados (um salário mínimo mensal, cada) e que o respectivo advogado o informou que não exerceram actividade alguma propiciadora de rendimento.

Como, perante isso, não pode retirar dela a sua remuneração percentual fixada na lei, entende que, mesmo assim, deverá ser remunerado pelo seu trabalho e reembolsado das despesas feitas, pedindo que lhe fosse fixada remuneração anual mínima, até ao momento, em valor nunca inferior a 5 UC´s, durante os cinco anos da cessão.

Com data de 16-11-2017, foi proferido o seguinte despacho: “Preceitua o artigo 28.º da Lei n.º 22/2013, de 26.02, correspondente ao artigo 25.º da Lei n.º 32/2004, de 22.07, que "[aJ remuneração do fiduciário corresponde a l0 % das quantias objeto de cessão, com o limite máximo de (euro) 5000 por ano".

Resulta, pois, evidente que a remuneração do fiduciário pressupõe que haja cessão de rendimentos no período legal.

ln casu, os Insolventes não têm cedido qualquer quantia ao Fiduciário em favor dos credores da insolvência em virtude da sua situação de desempregados, pelo que todas as informações a prestar ao processo sobre a situação familiar e financeira dos Insolventes só o serão com uma periodicidade muito alargada, que o artigo 240.° do C.I.R.E. até prevê que seja anual, e na sequência de dados a serem fornecidos por aqueles - pois, a violação dolosa ou com negligência grave de alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.°, designadamente a obrigação de informar o fiduciário sobre os seus rendimentos e património (cfr. alínea a) do n.º 4), pode determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração.

Por essa razão, afigura-se-nos legalmente infundada a pretendida remuneração, quando a única função do Fiduciário nomeado nos presentes autos é receber as informações fornecidas pelo Insolvente sobre a sua situação e transmiti-las ao Tribunal com uma periodicidade anual.

Coisa bem diferente é o reembolso de despesas a que tenha direito desde que sejam comprovadas documentalmente e se mostrem necessárias e adequadas ao exercício das suas funções e na sequência das contas que o Fiduciário vier a apresentar no período da cessão (cfr. artigos 24º.º do CIRE e 22.º da Lei N.º. 22/2013. de 26.02), conforme, aliás, se deixou dito na decisão de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante.

Pelo exposto, indefiro à atribuição de remuneração pretendida pelo Fiduciário enquanto não houver lugar a cessão de rendimentos por parte dos Insolventes.” O requerente não se conforma e apela a que este Tribunal altere o decidido, das suas alegações de recurso concluindo: “I.

Vem o presente recurso interposto do douto aliás despacho judicial, proferido a fls (…), com a referência 207303620, datado de 16-11-2017, no qual o Tribunal a quo determinou: [transcrição do despacho recorrido já acima feita] II. A respeito da remuneração do fiduciário, regula o n.º 1 do artigo 240.º do CIRE que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor.

  1. O Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, contempla expressamente que a remuneração devida ao fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de 5.000,00€ por ano.

  2. O douto entendimento do Tribunal a quo ao indeferir o pedido de fixação de remuneração devida ao recorrente, não obstante a inexistência de qualquer quantia cedida, com o fundamento de que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários corre por conta do devedor afronta a lei e é inconstitucional por permitir / prever trabalhar de forma gratuita.

  3. O art.º 30.º do Estatuto do Administrador Judicial prevê a possibilidade do pagamento da remuneração do administrador da insolvência ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, quando a massa insolvente for insuficiente para o efeito.

  4. Embora aí não seja contemplada norma equivalente para o fiduciário, quando não existam quantias cedidas pelo devedor, não pode deixar de equiparar-se as duas situações, sob pena, como se referiu, de poder chegar-se a uma situação em que o fiduciário está a exercer as funções para as quais foi nomeado pelo tribunal, sem auferir qualquer rendimento, o que pode ocorrer, caso aquelas quantias não existam.

  5. Conclui-se assim que o Tribunal a quo devia ter proferido despacho no sentido de fixar a remuneração mínima a pagar ao aqui recorrente, sendo que este solicitou, no mínimo, importância correspondente a 5UC, ordenando o seu adiantamento pelo Cofre Geral dos Tribunais, sendo essa, salvo o reiterado respeito, a mais correcta interpretação e aplicação da lei.

  6. Destarte, o tribunal a quo ao indeferir a pretensão do aqui recorrente, está a coarctar o direito á remuneração pelo trabalho já desenvolvido como ainda aquele que vai desenvolver até ao termo do período global de cessão do rendimento disponível, causando-lhe um prejuízo que aqui se fixa na importância de €2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta euros) na sua totalidade.

  7. Outra interpretação não pode ser feita, pois se a situação de indisponibilidade do insolvente perdurar ao longo dos restantes anos de cessão do rendimento disponível, quer dizer que o Fiduciário ficará impossibilitado de recorrer da falta de fixação pelo Tribunal a quo da remuneração correspondente á actividade por si exercida, apenas porque se repartirá o prejuízo daí resultante por cinco distintos e sucessivos anos, quando, na verdade, a actividade em causa é uniformemente desenvolvida num período contínuo correspondente aos mesmos cinco anos.

    Acresce que, X. O recorrente não se cinge a peticionar ao Tribunal que lhe atribua certa quantia em dinheiro a título de remuneração anual, mas outrossim, peticiona que declare que a responsabilidade pelo pagamento seja imposta ao Estado, face à impossibilidade de se pagar através de uma percentagem do rendimento cedido, uma vez que este não existe.

  8. Sendo assim, não é possível equiparar nem reduzir o valor deste interesse ao valor daquele, muito menos por referência ao mínimo pedido pelo exercício dos primeiros três anos de cessão do rendimento disponível, quando as funções se estenderão por cinco anos.

  9. É certo e sabido que se desconhece se a falta de cessão de rendimento continuará e até quando.

  10. E, por isso mesmo, a sucumbência se reveste de uma incerteza que torna duvidoso o seu valor quantitativo ou expressão económica.

  11. Destarte, a douta aliás decisão de indeferimento da pretensão remuneratória do aqui recorrente, permite-lhe lançar mão do recurso, porquanto o prejuízo deste afere-se pelo não pagamento de qualquer quantia ao longo dos cinco distintos e sucessivos anos, em que a actividade em causa seja uniformemente desenvolvida num período continuo que corresponde aos 5 anos.

    TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O DESPACHO OBJETO DE RECURSO REVOGADO E SUBSTITUIDO POR OUTRO QUE FIXE AO AQUI RECORRENTE HONORARIOS CORRESPONDENTES, NO MINIMO, A 5 UC E ASSIM SE FARÁ A ACOSTUMADA JUSTIÇA.

    ”.

    Não houve qualquer resposta.

    Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

    Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

  12. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

    No caso, importa apreciar e decidir se, no caso de o devedor nada ter cedido ao fiduciário e de, portanto, este não poder afectar qualquer quantia recebida à sua própria remuneração, deve esta ser paga pelo IGFPJ.

  13. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Relevam os constantes do relato antecedente, emergentes dos autos.

  14. APRECIAÇÃO Sobre a precisa questão objecto deste recurso, vai-se firmando orientação jurisprudencial que já é praticamente pacífica, nesta e nalgumas outras Relações.

    Em Colectivo integrado pelo mesmo relator e 1ª adjunta deste apreciou-se e decidiu-se já a mesma, no âmbito de recursos de apelação interpostos nos processos nº 3261/11.6TJVNF.G1, de 02-03-2017, e nº 2003/14.9TBBCL-D.G1, de 30-03-2017.

    Por isso, pouco ou nada havendo de novo a acrescentar nem a alterar e na linha da referida orientação, a não ser, no fim, dar nota, de outros arestos em que se corroborou o nosso entendimento, pedimos licença para, sem mais nada ser necessário no caso, salvo quanto ao valor a fixar, aqui transcrever o que dissemos no nosso anterior Acórdão, reiterando como deste a fundamentação daquele: “Estamos no âmbito de processo de insolvência, já decretada, relativo a pessoa singular e especificamente no domínio do incidente de exoneração do passivo restante, liminarmente deferido.

    A decisão recorrida e o apelo dela trazido a este Tribunal inserem-se no período de cinco anos em curso no processo, designado como «período de cessão», em que o devedor está obrigado a entregar ao fiduciário (ora apelante) o seu rendimento disponível, e a questão concreta respeita à remuneração a este devida pelo exercício das suas funções.

    Tal matéria tem a sua regulamentação especial prevista nos artigos 235º a 248º, do CIRE, particularmente, quanto à...

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