Acórdão nº 375/16.0GAVLP.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2018

Data21 Maio 2018

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 375/16.0GAVLP, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo de Competência Genérica de Valpaços, realizado o julgamento, foi proferida sentença a condenar o arguido, C. T., como autor material de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153º e 155º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00, no total de € 1.280 (mil duzentos e oitenta euros).

  1. Não se conformando com essa condenação, o arguido recorreu da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem (correspondentes à reformulação das inicialmente apresentadas e que, pela sua extensão, não correspondiam a um resumo dos fundamentos do recurso) [1]: «CONCLUSÕES: 1- Face à prova carreada para os autos e à produzida em Audiência de Julgamento impunha-se uma decisão diferente da que veio a ser proferida na sentença recorrida.

    2- Decisão que devia absolver o arguido/recorrente da prática do crime de que vinha acusado.

    3- O Recorrente não praticou o crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art.153º e 155º, nº 1, al. a), ambos do Cód. Penal, e art. 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

    4- O Tribunal “a quo” apreciou mal a prova produzida e enquadrou legalmente a mesma erradamente, violando o disposto nos arts. 153º, 155º do Cód. Penal, o art. 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, e violou o disposto no art. 127º do Cód. Proc. Penal.

    5- O presente recurso tem também por fundamentos a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e o erro notório na apreciação da prova, e tudo à luz das regras da experiência comum – art. 410º nº 1 e 2, als. a), b) e c)-.

    6- Tem, ainda, por fundamento, a produção de uma sentença contrária à Jurisprudência e Doutrina maioritárias, no que concerne à alegada frase que constitui o eventual crime de ameaça, atento o seu tempo verbal.

    7- A acusação resume-se ao constante do seu ponto 3, quando ali se diz o seguinte “Nessa sequência, ao mesmo tempo que lhe exibiu uma espingarda caçadeira que trazia consigo, disse-lhe: “Tenho aqui uma arma carregada para lhe dar um tiro nos cornos!”.

    8- No Auto de Ocorrência junto a fls. 65, dos autos, consta que a expressão alegadamente produzida pelo arguido foi “tenho aqui uma arma carregada para arrebentar com o teu marido”.

    9- Esta expressão nada tem a ver, nenhuma similitude tem com a que consta da acusação.

    10- Quando na motivação da sentença o Tribunal “a quo” diz que há ligeira discrepância de expressões e que esta é irrelevante no caso dos autos, está, para além do mais, a escamotear a razão de ciência das testemunhas e a validar testemunhos falsos.

    11- O tribunal não podia dar como provado que o arguido proferiu a expressão constante da acusação, já que não se fez prova da mesma.

    12- Podia e devia ter posto em causa a veracidade do testemunho das testemunhas da acusação, mas não o fez.

    13- Admitir que uma mesma pessoa, no mesmo processo, em momentos diferentes diga sobre uma mesma pretensa realidade palavras e frases completamente distintas, quando o que está em causa é julgar criminalmente uma pessoa, é abrir uma caixa de pandora na justiça.

    14- O tribunal, na opinião da defesa, no caso concreto e atendendo aos depoimentos das testemunhas de acusação, só podia chegar à conclusão, até pelas regras da experiência comum, que nada se passou como foi relatado e como foi dado como provado na sentença recorrida.

    15- Nesta parte, não restam dúvidas que o tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova e violou os mais elementares princípios das regras da experiência comum.

    16- Diz-se na sentença recorrida que o que consta da acusação é que delimita o objeto do processo, para justificar ter dado como provado que a expressão alegadamente proferida pelo arguido foi a que consta da acusação e não a que consta do Auto de Ocorrência.

    17- Salvo o devido respeito, para além de outras razões que não importa aqui considerar, o que interessa e deve interessar ao tribunal é apurar a verdade dos factos, é chegar à verdade material.

    18- A delimitação do objeto do processo não é e não pode ser estanque, sendo que a busca da verdade é um desiderato da justiça que tem de estar, ou devia estar sempre presente nas decisões dos tribunais, sendo que em qualquer altura do processo a alteração não substancial ou substancial dos factos constantes da acusação pode ocorrer ao abrigo do disposto nos arts. 358º e 359º do Cód. Proc. Penal.

    19- Em suma, a sentença recorrida devia ter absolvido o arguido por falta de prova, ou no mínimo, ao abrigo do princípio do “in dúbio pró réu”, já que a acusação não logrou fazer a prova que lhe competia, ou seja, aquela que não deixa qualquer dúvida.

    20- Foi dado como provado que no dia 4 de Novembro de 2016 o queixoso J. A. C. e o arguido mantiveram uma conversa acerca das delimitações dos prédios, não tendo chegado a entendimento – ponto 1 dos factos provados- e foi dado como provado no ponto 2 da sentença recorrida que, “…porquanto havia ficado desagradado pelo diálogo anteriormente ocorrido, em 5.11.2016, o arguido seguia na condução …” 21- Importa atentar e sublinhar esta expressão “desagradado”. É que, dar como provado que o arguido ficou desagradado, não é o mesmo que dar como provado que o arguido ficou irado, possesso, revoltado. Uma expressão, a primeira, leva normalmente a um sentimento de desgosto, aborrecimento, as outras, levam a sentimentos de enfurecimento, raiva, insubmissão. Ora, só estas, é que eventualmente podiam levar a que o arguido, ou qualquer outra pessoa normal e comum como ele, pudesse tomar qualquer iniciativa de ameaçar matar, ou mesmo matar alguém. Esta é uma verdade ou realidade que as regras da experiência comum, o bom senso e a racionalidade nos indicam e convencem que assim é.

    22- Do depoimento de J. A. C. não se pode retirar fundamento, causa, para que tenha havido litígio entre as partes, tenha havido motivo para o arguido ficar aborrecido, muito menos depois do mesmo ter dito que a conversa foi longa, cerca de 30 minutos.

    23- As testemunhas da acusação nada nos dizem de concreto que possa justificar a ira do arguido, muito menos de querer matar ou ameaçar matar.

    24- E à luz das regras da experiência comum e do normal e costumeiro comportamento humano, é por demais sabido que se tivesse havido qualquer litígio, desavença, ou desentendimento, o mais natural era ter havido imediatos insultos e agressões mútuas, o que, como se sabe, não aconteceu.

    24- As próprias testemunhas de acusação afirmaram que no dia 4/11/2016, depois do arguido se ter ido embora, as mesmas não falaram sequer entre si na conversa que tinham tido com aquele e que terá durado, no dizer de ambas as testemunhas da acusação, cerca de 30 minutos. E como disse a testemunha A. C., “Não, nesse dia não houve chatices nenhumas”.

    25- As regras da experiência comum, da lógica, da razão, no agir do pensar humano, não foram tidas em conta pelo tribunal.

    26- De contrário, o tribunal teria concluído que nenhuma razão plausível e justificada existia para que o arguido tivesse o comportamento que o tribunal diz que teve.

    27- O tribunal fez, pois, uma errada apreciação da prova produzida e, consequentemente, produziu uma decisão também errada e injusta. O tribunal teria que absolver o arguido.

    28- Constata-se, à saciedade, que a testemunha A. C. foi levada a dizer coisas que anteriormente não tinha dito e que se contradisse ostensivamente.

    29- Não produziu esta testemunha um depoimento isento, credível, espontâneo, sereno, objetivo, constante e inabalável, como na sentença recorrida é afirmado.

    30- Antes pelo contrário. Ouça-se a gravação deste depoimento, para aquilatar da forma e tom com que a testemunha respondeu ao advogado da defesa. É bem sintomático da falta de isenção, serenidade, credibilidade e até falta de urbanidade para com o signatário. Tudo e sempre com a passividade do tribunal.

    31- E com a objeção do tribunal a que a defesa confrontasse a testemunha com perguntas que, para além do mais, tinham também como objetivo obter resposta à razão de ciência daquela. O que, como é por demais sabido, é condição essencial para se aferir da credibilidade que os testemunhos merecem.

    32- Em conclusão, a defesa, ao contrário do tribunal, entende que o depoimento da testemunha A. C. não merece credibilidade. E, no mínimo, devia ter suscitado no tribunal sérias reservas quanto à veracidade dos factos que relatou em audiência de julgamento, posto que, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, o seu depoimento não foi sereno, nem objetivo, nem constante, muito menos inabalável.

    33- E sendo esta a única testemunha que alegadamente presenciou o invocado facto criminoso, o tribunal devia ter absolvido o arguido, por falta de prova.

    34-Ou no mínimo pelo princípio do “in dúbio pró réu”.

    35- As expressões que alegadamente constituem crime e que constam, uma da acusação, outra da sentença e que o tribunal “a quo” deu como provada, ambas são feitas na forma verbal do presente do indicativo.

    36- São expressões de ameaça de um mal presente, que não de um mal futuro.

    37- Face ao depoimento das testemunhas de acusação, o arguido sabia onde se encontrava o visado da alegada ameaça, podendo, se tivesse querido, oportunidade de dar um tiro no visado logo ali e de imediato. O que não aconteceu.

    38- Donde, o eventual receio ou medo do visado não ter qualquer fundamento, nem se poder dar como provado, ao contrário do decidido pelo tribunal.

    39- Pelo que não se verifica este requisito do tipo de crime de ameaça.

    40- Por outro lado, a consumação do crime de ameaça supõe o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem mal futuro, que constitua...

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