Acórdão nº 517/17.8PBGMR-E.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo 517/17.8PBGMR que corre termos no Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 2, foi proferido o seguinte despacho: A fls. 277, o ofendido L. M., ainda na fase de inquérito, veio requerer a sua constituição como assistente, através de requerimento dirigido ao Digno Magistrado do Ministério Público. Não obstante, o Ministério Público, em vez de remeter os autos à autoridade judiciária competente (o JIC - cfr. art.° 68.º, n.°s 3 e 5 do CPP) para apreciar o requerido, enviou-os à distribuição prematuramente.

Destarte, não estão os autos em condições para que seja proferido o despacho previsto no art.° 311.º do CPP, pelo que se anula a distribuição e se determina a remessa ao Ministério Público para o que tiver por conveniente.

Notifique.

*Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição): 1. O Ministério Público deduziu despacho final de inquérito (dia 07.02.2018) e ordenou a sua notificação nos termos legais.

  1. Entretanto, a fls. 277 (dia 02.03.2018), veio o ofendido L. M. requerer a sua constituição como assistente, apresentando em 13.02.2018, em articulado separado, pedido de indemnização civil, nos termos do art. 77º do Código de Processo Penal (cfr. fls. 301 e ss.).

  2. Em 20.03.2018, foi ordenado pelo Ministério Público o cumprimento do disposto no art. 68º, n,° 4 do Código de Processo Penal (cfr. fls. 304).

  3. Decorridos os prazos legais, sem que fosse requerida a abertura de instrução, foram os autos remetidos à distribuição (dia 24.05.2018), com a promoção de que o Ministério Público nada tinha a opor a esse pedido de constituição como assistente (cfr. fls. 339 e 345).

  4. Vem o presente recurso interposto da douta decisão de fls. 350 (dia 12.06.2018), quando após remessa dos autos para a fase de julgamento, assim determinou: «A fls. 277, o ofendido L. M., ainda na fase de inquérito, veio requerer a sua constituição como assistente, através de requerimento dirigido ao Digno Magistrado do Ministério Público. Não obstante, o Ministério Público, em vez de remeter os autos à autoridade judiciária competente (o JIC - cfr. art.° 68º, n.°s 3 e 5 do CPP) para apreciar o requerido, enviou-os à distribuição prematuramente.

    Destarte, não estão os autos em condições para que seja proferido o despacho previsto no art.° 311º do CPP, pelo que se anula a distribuição e se determina a remessa ao Ministério Público para o que tiver por conveniente.

    Notifique.» 6. O Ministério Público não pode conformar-se com tal decisão e daí o presente recurso.

  5. A fase de inquérito termina com o despacho final de inquérito, no caso, com a dedução de acusação.

  6. Os pedidos de constituição como assistente formulados entre o momento em que foi deduzida acusação pelo Ministério Público e o momento em que os autos são remetidos para a fase de julgamento não carecem de ser imediatamente apreciados, podendo sê-lo em ato seguido pelo Juiz competente para a fase de julgamento, salvo se a admissão prévia dessa constituição como assistente for condição para a validade da prática de qualquer ato processual pelo requerente (por exemplo, a dedução de acusação particular nos termos do art. 284.° do Código de Processo Penal).

  7. Por conseguinte, o despacho proferido nos autos a fls. 350 que 'anula a distribuição" é manifestamente ilegal porque desprovido de fundamento legal, o que aliás nem sequer foi invocado pelo Tribunal a quo.

  8. Não existe nenhum normativo que, em alternativa ao despacho a que alude o art. 311.º do Código de Processo Penal, permita ao Tribunal a quo "anular a distribuição".

  9. Entendimento contrário seria até suscetível de provocar um verdadeiro "entorse" ao princípio constitucional do juiz natural previsto no art. 32.º, n.° 9 da Constituição da República Portuguesa, no sentido constitucional que tribunal é também o próprio juiz chamado a tomar a decisão num caso concreto.

  10. Permitir que o Tribunal a quo possa "anular a distribuição", seria admitir uma derrogação das regras próprias da distribuição, devolvendo os autos ao Ministério Público e sujeitando o processo depois a nova distribuição, com possibilidade de alteração do foro competente para o julgamento (alteração do concreto Juiz da causa).

  11. Mas ainda que assim não se entenda, remetidos que foram os autos à fase de julgamento e vislumbrando-se uma "ilegalidade" pela não remessa dos autos ao Juiz de Instrução, importa atentar no disposto no art. 123º, n.° 2 do Código de Processo Penal.

  12. Segundo este normativo, "pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade (...) quando ela puder afetar o valor do ato praticado".

  13. Conforme refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (3) «... nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado (princípio de relevância material da irregularidade). ( ... ) Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afetar o valor do ato praticado, não se verifica o vício previsto no artigo 123º isto é, a ilegalidade do ato é inócua e juridicamente irrelevante" (sublinhado nosso).

  14. Ora, se a lei atribui competência material ao Juiz para conhecer e decidir sobre pedidos de constituição como assistente, mesmo na fase de Julgamento, nos prazos indicados no art. 68º, n.° 3, al. c) do Código de Processo Penal, 17. então, no caso concreto, é juridicamente irrelevante que o pedido de constituição como assistente formulado nos autos seja apreciado pelo Juiz de Instrução ou pelo Juiz de Julgamento.

  15. Já que a validade desse pedido não fica comprometida se o mesmo for apreciado pelo Juiz de Julgamento, nem existe nenhum ato subsequente àquele pedido que fique igualmente afetado, nem tão pouco existe nenhum direito dos diversos sujeitos processuais que tenha sido "beliscado".

  16. Aliás, nem sequer é mencionado no douto despacho de fls. 350, qual a relevância material da irregularidade: qual é o ato processual que ficou comprometido e que só a remessa do processo ao Juiz de Instrução possa reparar.

  17. É nosso entendimento que ao ter decidido da forma como o fez, violou a douta decisão o disposto no art. 123º, n.° 2 e 311º ambos do Código de Processo Penal e no art. 32.º, n.° 9 da Constituição da República Portuguesa.

  18. Pelo que, em consequência, caso o Tribunal a quo não reveja a sua posição e assim obste a maiores delongas, como o permite o art. 414º, n.° 4 do Código de Processo Penal, com o sempre e mui merecido respeito, deverá a mesma ser revogada e substituída por despacho a que alude o art. 311º do Código de Processo Penal e, simultaneamente, dê seguimento à tramitação legal do pedido de constituição como assistente.

    *O...

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