Acórdão nº 4573/17.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Setembro de 2018

Data20 Setembro 2018

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Manuel e mulher, Maria, propuseram acção declarativa de condenação, contra X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., alegando, em síntese, que cerca das 15h:10m do dia 27 de Setembro de 2014, ocorreu um acidente de viação na VIM, freguesia de (...), Vila Nova de Famalicão, desta Comarca de Braga, entre o velocípede sem motor conduzido pelo seu filho menor A. S., e o ligeiro de passageiros com a matrícula XC, seguro na Ré, e por culpa da condutora deste último, sendo que, em consequência de tal embate, sofreu o referido menor A. S. várias lesões que lhe causaram a morte, e invocando a verificação de danos vários que descriminam, de índole patrimonial e não patrimonial, concluem pedindo a condenação da Ré a “pagar aos A.A. a quantia € 231.550,00, quantia esta acrescida de juros legais de mora a partir da citação, bem como a pagar as custas processuais”.

Contestou a Ré alegando, em suma, que as lesões crânio-encefálicas que causaram a morte do filho menor dos Autores teriam sido evitadas se o menor levasse um capacete protector na cabeça, e que deveu-se a culpa exclusiva do menor A. S. a produção do embate por violação do previsto nos art.ºs 11º, n.º 2, 13º, n.º 1, 21º, n.º 1, 82º, n.º 5 e 133º todos do Código da Estrada e, ainda, porventura, de seu pai, aqui Autor, Manuel, por violação do dever de vigilância que, sobre aquele e em especial naquela circunstância, de circulação na via pública, tinha, imposto pelo art.º 491º do Código Civil.

Realizado o Julgamento foi proferida sentença a julgar a acção nos seguintes termos: “Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré X – Companhia de Seguros, S.A., a pagar aos Autores: a). a quantia de € 53.333,33 (cinquenta e três mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento; b). a quantia de € 516,66 (quinhentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, desde 25 de Setembro de 2017 e até integral pagamento”.

Inconformados vieram recorrer os Autores e a Ré seguradora, ambos interpondo recurso de apelação.

Os recursos foram recebidos como recursos de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes Conclusões: A- Recurso de apelação da Ré seguradora I. Ao contrário do considerado pela sentença recorrida dos factos provados não resulta a prática de qualquer acto ilícito pela condutora do veículo XC.

  1. Ainda que se considerasse a prática de tais actos ilícitos por aquela dita condutora do XC sempre então, ao menos, haveria que concluir não existir nexo causal entre aqueles actos – os de não ter abrandado e de não ter circulado a mais de 1,5 metros do menor – e a produção do acidente, pelo que, pela inexistência de nexo de causalidade entre os sobreditos imputados ilícitos e a produção do embate entre os dois veículos, não se poderá assacar a responsabilidade civil na produção do acidente à condutora do XC, por não verificado esse dito requisito de nexo causal exigido pelo artº 487º do CC para esse efeito.

  2. A culpa e, sobretudo, a manobra exclusivamente causal do acidente em apreço nos autos foi a executada pelo menor e consentida, por omissão da devida e necessária vigilância sobre aquele, pelo autor, pai daquele, a traduzida nos factos 29, 30 e 31 acima transcritos. Deverá, como tal, ser imputada a responsabilidade exclusiva na produção do acidente em apreço ao próprio autor, por não ter impedido, como, por vigilante do menor, se lhe impunha, a execução, por seu filho menor, dos factos causadores do acidente, o que, por força dos artºs 570º/1, 571º e 505º do CC, deverá excluir a responsabilidade da condutora do XC e, como tal, da aqui apelante, pelo que o tribunal a quo, ao não o reconhecer, fez, também por aqui, uma errada aplicação daqueles preceitos legais e do disposto nos artºs 483º e 487º do CC.

  3. Ao permitir que o menor, seu filho, circulasse sem capacete de protecção na cabeça, que, pese embora não imposto por lei, teria sido suficiente, como provado, para evitar a morte daquele, o autor omitiu, de forma a contribuir de forma causal para as lesões cranianas sofridas por seu filho, os deveres de vigilância que se lhe impunham, no que contribuiu, de forma causalmente decisiva, para a morte daquele e, como tal, para excluir qualquer dever de indemnização que seja imposto à apelante, por força dos artºs 570º/1 e 571º do CC.

  4. Se em nada se atender ao supra exposto e se mantiver a condenação da ré a compensar os autores, sempre então, ao menos, se terá que considerar que o autor, pai do menor, duplamente responsável pela morte deste, quer por não o ter impedido de executar a manobra causal do acidente, a de guinar para a direita, quer por ter permitido que aquele circulasse sem capacete na cabeça, capacete esse que, estando disponível, teria evitado a morte do menor, não tem direito a qualquer compensação pecuniária pelos danos resultantes do acidente, como decorre do previsto no artº 14º/3 do DL. 291/07, de 21 de Agosto.

  5. A quantia, de € 100.000, arbitrada para compensar o dano da morte do menor mostra-se jurisprudencialmente excessiva e violadora do artº 566º/1 do CC.

  6. O tribunal recorrido fez uma errada aplicação dos artºs 18º/3 e 24º/1 do C.E., do artº 14º/3 do DL. 291/07, de 21 de Agosto, e dos artºs 483º, 487º, 505º, 570º/1 e 571º do CC, devendo a sua decisão ser revogada e substituída por outra que absolva a apelante do pedido.

    B- Recurso de apelação dos Autores 1.ª – Como se diz na douta sentença recorrida “…é apodítico não ser legalmente obrigatória a condução de velocípedes com capacete…”, e, assim, a omissão do seu uso não consubstancia violação de qualquer preceito legal.

    1. – Essa omissão reconduzir-se-á, quando muito, à preterição de um dever geral de cuidado, que não poderá ser “punida” ou cominada com qualquer sanção, ainda que meramente civil.

    2. – Na ausência de qualquer imposição legal, tudo se passa como se o menor, em lugar de seguir de bicicleta, estivesse a atravessar a via a pé (obviamente, sem capacete) e, sendo atropelado nessa travessia, perecesse em consequência de lesões crânio-encefálicas.

    3. – Se assim tivesse acontecido, é manifesto que, enquanto peão, não obrigado a usar capacete, não poderia ser “punido” com a atribuição de uma quota-parte de responsabilidade, por esse não uso.

    4. – Somos, pois, levados a concluir que a omissão do uso de capacete pelo menor, não sendo legalmente exigível, não poderá ser “punida”, influenciando a repartição de responsabilidades no sinistro.

    5. – O menor tripulando um velocípede sem motor, quando o veículo seguro pela recorrida se encontrava muito próximo e iniciava a sua ultrapassagem, seja porque se atrapalhou, seja porque se desequilibrou, guinou à sua direita, acabando por embater no veículo seguro pela recorrida, que, então, se encontrava já ao seu lado.

    6. – Porém, não nos parece pertinente concluir que o citado comportamento do menor contribuiu para a eclosão do acidente, sendo certo que este nunca poderia ser-lhe imputado a título de culpa, dado que, atenta a sua concreta idade, não podia prever as consequências do seu ato, o qual, assim, somente lhe poderia ser imputado em termos naturalísticos.

    7. – Porém, sendo certo que o pai do menor estava, por lei, obrigado a vigiá-lo, não nos parece que o cumprimento menos rigoroso desse seu dever tenha contribuído para a produção do acidente.

    8. – A condutora do veículo seguro pela recorrida circulava numa estrada que se desenhava em reta, com excelente visibilidade e, assim, logrou avistar os dois ciclistas com muita antecedência e logo notou que um deles era uma criança.

    9. – Nestas concretas circunstâncias, a condutora do veículo seguro pela recorrida deveria rodear-se de cautelas redobradas 11.ª – Deveria, pelas mais elementares regras de prudência, ter-se abstido de proceder à ultrapassagem, que, conforme deveria presumir, podia, a qualquer momento alterar a sua trajetória.

    10. – Sempre, por outro lado, ao realizar a manobra de ultrapassagem pelo lado direito, deveria manter uma distância lateral mínima em relação ao velocípede tripulado pelo menor de 1,50 metros, pelo menos.

    11. – Todavia, na execução da ultrapassagem, apenas deixou uma distância lateral relativamente ao velocípede de 1,15 metros, violando, pois, o disposto no art. 18.º, n.º 3 do Código da Estrada.

    12. – Sem embargo, tratando-se, como se disse, de passar ao lado de uma criança, deveria prever que esta pudesse assustar-se, atrapalhar-se ou desequilibrar-se e, por isso, os mais elementares deveres de cuidado e precaução impunham à condutora...

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