Acórdão nº 6267/16.5T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de (...) *1 – RELATÓRIO Nos autos de Insolvência em que é insolvente G. F.

, a Srª Administradora da Insolvência apresentou o seu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa.

O Ministério Público manifestou a sua concordância com o parecer da Administradora.

Devidamente citado, o visado G. F. deduziu oposição, contestando os fundamentos invocados pela Srª Administradora, juntando e requerendo a produção de prova, bem como arrolando testemunhas.

Na produção de prova, solicitou que a Srª Administradora da Insolvência em poder da qual se encontra a escrita da Sociedade Construções X, SA, juntasse aos autos cópias das Informações Empresariais Simplificadas (IES), dessa empresa, respeitantes aos anos de 2003 a 2011, para prova do alegado no artigo 12º da oposição, por reporte aos artigos 24º a 26º da acção que constitui o apenso E, o que foi deferido.

Por requerimento de 21 de Fevereiro de 2018, o ora recorrente insistiu pela junção de tais IES, o que foi deferido pelo Tribunal, sendo que no dia 22 de Fevereiro de 2018, aquando da realização da audiência, ainda não tinham sido juntos aos autos.

No dia 21 de Março de 2018, o ora recorrente insistiu novamente pela produção dessa prova, requerendo simultaneamente, que a audiência de discussão e julgamento não prosseguisse com as alegações finais, sem que esses documentos fossem juntos, tendo o tribunal considerado que, quando tais documentos fossem juntos ao processo e não obstante, já se terem produzido as alegações finais, as partes seriam notificadas da junção dos mesmos para sobre eles se pronunciarem.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, aonde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas, foi proferida decisão que qualificou como culposa a insolvência de G. F., sem que os já supra aludidos documentos fossem juntos e sem que as partes se pudessem pronunciar sobre eles e o Tribunal os tivesse apreciado como prova.

Inconformado com essa decisão, apresentou o insolvente G. F. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1.

Uma vez que o Tribunal deu como provados determinados factos dos quais extraiu conclusões no sentido de julgar malévola e prejudicial para os credores a actuação do Requerido, tendo, por outro lado, deferido a produção de provas sobre outros factos de cuja demonstração resultaria a “crise” daqueles, não deveria ter proferido a decisão final sem que tal prova tivesse sido produzida, conforme fora deferido; 2.

Tendo-o feito, o Tribunal obstaculizou à prática de acto essencial para o exame e boa decisão da causa pelo que, nos termos do artº. 195º. – 1 e 2 do Cod. Proc. Civil, ocorre nulidade de processo que afecta a própria sentença; 3.

Quando a correcta valoração dos meios de prova, nomeadamente da prova documental e da prova gravada impõe que os factos em discussão sejam assentes em sentido diverso daquele que o tribunal decidiu, deve proceder-se à reapreciação desses meios de prova e decidir em conformidade com o que deles resultar (artº. 640º. do Cod. Proc. Civil); 4.

No caso, foi incorrectamente assente a matéria constante dos pontos 3., 18., 21., 27., 28., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 37., 38., 39., 40., 41., 42. 43., 44., 47., 57., 59., 60., 61., 62., 65. e 69. de “Factos provados”, os quais, - fazendo-se a reapreciação das provas indicadas na alegação relativamente a cada um deles, sendo que, quanto à prova gravada, se identificam os depoimentos e, concretamente, as passagens dos mesmos que para o efeito relevam (artº 640º.-1 e 2, al. a) do Cod. Proc. Civil) -, devem ser formulados no sentido que também na alegação se refere, sendo esse sentido, em diversos casos, “não provado”; 5.

Também foi incorrectamente julgada a matéria de facto incluída em “Factos não provados”, a qual, obedecendo-se aos requisitos jurídico-processuais aludidos na conclusão anterior (conclusão 4.) – todos os pontos 1. a 5. – merecem o julgamento de “provado”; 6.

Rectificado o julgamento da matéria de facto em conformidade com o exposto, será, de todo, insustentável que se qualifique como culposa a insolvência do Requerido uma vez que em nada se preenche a previsão do artº. 186º. do C.I.R.E.; 7.

Em qualquer caso e quanto às duas situações em que o Tribunal suporta a qualificação:

  1. A partilha adicional realizada em 2014 incidiu num imóvel para o qual não é apontado nenhum valor concretamente especificado, “especulando-se” que será superior ao que, no acto, lhe foi atribuído. Certo é que todos os elementos constantes dos autos indiciam que tal imóvel tem um valor muito reduzido; b) A alienação da quota da Y – cujo valor também não se apurou para além do que resulta dos elementos contabilísticos – correspondeu a um negócio do qual resultou a libertação de passivo do insolvente. Também neste caso, seja ele qual fôr, jamais estará em causa montante significativo face ao volume do passivo em causa.

    1. É nestes dois factos que – finalmente – o Tribunal alicerça a qualificação.

    Porém:

  2. No primeiro, assiste-se apenas à conclusão de um processo de partilha emergente da separação judicial de pessoas e bens do casal do insolvente, ocorrida em 1998, fora de qualquer contexto de insolvência; b) No segundo, está em causa uma forma expedita de resolver uma situação de passivo que há muito se havia vencido e sob pressão de cobrança.

    1. Mas em nenhum dos casos se demonstra ou ocorre um acto malévolo nem do qual resulte uma afectação de todo ou parte considerável do património do Requerido (artº. 186º.-2, a) do C.I.R.E.); 10.

      como também não se demonstra ou quantifica um prejuízo relevante para os credores (artº. 186º.-1 do CI.R.E.), tanto mais que o valor dos bens questionado é, em qualquer das possibilidades, absolutamente irrisório face ao montante dos créditos reconhecidos (8.509.798,94€); 11.

      sendo ainda certo que nenhum desses factos configurou um negócio ruinoso que tenha aproveitado ao Requerido ou a pessoas com ele especialmente relacionadas (artº. 186º.-2, b) do C.I.R.E.); 12.

      Como a sentença recorrida afirma: o Requerido “não tinha, nem nunca teve (...) bens suficientes para pagamento das mesmas (operações que avalizou), limitando-se a esperar que a sociedade iria talvez conseguir gerar activos para pagar as dívidas”. O que permite concluir que: 13.

      Nem os credores jamais tiveram - ou poderiam ter - alguma espectativa de vir a cobrar os seus créditos à custa do escasso património do Requerido.

    2. Nem o Requerido deixou de esperar - como de resto sempre tem dito em todas as circunstâncias - que a sua empresa (de onde, por via de garantias prestadas ou de dívidas revertidas provém todo o passivo do insolvente) iria prosseguir e vencer as dificuldades com que se deparou, sendo o esforço com que se empenhou sempre dirigido nesse sentido e o único susceptível de vir a produzir resultados satisfatórios para os credores, e não para os iludir ou prejudicar, ou para se beneficiar a si próprio ou a terceiros.

    3. Resulta do próprio parecer da Senhora Administradora de Insolvência sobre o pedido de exoneração do passivo restante que, do facto de o insolvente não ter tomado a iniciativa de requerer a insolvência, e ainda que se considere que, eventualmente, se encontraria já na situação que o justificaria nos 60 dias anteriores à declaração da mesma, não decorreu prejuízo para os credores.

    4. Certo é que, como resulta documentado nos autos, o passivo do insolvente não se agravou nesse período de tempo. Na verdade, não existe nenhuma dívida posterior a 2011, 17.

      donde, como é pacífico na jurisprudência e na doutrina mais respeitada, tal eventual incumprimento será absolutamente irrelevante para os efeitos em causa de qualificação ou de exoneração de passivo.

    5. A sentença recorrida violou portanto, além de outras disposições que V. Ex.as doutamente suprirão, o artº. 186º. – 1, 2, als. a) e b) e 3 e 238º.-1 do C.I.R.E. e padece da nulidade a que se refere o artº. 195º. – 1 e 2 do Cod. Proc. Civil.

      Termos em que: A) - Deve realizar-se a reapreciação da prova mencionada nas alegações, em especial, a prova gravada referida e identificada nos capítulos I e II e, em conformidade, proceder-se à alteração do julgamento sobre a matéria de facto.

      1. - Deve, por serem procedentes as conclusões, dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e, em sua substituição, proferir-se decisão que reconheça como fortuita a insolvência do Requerido.

      Como é de JUSTIÇA! *Contra-alegou o Ministério Público, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1º Afigura-se-nos que o douto tribunal “a quo” ao ter deferido como prova os IES referentes aos anos de 2003 a 2011, deveria tê-los apreciado em sede de audiência, após a sua junção aos autos, e após o exercício do imprescindível e inalienável direito do contraditório, não podia dar a sentença final, sem que esse meio de prova fosse por si apreciado.

      1. Ao fazê-lo violou o disposto no artigo 195º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, o que acarreta nulidade, a qual foi invocada atempadamente, nos termos do artigo 199º, do acima referido diploma.

      2. Deve, assim, em nossa modesta opinião, ser dada procedência à invocada nulidade e determinar-se que o douto Tribunal “a quo” imponha a junção aos autos dos aludidos documentos, dê o necessário contraditório e após a sua apreciação, decida em conformidade.

      3. Mas, caso assim se não entenda, e doutamente se entenda não se verificar a arguida nulidade, deve o recurso interposto pelo G. F., ser julgado improcedente por não provado, porquanto a douta sentença recorrida decidiu conforme à prova produzida em audiência, segundo as regras da experiência comum, e a factualidade dada como provada e não provada, sendo corolário lógico e racional dessa mesma prova.

      4. Para além disso, a douta sentença recorrida não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade ou de qualquer contradição entre os...

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