Acórdão nº 363/16.6T9CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Maria José Matos.
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RELATÓRIO No processo comum singular nº 363/16.6T9CHV, do juízo local criminal de Chaves, da comarca de Vila Real, foi submetido a julgamento o arguido Manuel, com os demais sinais dos autos.
A sentença, proferida a 15 de fevereiro de 2018 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «a) Condeno o arguido Manuel pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 183º, nº 1, al. a) do Código Penal na pessoa da assistente Z. A. na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa; b) Condeno o arguido Manuel pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 183º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pessoa da assistente Z. A., na pena de 60 (sessenta) dias de multa; c) Condeno o arguido Manuel pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº 1 e 2 al. a) do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 183º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pessoa da assistente Associação Social X, IPSS, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa; d) em cúmulo jurídico das penas referidas em a) a c), condeno o arguido Manuel na pena única de pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no montante global de €1.100 (mil e cem euros); d) Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes e, em consequência, condeno o arguido/demandado Manuel a pagar à assistente Z. A. a quanta de € de €750 (setecentos e cinquenta euros) e €500 (quinhentos euros) à Associação Social X, IPSS a que acrescem juros desde a notificação e até integral pagamento.
Mais se condena o arguido Manuel no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Custas do pedido de indemnização civil pelo decaimento.
Remeta, após trânsito em julgado, boletins ao registo criminal.
Notifique e deposite.»*Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: «Da injúria 1 - Considerando a factualidade na qual se fez assentar a condenação pelo crime de injúria (pontos 1 a 3 dos factos provados), entende o recorrente que tais factos não são susceptíveis de reconduzir-se ao crime de injúria agravada ou outro qualquer crime.
2 - A injúria anda associada à noção de insulto e de ultraje.
3 - Isto posto, nenhuma das expressões que são atribuídas ao arguido na reunião da Direcção da Associação Social X no dia de 27 de Outubro de 2015 – pontos 1 a 3 dos factos provados, nos quais o Tribunal fez assentar a condenação pelo crime de injúria - teve a virtualidade de causar dano à honra da assistente Z. A. em qualquer das vertentes penalmente tuteladas.
4 - Nenhuma das expressões atribuídas ao arguido (ter dito à assistente Z. A. que ameaçou o seu filho M. L.; que havia proibido os funcionários da Instituição de falar com o filho e de os incentivar a tais comportamentos; de ter exercido assédio moral grosseiro sobre o filho; de ter dito ao filho que onde já trabalhou não gostavam dele; de perseguir o seu filho) alcança o limiar de dignidade penal a que se reconduz o crime de injúria: na verdade as palavras proferidas pelo arguido não constituem a imputação de quaisquer factos ofensivos da honra ou consideração da assistente Z. A. ou mesmo de palavras ofensivas da honra ou consideração.
5 - Tratou-se apenas da verbalização de um sentimento de injustiça perante a situação de “desespero” que o arguido entendia que vinha a ser vivenciada pelo seu filho, verbalização essa que não tem dignidade penal, deixando intocável a honra e consideração devida à assistente Z. A..
6 - Aliás, a assistente Z. A. já tinha conhecimento da insatisfação do arguido em relação à situação laboral do seu filho – até já teria ocorrido o episódio dos panfletos a que se alude no ponto 6 dos factos provados -, tendo sido nesse contexto, aliás, que ela própria convocou a reunião extraordinária de 27 de Outubro, para melhor “esclarecer o arguido sobre a situação laboral do seu filho”, como resulta dos pontos 1 e 2 dos factos provados.
7 - Ora, se a própria assistente convocou a reunião para “esclarecer” o arguido é porque achou que a insatisfação por este anteriormente veiculada – que na reunião se limitou a ser recalcada -, era passível de clarificação, não a concebendo, portanto, como sendo de molde a beliscar a sua honra e consideração, 8 - Note-se, ademais, que não ficou provado que o arguido soubesse que os factos em causa, descritos no ponto 3 dos factos provados, eram falsos – vd. ponto 34 da factualidade dada como não provada. Pelo contrário, como se refere a pags. 10 da douta sentença recorrida, “da prova produzida resulta que o arguido estava convencido que efectivamente tais acusações eram verdadeiras e que as fazia na defesa dos interesses do filho”.
9 - Mais, não ficou provado que ao veicular as expressões em causa, o arguido tivesse intenção de prejudicar a reputação, bom nome e prestígio da assistente – vd. ponto 33 da factualidade dada como não provada – como efectivamente não pôs, pelo que não estão provados quaisquer factos integrantes dos elementos do tipo subjectivo de ilícito.
10 - Assim, em conclusão, não só os factos nos quais se fez assentar a condenação pelo crime de injúria (pontos 1 a 3 dos factos provados) não são susceptíveis de constituírem a prática de um crime contra a honra, como não se encontram provados factos integrantes dos elementos do tipo subjectivo de ilícito, pelo que deve revogar-se a condenação nesta parte, por manifestamente infundada.
Da difamação 11 - Quanto à alegada publicação no Facebook em que o arguido “apelida a assistente de esquizofrénica” mais do que a narração de um facto – para o que o arguido não estava sequer habilitado cientificamente – a frase em questão contém um juízo de valor sobre a postura da assistente ao longo do diferendo de que esta e o seu filho eram protagonistas, relacionado com a situação laboral deste último.
12 - Enquanto juízo de valor qualificativo de uma actuação ou atitude, poderá considerar-se tal expressão como significativa, para o comum dos cidadãos, de atitude desequilibrada, inconstante, parcial.
13 - Nessa medida pode questionar-se se a expressão empregue é ou não lesiva dos sentimentos de auto-consideração que a todos assiste, bem como da sua reputação ou consideração social.
14 - Aliás, como supra se explanou, após essa alegada publicação no Facebook – cuja data concreta não consta dos factos provados, mas que se supõe ter sido contemporânea do episódio dos panfletos a que se alude no ponto 6 dos factos provados – a assistente Z. A. convocou a reunião extraordinária de 27 de Outubro, para melhor “esclarecer o arguido sobre a situação laboral do seu filho”, como resulta dos pontos 1 e 2 dos factos provados.
15 - Ora, se a própria assistente convocou a reunião para “esclarecer” o arguido é porque não concebeu a insatisfação por este veiculada anteriormente – em cujo contexto se insere a alegada publicação no Facebook na qual a apelida de “esquizofrénica” -, como sendo de molde a beliscar a sua honra e consideração.
16 - Por outro lado, da factualidade provada não resulta se a publicação do Facebook era pública, acessível ao público em geral, ou apenas restrita a um grupo de pessoas, donde não podemos concluir, sem mais, estarem verificados os requisitos da publicidade do artigo 183.º n.º 1 a) do C.P., como se concluiu na douta sentença.
17 - Quanto ao facto dado como provado de que “em 16 de Novembro de 2015 o Arguido dirige uma carta à Assistente com o assunto “pedido de exoneração”, onde acusa a Assistente Z. A. de ser mentirosa compulsiva e sofrer de Mitomania”, entende o recorrente que tal descrição factual não é suficiente para dar como provado o crime de difamação.
18 - Concretamente, ao dizer-se que o “Arguido dirige um carta à Assistente” (assistente que a sentença não especifica, mas que se supõe ser a Assistente “Social X”), não se retira daí que tal carta tenha sido expedida ou chegado efectivamente ao conhecimento de terceiro(s).
19 - Da factualidade provada não consta a concreta forma do eventual envio da carta (correio simples/registado, entrega em mão), nem a sua efectiva recepção, as circunstâncias do eventual recebimento e a eventual divulgação a terceiro(s), de modo a preencher-se o necessário enviesamento para o crime de difamação.
20 - Tampouco consta qualquer facto que permita concluir pelo agravamento da publicidade, previsto no supra referido artigo 183.º, n.º 1 al. a) do C.P.
21 - Poderia até ter-se dado o caso de a carta - na eventualidade de ter sido efectivamente expedida e recepcionada - ser lida apenas pela Assistente Z. A., que era a Presidente da Direcção. Nesta circunstância estaríamos a falar de uma hipotética injúria e não difamação.
22 - Assim, por tudo quanto se expôs, deve revogar-se a condenação pelo crime de difamação, por manifestamente infundada.
Da ofensa a pessoa colectiva 23 - A douta sentença não diz quais os concretos factos que põem em causa a credibilidade e o prestígio da associação Assistente.
24 - Poderemos dizer, que uma vez que apenas foram dados como provados elementos integrantes do tipo subjectivo reportados aos factos 10, 13 e 22 (vd. pontos 24, 25, 26, 27 dos factos provados), a eventual ofensa a pessoa colectiva reconduzir-se-á, por exclusão de partes, ao facto narrado no ponto 13 dos factos provados, onde se diz que o arguido “ alega que os €50.000 concedidos a título de subsídio foram consumidos na aquisição de câmaras de vigilância e para ajudar algumas pessoas a suportar despesas com serviço de internet”.
25 - No crime previsto no...
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