Acórdão nº 01350/09.6BELSB 0389/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução23 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: RELATÓRIO A.……………, devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa, acção administrativa comum, contra a “CP – Caminhos de Ferro Portugueses, EP”, pedindo que, em consequência de um acidente que, em 6/8/2007, sofreu na Gare do Oriente, em Lisboa, fosse a R. condenada a pagar-lhe uma indemnização que ressarcisse os danos físicos, materiais e morais daí decorrentes no valor de 500.500 euros a título de danos já liquidados, bem como a quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos referidos no artº 96.º, da petição inicial, acrescida dos juros contados desde a citação até integral pagamento.

O TAC julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia global de € 179.600,00, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Desta sentença, tanto a A. como a R. interpuseram recursos para o TCA Sul, o qual, por acórdão datado de 16 de Janeiro de 2018, veio a conceder provimento ao recurso da “CP” e a considerar prejudicada a apreciação do recurso da A., julgando, assim, a acção totalmente improcedente.

Deste acórdão, a A. interpôs recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “A) - O presente recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo deve ser admitido porque está nele e causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental e porque a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. O artigo 150º do CPTA ao limitar a admissibilidade de recurso de revista para o STA em termos mais apertados do que o fazem os artigos 671º e 672º do Código de Processo Civil viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República, pelo que o presente recurso deve ser admitido nos mesmos termos em que são admitidos os recursos em processo civil, por se verificarem os pressupostos da lei processual civil para a sua admissão.

  2. EXISTE UM ERRO GROSSEIRO NA ATRIBUIÇÃO DA CAUSA ADEQUADA DOS DANOS À QUEDA DA AUTORA, O QUE, NOTORIAMENTE, NÃO É VERDADE, pois como é óbvio, os danos produziram-se porque ENTRE A PLATAFORMA E O COMBOIO EXISTE UM ESPAÇO DEMASIADO LARGO QUE PERMITE OS ACIDENTES NESTAS CIRCUNSTÂNCIAS EM VEZ DE OS PREVENIR.

  3. FOI DADO SINAL DE PARTIDA AO COMBOIO QUANDO A AUTORA SE ENCONTRAVA CAÍDA SOBRE A LINHA.

  4. E ESTE ARRANCOU e os rodados do comboio cortaram o calcanhar da recorrente causando-lhe os ferimentos por ela sofridos porque estava em andamento.

  5. Decorre do conjunto das respostas aos quesitos (apesar da pouca clareza da resposta ao quesito 11) e da elementar experiência comum e do elementar bom senso, G) que se o comboio estivesse sempre parado até a recorrente ser retirada do local onde caiu, OU SE ENTRE A PLATAFORMA E O COMBOIO NÃO EXISTISSE UM ESPAÇO DEMASIADO LARGO QUE PERMITE OS ACIDENTES NESTAS CIRCUNSTÂNCIAS E EM VEZ DE OS PREVENIR, os danos sofridos pela recorrente não teriam ocorrido.

  6. In casu, estamos perante um caso de responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

  7. Aos acidentes ferroviários, como resulta do n.º 3 do artigo 508.º do Código Civil, são aplicáveis os preceitos do Código Civil, atinentes à responsabilidade civil.

  8. Importa, assim, que estejam presentes os respectivos requisitos: Um facto voluntário, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou seja um nexo de imputação subjectiva do facto danoso ao lesado, o dano, ou seja a afectação negativa/prejuízo de bens jurídicos pessoais e patrimoniais, juridicamente tutelados e, o nexo de causalidade entre o facto e o dano sofrido.

  9. Pois que nos termos do preceituado no artigo 483º, nº 1 do Código Civil, aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

  10. Aqui se estabelece pois o princípio geral de responsabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (avisos ou abstenção) violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que visa proteger interesses alheios - comportamento ilícito.

  11. A culpa pode resultar de uma atitude dolosa ou de mera negligência. Esta consiste na omissão do agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível em face das circunstâncias de cada caso e atenta à conduta do homo prudens, o bom pai de família e releva fruto na sua modalidade de consciente (o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo, ou incúria, crê na sua não verificação como inconsciente (o agente, outrossim por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão nem sequer prevê o facto, sendo-lhe porém, exigível que o tivesse previsto).

  12. O artigo 563º do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite, não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

  13. Pelo que o facto que acham como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo o provado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto. Deste conceito de causalidade adequado pode extrair-se desde logo, como corolário que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.

  14. Prima facie começa a douta decisão recorrida por referir que a R. não praticou qualquer facto ilícito, isto é, como consubstanciando a violação de um dever objectivo de cuidado por parte da ré ou dos seus funcionários, O QUE NÃO É VERDADE Q) PORQUANTO: resultou provado que “A porta de entrada da composição onde a A. subiu estava aberta quando esta o fez” e que “Estando aberta a porta da carruagem por onde a A. subiu para o comboio, desequilibrou-se e caiu à linha tendo ficado entalada entre as carruagens e o muro do cais adjacente”.

  15. Resultou também provado que “A A. permaneceu nas circunstâncias referidas até que a composição se deslocou e afastou”; “O sinal de partida do comboio foi comunicado pelo revisor ao maquinista, através da emissão de luz verde e o Chefe de gares, Sr. B…………, funcionário da R presente na estação, perante a queda da A. não auxiliou a testemunha C…………. porque a sua prioridade naquele momento foi garantir que os dois comboios que iriam passar na linha em causa, mudassem de linha, a fim de permitir a retirada da A. dali e a sua posterior assistência” “O referido comboio só retomou a sua marcha depois de concluído o embarque e o desembarque de passageiros, com excepção do embarque da A.” “A partida do comboio só foi dada depois de o respectivo revisor ter dado o sinal ao respectivo maquinista que o serviço estava concluído” e “O comboio iniciou a sua marcha de forma suave e após ter sido dado um sinal sonoro audível na gare de partida”.

  16. Quer isto dizer que houve efetivamente a violação de um dever objetivo de cuidado por parte da Ré.

    Em primeiro lugar: o comboio nunca deveria arrancar sem as portas estarem totalmente fechadas, como sucedeu.

    Em segundo lugar: não deveria haver entre o comboio e a plataforma um espaço tão largo que permitisse que uma pessoa normal caísse sobre alinha, no espaço entre o comboio e a plataforma.

    Em terceiro lugar: o comboio, em particular numa linha de tão grande afluxo de passageiros como é a GARE DO ORIENTE, deveria ter funcionários da CP que vigiassem a entrada e saída de passageiros e que não dessem o sinal para arranque do comboio sem antes verificarem que não haveria perigo para os passageiros.

  17. E a gravidade deste facto é tanto maior quanto a testemunha C……….. logo que a A. caiu à linha a socorreu e isso deveria ser verificado pelo funcionário que deu ordem (se é que deu!) para o arranque do comboio a fim de não dar esse sinal.

  18. Com efeito, apesar de a douta sentença ter entendido que a dinâmica da queda da A. não resultou totalmente esclarecida, quer pela prova testemunhal, quer pela impossibilidade em obter as filmagens, o facto é que a) O comboio iniciou o seu andamento com a porta de entrada das carruagens aberta; b) A A. desequilibrou-se e caiu à linha tendo ficado entalada entre as carruagens e o muro do cais adjacente; c) O Chefe de Estação do Oriente não foi zeloso no cumprimento da sua obrigação, não actuando de forma a impedir o início da marcha do comboio com as portas abertas e da subida da A. para o comboio nessas condições, facto, ele próprio capaz de suscitar aos normais utilizadores a convicção de que ainda era possível efectuar o embarque.

  19. A R. encontra-se obrigada a indemnizar a A. pelos danos por si sofridos por força do disposto no art. 66º do DL nº 39870 - Regulamento para a exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro.

  20. Com efeito, o artigo 66.º do citado Regulamento preceitua que “cumpre à empresa indemnizar os passageiros de todos os prejuízos que sofreram em consequência do acidente (...) salvo se demonstrar que o acidente foi produzido por facto fortuito, força maior, culpa da vítima ou terceiro”.

  21. Ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido e foi frisado, e bem, na sentença de primeira instância, o artigo 69º do referido regulamento não...

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