Acórdão nº 104/17 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 104/2017

Processo n.º 906/16

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A., B. e C. interpuseram recursos para o Tribunal Constitucional. Os dois primeiros recorrentes interpuseram recurso ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), e o terceiro ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC.

2. Pela Decisão Sumária n.º 754/2016, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto dos recursos interpostos, com a seguinte fundamentação:

«Recurso interposto por A.

No presente recurso, o recorrente identifica como decisões recorridas as correspondentes aos “doutos acórdãos do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 18/11/2015 (com retificação de 20/11/2015) e de primeira instância de 16/03/2015”.

Nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, “[c]ompete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida a admissão do respetivo recurso.” Decorre desta norma a obrigatoriedade de o recorrente endereçar o requerimento de interposição de recurso ao órgão jurisdicional competente para a sua admissão, ou seja, ao tribunal que proferiu a decisão recorrida. Por incumprimento deste ónus, por parte do recorrente, ficam irremediavelmente comprometidos os recursos que sejam dirigidos e admitidos por entidade incompetente (v. entre outros, os Acórdãos n.os 613/2003, 129/2004, 622/2004, 176/2005, 292/2005, 278/2008 e 163/2014, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, assim como os restantes arestos deste Tribunal adiante citados sem outra menção de proveniência).

In casu, a circunstância de o recorrente ter dirigido o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ao Supremo Tribunal de Justiça que, aliás, proferiu o respetivo despacho de admissão, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, determina que, para salvaguardar o sentido útil do recurso, só poderá a decisão recorrida corresponder ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 6 de outubro de 2016.

7. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, os respetivos pressupostos cumulativos correspondem à existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa –, ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), à aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida e à suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

No requerimento de interposição do recurso, o recorrente apresenta três questões de constitucionalidade, correspondentes a interpretações reconduzidas aos artigos “127º, 323º, al. f), 327.º nº 2, 345º, nº 4 e 357º do CPP” e “343º nº 1 do CPP”.

Independentemente da não verificação de outros requisitos de admissibilidade do recurso, designadamente quanto ao requisito da natureza obrigatoriamente normativa do objeto do recurso de constitucionalidade, evidencia-se, desde logo, que a decisão recorrida não convocou como ratio decidendi os enunciados interpretativos presentemente formulados pelo recorrente.

Conforme se extrai do plasmado em sede de relatório, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, aqui recorrido, decidiu, prima facie, não admitir os recursos interpostos do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, na parte referente às condenações em pena de prisão por crimes de furto, com fundamento na respetiva irrecorribilidade, e, nessa medida, somente invocou como razão de decidir normas extraídas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e e) do CPP.

Quanto à restante matéria apreciada no acórdão recorrido, designadamente no que concerne à condenação pela prática de crime de associação criminosa, é também notória a ausência de identidade entre a respetiva ratio decidendi e as interpretações formuladas pelo recorrente como objeto do recurso. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcial provimento ao recurso de revista apresentado pelos ora recorrentes, declarando, consequentemente, a nulidade parcial do acórdão do Tribunal da Relação, por ter entendido que as declarações lidas em audiência, ao abrigo do artigo 357.º, n.º 1, alínea d) do CPP, e prestadas em fase de inquérito pelo coarguido C. não eram suscetíveis de constituir fundamento para dar como provados os factos integradores do crime de associação criminosa, uma vez que o arguido declarante, na audiência, exerceu o seu direito ao silêncio, não prestando declarações.

De facto, o acórdão recorrido, concluindo que a valoração das referidas declarações na circunstância de o seu autor se ter remetido ao silêncio constituía uma violação do princípio do contraditório contra o disposto no artigo 345.º, n.º 4, do CPP e configuraria ainda uma interpretação normativa contrária ao artigo 32.º, n.º 5 da Constituição, determinou a exclusão dessa prova do conjunto das que foram valoradas na fundamentação da matéria de facto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no que concerne à condenação por crime de associação criminosa.

Assim, resultando demonstrado que o tribunal a quo não fundamentou a solução dada ao caso em nenhuma das três interpretações enunciadas pelo recorrente, conclui-se pela inadmissibilidade do recurso e consequente não conhecimento do seu objeto.

Recurso interposto por B.

8. O recorrente, interpondo recurso também ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, delimitou duas questões de constitucionalidade como respetivo objeto.

Quanto à primeira questão delimitada, correspondente à interpretação reportada à “al. a), do nº 1, do art. 133º, art. 343º e nº 4, do art. 345º, todos do Código de Processo Penal”, no sentido de “poder apreciar e valorar segundo o princípio da livre apreciação da prova as declarações de um coarguido, prestadas em sede de inquérito, nos termos da al. b), do nº 4, do art. 141º do CPP, em prejuízo de outro/s coarguido/s, quando lidas em audiência, nos termos da al. b), do nº 1, do art. 357º, e apesar de aquele coarguido declarante exercer o seu direito ao silêncio durante todo o julgamento, não prestando declarações”, mostra-se pertinente, na análise da admissibilidade do recurso, convocar o pressuposto da suscitação prévia e adequada da exata questão de constitucionalidade selecionada pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso.

Como se referiu supra, a relevância deste requisito corresponde, de acordo com o disposto no artigo 72.º, n.º 2 da LTC, ao pressuposto da legitimidade para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e ainda à natureza da intervenção deste Tribunal em sede de recurso, para reapreciação, portanto, de uma questão de constitucionalidade de norma ou dimensão normativa suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela.

Ora, tendo presente o enunciado interpretativo formulado no requerimento de recurso, constata-se que o mesmo não ostenta a necessária identidade relativamente ao que foi previamente suscitado em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. De facto, nas conclusões do recurso de revista, o recorrente mencionou que “caso assim se não entenda, então os art.º’ 133.º, 343.º e 345.º do CPP, sofrem de inconstitucionalidade por violação do art. 32,º n.º 5 da CRP, arts. 323º, al. f), 327º, n.º 2, ambos do CPP, na interpretação (errónea feita pelo TRC e pelo Tribunal a quo) que, podem ser valoradas e livremente apreciadas segundo o princípio da livre apreciação da prova, as...

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