Acórdão nº 612/18 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução21 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 612/2018

Processo n.º 851/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Correu termos no Juízo de Família e Menores de Faro, com o n.º 117/11.6TMFAR-C um processo de inventário em que é Requerente A. e Requerido B. (ora Reclamante). Procedeu-se, nesse processo, à conferência de interessados, com licitação de verbas pelo interessado B.. Seguiu-se o mapa informativo, pelo qual se verificou que este interessado licitou em verbas cujo valor excedeu o respetivo quinhão. Notificado para depositar as tornas, não o fez. A interessada A. requereu, então, a adjudicação das verbas n.os 7, 8 e 9, ao abrigo do disposto no artigo 1374.º, alínea a), do Código de Processo Civil, pretensão que foi deferida por despacho de 23/04/2016.

1.1. Inconformado com a decisão de adjudicação de verbas à interessada A., o interessado B. dela pretendeu interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora. Tal recurso foi objeto de um despacho de não admissão, datado de 17/11/2016.

1.1.1. O interessado B. reclamou da decisão que não admitiu o recurso para o Tribunal da Relação de Évora. Por despacho de 02/03/2017 da senhora juíza desembargadora relatora, foi a reclamação indeferida, decisão da qual reclamou o interessado para a conferência, que, por acórdão de 27/04/2017, confirmou a decisão reclamada, em suma, por ali se entender que, podendo a decisão ser impugnada, terá de sê-lo no recurso a interpor da sentença de partilha e não autonomamente antes desse momento.

1.1.2. Desta decisão (que indeferiu a reclamação do despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal da Relação) pretendeu o interessado recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho de 06/07/2017 da senhora desembargadora relatora, o recurso não foi admitido.

1.1.3. Reclamou então o interessado para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. reclamação de fls. 126 a 129, que aqui se dá por integralmente reproduzida). Invocou, designadamente, que foram violados “os preceitos constitucionais, nomeadamente dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, 202.º, n.º 2, e 204.º da Constituição”.

1.1.4. Por despacho de 17/01/2018 do senhor juiz conselheiro relator, a reclamação foi julgada “manifestamente improcedente”, mantendo-se, em consequência, o despacho que não admitiu a revista.

1.1.5. Desta decisão reclamou, ainda, o mesmo interessado para a conferência (cfr. reclamação de fls. 158 a 161, que aqui se dá por integralmente reproduzida). Alegou, inter alia, que “o recurso constitui naturalmente um direito constitucionalmente consagrado”, “devendo ser concedido tal direito ao ora reclamante, sob pena de inconstitucionalidade”.

1.1.6. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/03/2018, a reclamação foi indeferida.

1.1.7. O interessado requereu, ainda, a aclaração do acórdão. Alegou, uma vez mais, que “o recurso constitui naturalmente um direito constitucionalmente consagrado”, “devendo ser concedido tal direito ao ora reclamante, sob pena de inconstitucionalidade”.

1.1.8. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/05/2018, foi reiterada a decisão de indeferimento da reclamação.

1.2. O interessado B. apresentou, então, um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional com o seguinte teor (transcrição parcial do requerimento de fls. 214 a 218, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“[…]

[T]endo sido notificado do acórdão datado de 03/05/2018, e não se conformando com o teor do mesmo, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes.

O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 2 [da LTC].

[…]

[Segue-se a narração de atos processuais atrás descritos.]

(…)

O ora Recorrente não se conforma com o acórdão recorrido, porquanto se entende que o tribunal a quo não interpretou da melhor forma o preceito legal consagrado no artigo 1396.º, n.º 1, do CPC/61. (…)

[…]

[Segue-se uma alegação sobre a aplicabilidade das normas contidas no artigo 1396.º do Código de Processo Civil de 1961 ao caso concreto e sobre as normas infraconstitucionais sobre a admissibilidade do recurso.]

[…]

O recurso constitui naturalmente um direito constitucionalmente consagrado.

Concluindo o Supremo Tribunal de justiça que a situação factual é distinta no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, pese embora tenham partido e decidido segundo as mesmas premissas, não há qualquer oposição de julgados.

Tendo desta forma o tribunal "a quo" violado o princípio constitucional do acesso ao Direito à justiça consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Tais preceitos constitucionais visam uma garantia de proteção jurídica e da via judiciária, que integra vários direitos, designadamente o direito de acesso ao direito e o direito de acesso aos tribunais, incluindo-se neste último, para além do direito de ação e do direito ao processo, o direito de recurso.

O direito de recurso das decisões judiciais implica para qualquer cidadão, a possibilidade de acesso a todos os graus de jurisdição que forem legalmente reconhecidos.

A Constituição da República Portuguesa, ao prever a existência de tribunais de recurso, não pode deixar de conter a implícita referência à existência de um qualquer sistema de recursos, ainda que com uma larga margem de conformação do legislador, na sua estruturação, não podendo este, porém suprimir, em bloco, os tribunais de recurso, abolir genericamente o sistema de recursos, nem inviabilizar a faculdade de recorrer.

O acesso ao recurso deve, assim, basear-se em regras objetivas, respeitando os princípios da proporcionalidade e da igualdade.

O recurso de fixação de jurisprudência tem como núcleo central e justificativo a existência de um conflito de decisões, no facto de no domínio da mesma legislação, terem sido proferidos dois acórdãos que deem à mesma questão de direito soluções opostas, o que se verifica in casu.

Não podendo assim ser retirado o direito de recurso, nem restringi-lo, pois o próprio Supremo Tribunal de justiça acaba por admitir que os acórdãos em confronto sobre a mesma questão de direito decidem de forma diferente, decidindo depois a final pela rejeição do recurso extraordinário para fixação interposto pelo arguido.

A decisão de rejeição do recurso de fixação de jurisprudência viola direitos, liberdades e garantias consagrados na nossa Constituição, nomeadamente o artigo 20.º da CRP.

Considerando-se assim que o artigo 1396.º do CPC/61 está ferido de inconstitucionalidade, violando nomeadamente o artigo 20.º, conforme foi sempre invocado em sede de recurso para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.

O presente recurso tem efeito suspensivo a subir nos próprios autos (artigo 78.º, n.º 4, da LTC).

Nestes termos, requer-se a V.ª Ex.ª que se digne a admitir o presente recurso e feito o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2.1. Este recurso foi objeto de um despacho de não admissão pelo Senhor Vice-Presidente do STJ – o qual constitui a decisão reclamada –, invocando-se a sua “manifesta improcedência”, com os seguintes fundamentos (transcrição parcial do despacho de fls. 223 a 229, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“[…]

Sucede que o acórdão ora recorrido, pronunciando-se sobre a questão suscitada (…) quanto à admissibilidade da revista interposta do acórdão da Relação (…), por sua vez, confirmativo da rejeição da apelação interposta da decisão da 1.ª instância, concluiu pela inadmissibilidade daquela revista, à luz do disposto no artigo 652.º, n.º 5, alínea b), em conjugação com o artigo 671.º, n.os 1 e 2, do CPC (…), tecendo-se as seguintes considerações:

«Seja como for, independentemente da questão da aplicabilidade ou não do disposto no artigo 1396.º, n.º 1, do CPC, o certo é que o acórdão da Relação objeto da revista interposta pelo ora Recorrente/Reclamante incidiu sobre decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual e que, portanto, não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas no artigo 671.º, n.º 1, do CPC. (…)»

[…]

Alheio a este entendimento, o Recorrente não tão pouco especifica qualquer segmento normativo das disposições processuais aplicadas no acórdão recorrido – artigo 652.º, n.º 5, alínea b), em conjugação com o artigo 671.º, n.os 1 e 2, do CPC – que tenha por ferido de inconstitucionalidade, limitando-se, neste particular, a afirmar, genericamente, que a decisão de rejeição do recurso viola direitos liberdades e garantias consagrados na nossa Constituição, nomeadamente o artigo 20.º da CRP, quando é ponto assente que não é sindicável, em sede de fiscalização concreta, a pretensa inconstitucionalidade da própria decisão recorrida.

É quanto basta para considerar de todo inconsistente aquela razão convocada pelo Recorrente.

[…]

Todavia, tendo o Recorrente incidido o objeto do presente recurso sobre o acórdão (…) de 08/03/2018, (…) o certo é que o referido acórdão nem tão pouco aplicou o indicado artigo 1396.º, n.º 1, do CPC/61 (…).

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.3. Inconformado com tal decisão, dela reclamou a interessado para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, nos termos seguintes:

“[…]

[T]endo sido notificado do despacho datado de 15/06/2018...

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