Acórdão nº 606/18 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução14 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 606/2018

Processo n.º 85/2018

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 7 de novembro de 2017, que negou provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente da sentença que, em primeira instância, o condenara pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º1, do Código Penal, e de um crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 292.º, n.ºs 1 e 2, do referido Código, artigo 8.° da Lei n.º 18/2007, de 17.05, e artigos 22.° e 23.° da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de abril, respetivamente, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, e na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), tendo-lhe imposto ainda, a título acessório, a pena única de proibição de condução de veículos motorizados de qualquer categoria, durante o período de 10 (dez) meses, prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«A., arguido nos autos supra id., notificado do Acórdão e fls., e não se conformando com o mesmo, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo, ao abrigo do art. 70º- 1 – b) da Lei 28/82.

O recurso tem em vista ver declarada a inconstitucionalidade do art. 292°-2 do CP., na interpretação expendida no Tribunal da Relação de Lisboa.

A norma não tipifica em concreto o âmbito da infração; o princípio da legalidade obriga à definição e tipificação da conduta criminal - arts 8- 4 e 29- 3 da CRP.; o art. 292, n° 1 CP determina o âmbito do ilícito cumprindo princípios constitucionais; a diferente determinação e determinabilidade do objeto do ilícito fere o princípio constitucional da igualdade: art. 13-1 CRP.

E o art. 69-1 do Cod. Penal viola o direito fundamental ao trabalho- art. 58º-1- da C.R.P.

As supra invocadas inconstitucionalidades foram invocadas nas conclusões 6 e 15 no recurso entreposto da Douta Sentença do Tribunal de Torres Vedras para a Veneranda Relação Lisboa.»

3. No segmento que aqui releva, consta do acórdão recorrido a seguinte fundamentação:

«2. – A matéria de facto provada preenche todos os elementos típicos dos crimes por que o arguido foi condenado, não questionando o recorrente a condenação pelo crime de homicídio por negligência, limitando o seu inconformismo ao crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes.

Este tipo criminal (art.292, nº2, CP), ao contrário do que acontece na condução de veículo em estado de embriaguez (nº1), não exige a prova de qualquer quantitativo, mas tem como elemento típico "...não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes...".

No caso, atento o que consta do nº17 dos factos provados, esse elemento ficou demonstrado, não existindo qualquer censura a fazer no que respeito ao enquadramento jurídico efetuado pela sentença recorrida.

3.– Condenado na pena acessória de proibição de conduzir por um ano (em cúmulo das penas acessórias de 10 meses e 4 meses, respetivamente, pelos crimes de homicídio por negligência e condução de veículo sob influência de estupefacientes), o recorrente considera-a excessiva, alegando que o seu trabalho está ligado à exploração de um restaurante, deslocando-se entre várias localidades e que tal pena o conduzirá ao desemprego.

A graduação da pena acessória de proibição de conduzir, com medida abstrata de 3 meses a 3 anos (art.69, nº1, al. a, do Código Penal), obedece aos mesmos critérios da graduação da pena principal.

À proibição de conduzir deve pedir-se um efeito de prevenção geral de intimidação dentro do limite da culpa e deve esperar-se que esta pena acessória contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente.

No caso, o grau do ilícito é elevado, em particular em relação ao crime de homicídio por negligência, pelas consequências dele resultantes, mas também quanto à condução de veículo sob influência de estupefacientes, pelo perigo daí resultante para a segurança rodoviária.

Confessou os factos, o que não merece particular relevo, pois face ao resultado e dinâmica do evento não restavam dúvidas da evidente falta de cuidado e face ao exame pericial não podia negar o consumo de estupefacientes.

É primário e está inserido social e profissionalmente.

Perante este quadro, as penas acessórias de proibição de conduzir de 10 meses para o crime de homicídio por negligência (entre os limites mínimo e médio da pena abstrata) e de 4 meses para o crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes (um escasso mês acima do limite mínimo), apresentam-se moderadas e adequadas, refletindo já ponderação dos incómodos que daí resultarão para a vida particular e profissional do condenado, não revelando a matéria de facto provada que a sua vida profissional fique prejudicada de forma séria pelo cumprimento desta pena (apenas se provou que, como trabalhador independente, trabalha ligado à exploração de um estabelecimento de restauração).»

4. Remetidos os autos a este Tribunal, foi o recorrente convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, indicando qual a “interpretação” do artigo 292.º, n.º 2, do Código Penal, “expendida no Tribunal da Relação de Lisboa”, cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada por este Tribunal.

5. A tal convite, respondeu o recorrente nos termos seguintes:

«1- a Douta Sentença do Tribunal de Torres vedras foi secundada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no segmento de que o arguido estava limitado no discernimento e lucidez - facto 19 - por antes ter consumido substancias psicotrópicas, sem concretizar ipso facto tais faculdades mentais… pelo que a Douta Sentença recorrida errou ao condenar pelo art. 292 do CP.

2- o art. 292°-2 do CP não tipifica em concreto o âmbito da infração; o principia da legalidade obriga à definição e tipificação da conduta criminal - arts 8- 4 e 29- 3 da CRP.; o art. 292, n? 1 CP determina o âmbito do ilícito cumprindo princípios constitucionais; a diferente determinação e determinabilidade do objeto do ilícito fere o princípio constitucional da igualdade: art. 13-1 CRP

Daí que se entenda, salvo melhor opinião, pela inconstitucionalidade do art. 292-2 por violação dos arts 8°-4, 29°-3 e 13°-1 da Lei Fundamental.»

6. Determinado o prosseguimento dos autos, foram as partes notificadas nos termos e para os efeitos previstos no artigo 79.º da LTC, com a advertência de que o objeto do recurso poderia não vir a ser conhecido no segmento integrado pela questão definida como «o artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal, viola o direito fundamental ao trabalho — artigo 51.º, n.º 1, da Constituição», pelo facto de a dimensão para que remete o parâmetro convocado não integrar a ratio decidendi do acórdão recorrido.

7. O recorrente apresentou então as seguintes alegações:

«O art. 292°-2 do CP não tipifica em concreto o âmbito da infração; o princípio da legalidade obriga à definição e tipificação da conduta criminal- arts 8- 4 e 29- 3 da CRP.; o art. 292, n.º 1 CP determina o âmbito do ilícito cumprindo princípios constitucionais; a diferente determinação e determinabilidade do objeto do ilícito fere o princípio constitucional da igualdade: art. 13-1 CRP.

Resultou provado o consumo de estupefacientes pela livre confissão do arguido, mas sem que resulte da confissão e da Sentença o dia e hora em que consumiu; inexiste nexo de causalidade entre o consumo do estupefaciente e o acidente de viação; não resulta provado que os 15ng/ml e 0.7 ng/ml para tetrabidrocanabinol tenham afetado de que modo e a forma de condução.

O art. 292 n.º 2 do CP não prevê o típico crime de perigo comum. Não basta a presença de substância psicotrópica no corpo, é necessário que a mesma influencie e tome o condutor incapaz de conduzir com segurança (aqui independente do resultado danoso que possa haver). Diferente é a previsão do n° 1, em que basta a taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2gml, independentemente da influência que essa taxa de álcool exerça no condutor, ou mesmo que não afete as condições de condução com segurança. Para se provar que o arguido devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, não estava em condições de conduzir em segurança, teria de ser efetuado o exame, indicando a secção III como deve ser feito, o médico deve preencher o relatório do exame modelo do anexo VII, sendo que do resultado desse exame, respondendo aos itens de: Observação geral; Estado mental; Provas de equilíbrio; Coordenação dos movimentos; Provas oculares;

Reflexos;

Sensibilidade e quaisquer outros dados que possam ter interesse para comprovar o estado do observado.

Só o relatório médico com esses itens preenchidos permitiria ao Tribunal concluir se o examinado estava em condições de fazer o exercício da condução em segurança.", in Ac. RP de 07-09-2011, disponível em www.dgsi.pt exame esse descrito na Portaria 902 - B/2007, de 13 de agosto. Nenhuma prova foi feita de que o arguido não se encontrava em condições conduzir em segurança; o Tribunal não poderia face à prova produzida, à confissão, à prova testemunhal e ao quantitativo acusado no exame de...

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