Acórdão nº 613/16 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução15 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 613/2016

Processo 460/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A. foi condenado, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 10€ (dez euros), pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e, concomitantemente, foi condenado solidariamente ao pagamento dos montantes em dívida ao Instituto da Segurança Social.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal de Relação do Porto que lhe negou provimento, confirmando aquelas condenações.

Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso para este Tribunal. Já aqui, foi o recorrente convidado pelo relator, ao abrigo do disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, uma vez que este se afigurava totalmente omisso quanto à noma cuja a (in)constitucionalidade se pretendia que o Tribunal apreciasse, bem como quanto ao acórdão de que se pretendia recorrer.

Depois de o recorrente ter dado cumprimento ao ordenado, foi proferida a decisão sumária n.º 611/2016 através da qual se decidiu não conhecer do objeto do interposto recurso de constitucionalidade. A referida decisão tem os seguintes fundamentos:

«4. Compulsados os autos e do acima relatado resulta que o recorrente pretende interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, para que sejam apreciadas as seguintes questões de constitucionalidade:

a) A interpretação extraída do disposto nos artigos 40.º n.º 2, 41.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Regulamento Geral das Infrações Tributárias (doravante, “RGIT”) e do artigo 3.º n.º 8, da Lei n.º 58/08 de 9 de setembro, no sentido de que os funcionários da segurança social podem praticar atos de inquérito, sem que exista subdelegação expressa de poderes da entidade na qual foram delegados tais poderes através de despacho do Ministério Público nesse sentido, ou que podem praticar atos de inquérito sem invocar a qualidade de subdelegados, confrontada com o disposto nos artigos 32.º n.º 1, 219.º n.ºs 1 e 2, 266.º n.ºs 1 e 2, e 267.º, n.º, 1 da Constituição;

b) A interpretação extraída do disposto no artigo 40.º, n.º 3, do RGIT, e dos artigos 55.º, n.º 1, 56.º, 262.º, n.º 2, e 263.º do Código de Processo Penal, no sentido de ser dispensável a comunicação ao Ministério Público, por parte da autoridade tributária com competência delegada presumida, dos cidadãos contra quem o inquérito é dirigido, confrontada o disposto no art.º 219.º n.º 1 da Constituição.

5. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC)” (v. Acórdão n.º 57/2013, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

6. No que respeita à questão normativa indicada em a), há que distinguir dois aspetos distinto, embora ligados entre si.

Por um lado, há que distinguir a interpretação que o recorrente entende ser inconstitucional, por violar vários princípios constitucionais – aquela segundo a qual os funcionários da Segurança Social podem praticar atos de inquérito, sem que exista subdelegação expressa de poderes da entidade na qual foram delegados tais poderes, através de despacho do Ministério Público.

Por outro, sustenta o requerente, em resposta ao convite para aperfeiçoamento, que só então fez menção à alínea a) do n.º 8 do artigo 3.º da Lei n.º 58/08 porque, no seu ver, seria improvável que a decisão recorrida invocasse semelhante norma para legitimar a atuação investigatória dos funcionários da Segurança Social. Tal improbabilidade demonstraria a existência de uma “decisão surpresa”, estando, por conseguinte, dispensado o requisito do ónus da sua suscitação prévia.

6.1. Começando por este último apecto, recorda-se que o convite ao aperfeiçoamento, proferido nos termos do disposto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, tem, nos termos da lei, como finalidade exclusiva, a de permitir ao requerente o suprimento do requerimento de interposição do recurso, indicando elementos em falta que condicionem a possibilidade de apreciação do requerimento de recurso. Com o seu âmbito assim delimitado, é evidente que o requerente não pode salvaguardar-se deste mecanismo processual para introduzir uma alteração ao objeto do recurso, como parece pretender.

Ademais, ainda que esta dimensão do objeto do recurso de constitucionalidade, sustentada na invocação de uma interpretação surpresa, tivesse sido feita no próprio requerimento de interposição daquele, não seria de atender, pois, como resulta de jurisprudência consolidada deste Tribunal, «não basta que o recorrente alegue a natureza excecional e anómala da interpretação efetuada pela decisão recorrida. O ónus de suscitação prévia pelo recorrente da questão de constitucionalidade apenas pode ser dispensado na justa medida em que este alegue e demonstre a excecionalidade da situação que tornou impossível a suscitação da questão previamente durante o processo, exigindo-se que o invocado elemento surpresa decorra de regras de interpretação e aplicação lógicas e, por isso, se impõe que sobre aquele que alega essa circunstância recaia o ónus de explicitar os fatores, objetivos, que possam conduzir o tribunal a aceitar uma tal conclusão. É assim insuficiente afirmar, de modo conclusivo, que a aplicação da norma foi inesperada ou surpreendente, se não se aponta com o necessário rigor quer a formulação da interpretação normativa usada, quer a razão pela qual, em atenção à fase processual verificada, foi impossível ao interessado suscitar atempadamente a questão» (cfr. Ac. n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucionl.pt).

6.2. Voltando agora ao primeiro aspeto, cumpre, desde logo, deixar dito que o Tribunal recorrido não adotou o entendimento que o requerente pretende ver sindicado, no sentido de que os funcionários da Segurança Social podem praticar atos de inquérito, sem que exista subdelegação expressa de poderes da entidade na qual foram delegados tais poderes, através de despacho do Ministério Público.

Entendeu, outrossim, que os funcionários da Segurança Social, quando praticam atos de inquérito, atuam nos termos de uma relação funcional de obediência hierárquica perante a entidade a quem foi delegado, de forma expressa ou presumida pelo Ministério Público, este poder investigatório, o que que faz com que ainda se situem no âmbito das competências adstritas dos funcionários da Segurança Social (cfr. artigo 3.º, n.º 8, da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, com a redação em vigor). Ou seja: não atuam com independência funcional face aos responsáveis da Segurança Social, agindo sob ordens dadas nos termos da respetiva relação funcional, e na sua execução praticaram os concretos atos de inquérito revelados nos atos, sendo suficiente terem aqueles, por delegação expressa ou presumida do Ministério Público, ficado investidos com a competência para a prática de atos de inquérito.

Isto mesmo resulta claro do n.º 2 do artigo 41.º do RGIT, aí onde estipula que «os atos de inquérito para cuja prática a competência é delegada nos termos do número anterior podem ser praticados pelos titulares dos órgãos e pelos funcionários e agentes dos respetivos serviços a quem tais funções sejam especialmente cometidas». Foi com base neste entendimento que a decisão recorrida sustentou ser conforme à CRP «a interpretação que, no desempenho de concretas funções de inquérito os funcionários da Segurança Social não carecem de subdelegação expressa de competências, sendo as suas competências já inerentes à função e executadas de acordo com as ordens recebidas superiormente».

Por outras palavras: não tendo sido aplicada, na decisão recorrida, a interpretação normativa referida em a), não pode o Tribunal conhecer desta dimensão específica, por falta de um outro requisito de procedibilidade - a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida -, que assim se soma à falta de suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo.

7. Quanto à pretensa questão de constitucionalidade enunciada em b), verifica-se não se poder considerar ter sido previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Na verdade, a questão, talqualmente recortada no referido ponto, apenas foi suscitada pela primeira vez aquando da resposta ao convite de aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.

Ora, suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo implica que tal seja feito até à extinção da instância, de modo a que o tribunal recorrido possa conhecer da mesma; consequentemente, é mister concluir que este requisito se não verificou, pois a questão apenas foi suscitada depois de esgotado o poder jurisdicional do Tribunal da Relação do Porto – como já se disse, apenas o foi em resposta ao convite ao aperfeiçoamento. De modo que também quanto a esta questão não é possível conhecer do objeto do recuso.

8. Em suma, e com...

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