Acórdão nº 103/18 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 103/2018

Processo n.º 1474/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Por sentença proferida pelo juízo criminal de Barcelos no âmbito do processo comum para julgamento por tribunal singular com o n.º 36/17.2GBBCL, A. (o ora Reclamante) foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e ainda na pena acessória de proibição de contacto e aproximação à assistente, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal.

1.1. Inconformado com a decisão condenatória, o arguido dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. Das respetivas conclusões consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

10. Nos termos do artigo 127.º do CPP, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.

11. Atentando no caso concreto, cumpre verificar que os juízos dados como assentes na douta decisão recorrida não se asseveram como plenamente legítimos face ao conteúdo do princípio da livre apreciação da prova.

12. A convicção do Tribunal não se mostra devidamente fundamentada e contraria as regras da experiência comum. Existindo, na sequência, violação do princípio processual in dubio pro reo, porquanto o Mm.º juiz a quo, após a produção de prova, não podia ignorar a dúvida de que os factos aconteceram ou não exatamente como vinham descritos na acusação.

13. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa.

[…]”

1.2. No Tribunal da Relação de Guimarães, foi proferido acórdão, datado de 23/10/2017, negando provimento ao recurso. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Em face de tudo quanto fica exposto, é de concluir que o recorrente, com a sua argumentação e prova indicada, não logrou demonstrar a imposição de uma decisão diversa da recorrida quanto aos factos por si impugnados, nos termos exigidos pela al. b) do n.º 3 do art. 412.º.

Sendo assim, a decisão do tribunal a quo é inatacável neste ponto, porque proferida de acordo com a sua livre convicção, nos termos do artigo 127º e em absoluto respeito dos preceitos legais aplicáveis.

3.1.5 - Não se diga também, como faz o recorrente, ter havido violação do princípio do in dubio pro reo, postulado do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Surgindo como resposta ao problema da incerteza em processo penal, o princípio in dubio pro reo impõe a absolvição do arguido apenas quando a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da sua atuação, tendo esse non liquet de ser resolvido sempre a favor do mesmo, sob pena de preterição do princípio da presunção de inocência.

Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa.

O princípio in dubio pro reo encerra, portanto, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. Daqui não resulta, porém, que, tendo sido apresentadas em audiência versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser necessariamente beneficiado por aplicação daquele princípio.

Com efeito, não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio, mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio.

A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente.

Para tanto, também não basta dar relevância às dúvidas que os sujeitos processuais encontram na decisão ou que derivem da sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.

No caso dos autos, como flui da exposição que antecede, o tribunal a quo considerou provados os factos em apreço para além de qualquer dúvida razoável sobre eles, ou seja, sem dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos, não decorrendo da sentença a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável, motivo pelo qual não houve que a valorar a favor do arguido.

Com efeito, o Mm.º Juiz, dando a conhecer o processo de formação da sua convicção, procedeu a uma explicitação das declarações da assistente, que acolheu, bem como das razões porque lhes foi atribuída credibilidade e porque foram desconsideradas as declarações do arguido, não havendo outros elementos probatórias a ponderar, por não terem sido produzidos.

Da decisão recorrida resulta claramente que a mesma, ao dar como provados os factos ora impugnados, se baseia num juízo de certeza e não em qualquer juízo dubitativo.

Por seu lado, pelas razões expostas na reapreciação da prova efetuada no âmbito do erro de julgamento, após audição integral das declarações da assistente e do arguido, concluímos pela inexistência de razões que devessem ter levado o tribunal a ficar com qualquer réstia de dúvida sobre os factos impugnados.

Nada há, pois, a censurar no processo lógico e racional subjacente à formação da convicção do julgador, inexistindo motivos para reconhecer razão ao recorrente quando invoca também a violação do princípio in dubio pro reo.

Em suma, a prova produzida em audiência permite claramente concluir pela verificação dos factos impugnados, sem qualquer afrontamento das regras da experiência comum ou apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, pelo que nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo acolhido em primeira instância, nada havendo a alterar.

Por conseguinte, improcede este segmento do recurso.

[…]”.

1.3. O arguido pretendeu interpor recurso desta última decisão para o Supremo Tribunal de Justiça. Não tendo sido este admitido, pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento que contém não apenas a pretensão recursória, mas também alegações e conclusões, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, designadamente, o que ora se transcreve:

“[…]

[N]ão se conformando com o douto acórdão proferido nestes autos, dele interpõe recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com efeito suspensivo (art. 78.º da LTC).

Porque é admissível (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC), por estar em tempo (artigo 75.º, n.º 1, da LTC) e ter legitimidade e interesse em agir (artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da LTC).

[…]

De acordo com o preceituado no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, segue o respetivo recurso.

Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros,

Vem o reclamante apresentar recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, confirmando a decisão em primeira instância, condenou o arguido na pena de prisão, suspensa na sua execução, de dois anos e quatro meses, acrescida de uma pena acessória de uso de pulseira eletrónica, bem como no pagamento de €1.500,00 a título de indemnização pelos danos sofridos.

As decisões das quais é possível recorrer para o Tribunal Constitucional, encontram-se especificadas no artigo 280.º da Constituição, sendo complementadas pelo artigo 70.º da LTC: o objeto do recurso é sempre a decisão do juiz a que de aplicar ou não norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade foi questionada (280/6 CRP e 70/1 LTC), sendo que o Juiz deve conhecer ex officio a ilegalidade ou...

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