Acórdão nº 31/17 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução31 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 31/2017

Processo n.º 47/17

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Conferência, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante, A., e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar do despacho proferido por aquele Tribunal, em 16 de dezembro de 2016, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. Foi o seguinte o teor do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, conforme fls. 11 a 24:

“I

A., arguido, interpõe recurso a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo, do douto acórdão de 9 de novembro de 2016 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da lei de competência, organização e funcionamento do TC, por inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º e 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, conjugados com os nºs 3, 4, 6 e 10 a 13 do artigo 188º do CPP, por violação dos artigos 18º, 32º e 34º da lei fundamental, por inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 119º, 120º, 126º, 188º, nºs 3 e 4 e 190º do CPP por violação do artigo 18º, dos nºs 1 e 8 do artigo 32º e nº 4 do artigo 34º da lei fundamental e por inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 187º, 188º e 189º do CPP, por violação dos artigos 18º, 26º, 32º e 34º da lei fundamental, matéria que foi suscitada no recurso interposto da sentença proferida em 3 de setembro de 2015.

II

O presente recurso é tempestivo.

O arguido não se acha ainda notificado do douto acórdão de 9 de novembro de 2016.

A notificação ao arguido é obrigatória, por força do disposto no nº 10 do artigo 113º do CPP, conjugado com os nºs e 2 do artigo 97º do mesmo compêndio normativo.

Os atos decisórios dos juízes revestem as seguintes modalidades:

1. Despachos, que tomam a forma de acórdãos quando proferidos por tribunal colegial

2. Sentenças, que tomam a forma de acórdãos quando proferidas por tribunal colegial.

Assim, o acórdão é sempre um despacho ou uma sentença, consoante assuma caráter interlocutório ou conheça a final do objeto do processo.

Os acórdãos que configurem despachos não têm de ser notificados ao arguido.

Os acórdãos que sejam sentenças são obrigatoriamente notificados ao arguido.

Que o acórdão, em certos casos, consubstancia uma sentença, resulta, por exemplo, do artigo 372º do CPP.

A norma ínsita no nº 10 do artigo 113º do CPP, quando interpretada no sentido de que os acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, em sede de recurso de sentença condenatória, não têm de ser notificados pessoalmente ao arguido:

- é inconstitucional, por colidir com o artigo 32º da lei fundamental

- viola o artigo 6º da convenção europeia dos direitos humanos

- desrespeita o artigo 110 da declaração universal dos direitos humanos.

Deste modo, o prazo para exercício do direito previsto no artigo 75º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de novembro, pela Lei Orgânica nº 85/89, de 7 de setembro, pela Lei nº 13-A/98, de 26 de fevereiro, pela Lei Orgânica nº 1/2011, de 30 de novembro, pela Lei Orgânica nº 5/2015, de 10 de abril e pela Lei Orgânica nº 11/2015, de 28 de agosto) apenas se extingue após decorrerem dez dias sobre a notificação pessoal ao arguido do douto acórdão do 9 de novembro de 2016, sem prejuízo do exercício da faculdade prevista no artigo 107º-A do CPP. Assim como o prazo de 30 dias a que alude o artigo 79º daquela Lei nº 28/82 só pode começar a correr em momento ulterior ao da mencionada notificação.

III

Sem prejuízo e por cautela de patrocínio, o arguido invoca a existência de justo impedimento, nos termos do nº 2 do artigo 107º do CPP, indicando como prova o depoimento a ser colhido junto do próprio arguido e do Ilustre Defensor que o representou até 5 de dezembro de 2016 (artigo 1171º do código civil) assim como a diligência, que se requer) de oficiar o estabelecimento prisional no sentido de informar se houve alguma reunião entre tal Ilustre Defensor e o arguido entre os dias 9 de novembro e 5 de dezembro de 2016.

Note-se que se está perante processo cuja excecional complexidade foi declarada, pelo que assistiria sempre ao arguido a faculdade de prorrogação dos prazos nos termos do nº 6 do artigo 107º do CPP.

Como decorre da motivação dos recursos interpostos junto do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, o arguido foi suscitando questões de inconstitucionalidade, que não mereceram acolhimento. Tal constitui condição de legitimidade para interpor recurso perante o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, tendo sempre o arguido pugnado pela sua absolvição, razão pela qual nunca renunciou ao recurso perante o TC, sendo certo que) de todo o modo, a aplicabilidade do nº 1 do artigo 107º do CPP está afastada por força do artigo 73º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro.

Ora entre 9 de novembro de 2016 e 5 de dezembro de 2016, o arguido efetuou tentativas de falar com o seu Ilustre Defensor, que se frustraram.

Só em 5 de dezembro de 2016 o seu atual defensor aceitou o mandato que lhe foi conferido, em conformidade com o artigo 62º do CPP. E apenas a 7 de dezembro o atual defensor tomou conhecimento do douto despacho proferido nesse mesmo dia, sendo elucidado que na antevéspera os autos haviam baixado à primeira instância, na linha da informação que já havia obtido no dia anterior, mediante contacto telefónico com a secretaria.

De todo o modo, mostra-se respeitado o prazo de três dias previsto no nº 3 do artigo 107º do CPP e, caso assim não se entendesse, haveria lugar ao benefício a que alude o artigo 107º-A desse compêndio normativo.

O arguido nunca deu instruções para que se deixasse de exercer o direito a recurso ao Tribunal Constitucional, tendo sempre mantido a vontade de o fazer e nem sequer lhe foi concedida a oportunidade de conferenciar com o seu Ilustre Defensor a tal propósito entre os dias 9 de novembro e 5 de dezembro de 2016.

Assim, deve ser julgado verificado o justo impedimento, nos termos do nº 3 do artigo 107º do CPP.

IV

A questão é tanto mais relevante quanto é certo que a condenação do arguido, a um período de privação de liberdade que corresponde a mais de um décimo do lapso de tempo respeitante à esperança média de vida, se baseia em provas cuja utilização o arguido reputa contrária à Constituição, o que, em última instância, deve ser decidido pelo Tribunal Constitucional

Com efeito, relativamente às fotografias, em 27 de dezembro de 2013, o Ministério Público promoveu (fls. 451):

"Os crimes em investigação, dada a sua reiteração, assumem particular gravidade, face à generalização deste tipo de atuação delituosa, a pluralidade de agentes da mesma e a plurilocalização das ocorrências.

Face à área geográfica onde ocorrem os furtos, ao elevado número de indivíduos a que se dedica à prática dos mesmos, à estrutura altamente organizada deste grupo e à existência de inúmeros recetadores que residem em locais ermos, verifica-se existir dificuldades probatórias para a prova a produzir, que se mostra complexa e muito difícil.

Revela-se de fundamental interesse para o prosseguimento da investigação e recolha da prova tendente à descoberta da verdade, que seja autorizado o registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem consentimento dos suspeitos, assim como de outros indivíduos que com os mesmos contactem no âmbito da investigação dos ilícitos a que se reportam os presentes autos, pelo período de trinta (30) dias por se tratar de diligência imprescindível para aquisição da prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 187º, 188º, 268º nº 1 alínea f), e 269º nº 1 alínea f) do CPP, e artigos 1º nº 1 alínea c} e 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, o que se promove".

No dia seguinte, foi proferida decisão judicial do seguinte teor (fls. 459 e 460):

“De acordo [...] com o doutamente promovido pelo detentor da ação penal, os indicados crimes em investigação, dada a sua reiteração, assumem particular gravidade, face à generalização deste tipo de atuação delituosa, a pluralidade de agentes da mesma e a plurilocalização das ocorrências.

Face à área geográfica onde ocorrem os furtos, ao elevado número de indivíduos a que se dedicam à prática dos mesmos, à estrutura altamente organizada deste grupo e à existência de inúmeros recetadores que residem em locais ermos, verifica-se existir dificuldades probatórias para a prova a produzir, que se mostra complexa e muito difícil.

Revela-se, assim, de fundamental interesse para o prosseguimento da investigação e recolha da prova tendente à descoberta da verdade, o registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem consentimento dos suspeitos, assim como de outros indivíduos que com os mesmos contactem no âmbito da investigação dos ilícitos a que se reportam os presentes autos.

Nestes termos, por ser necessário à investigação, por se tratar de diligência imprescindível para a aquisição da prova, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 187º, 188º, 268º nº 1 alínea f) e nº 2, e 269º nº 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigos 1º nº 1 alínea c) e 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, considera-se pertinente e inteiramente justificado o requerido na doutra promoção que antecede, decidindo- se, consequentemente, autorizar, pelo período de 30 dias, o registo de som e imagem dos indivíduos referendados bem como de terceiros que com eles se relacionem no desenvolvimento da atividade ilícita que se investiga.

DN. (observando-se em absoluto todo o formalismo imposto pelo artigo 188º do Código de Processo...

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