Acórdão nº 121/18 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 121/2018

Processo n.º 702/17

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Por sentença do Tribunal da Comarca de Coimbra – Secção Criminal, proferida em 14 de março de 2016, foi o arguido A. condenado, além do mais, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), 30.º, n.º 2, do Código Penal, 105.º, n.º 1, e 107.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 7, o que perfaz € 1050,00, substituídos por 150 horas de trabalho a prestar em local, termos e instituição a determinar pela Direção Geral de Reinserção Social.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 7 de dezembro de 2016, negou provimento ao recurso.

Depois de ver indeferida a nulidade que arguiu daquele acórdão, por ainda inconformado, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante mencionada por LTC).

2. No requerimento de interposição do recurso são identificadas, do seguinte modo, as questões de constitucionalidade que constituem o seu objeto:

« - Tem-se por inconstitucional, por violação dos princípio da culpa, proporcionalidade e natureza de ultima ratio do direito penal, a dimensão normativa e entendimento da norma legal vertida no art. 107.º n.º 1 RGIT quando interpretada no sentido de “Comete o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social o arguido que na prossecução da gestão de pessoa coletiva de natureza associativa não efetua a entrega total ou parcial do montante das contribuições deduzidas das remunerações dos trabalhadores, agindo no contexto de grandes dificuldades económicas, com o propósito de pagar aos trabalhadores e de vir a pagar as suas dívidas à Segurança Social quando tivesse liquidez financeira, tendo feito pontualmente acordos de pagamento com a Segurança Social”;

- Tem-se por disforme à Lei fundamental, por violação dos princípios da culpa, proporcionalidade e natureza de ultima ratio do direito penal, a dimensão normativa e entendimento da norma legal vertida no art. 107.º n.º 1 RGIT quando interpretada no sentido de “Comete o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social o arguido que na prossecução da gestão de pessoa coletiva de natureza associativa não efetua a entrega total ou parcial do montante das contribuições deduzidas das remunerações dos trabalhadores sem que se mostre efetuada prova da existência de condições económicas bastantes para o fazer, nomeadamente, montante de pecunia disponível que represente a soma das retribuições devidas aos trabalhadores e prestações devidas à Segurança Social, a ponto de verdadeiramente se poder falar em apropriação indevida”;

- Tem-se por inconstitucional por violação do art. 29.º n.º 4 CRP e do princípio da aplicação da lei mais favorável bem como o caráter de ultima ratio do direito penal, o entendimento e dimensão normativa do art. 107.º n.º 1 RGIT quando interpretado no sentido de “Com a entrada em vigor da Lei 110/2009 continua a ser punível como crime de abuso de confiança contra a Segurança Social a conduta omissiva de entrega de quantia não superior a € 7.500,00 a título de contribuições correspondentes aos descontos nos salários dos trabalhadores”;

- Mostra-se disforme à Lei fundamental, por violação dos princípios da igualdade face ao tratamento conferido ao crime de fraude contra a Segurança Social (art. 106.º RGIT), proporcionalidade bem como caráter de ultima ratio do direito penal, o entendimento e dimensão normativa do art. 107.º n.º 1 do RGIT quando interpretado no sentido de “É punível como crime de abuso de confiança contra a Segurança Social a conduta omissiva de entrega de quantia não superior a €7.500,00 a título de contribuições correspondentes aos descontos nos salários dos trabalhadores, não sendo de aplicar o limiar de punibilidade criminal que se mostra consagrado expressamente no artigo precedente e que tipifica o crime de fraude contra a Segurança Social”;

- Tem-se por inconstitucional a dimensão normativa e entendimento do art. 48.º do CPP no sentido de “[T[endo o Ministério Público defendido em sede de douto parecer emitido nos autos a procedência do recurso com a consequente absolvição do recorrente arguido, tal manifestação de vontade não equivale a desistência da promoção do processo penal a implicar arquivamento dos autos por inutilidade superveniente”;».

3. Pela Decisão Sumária n.º 856/2017 (cfr. fls. 459-461 dos autos) decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:

«4. Profere-se decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do artigo 78.º-A da LTC, por não preenchimento dos pressupostos do recurso de constitucionalidade.

Com efeito, da análise da admissibilidade do presente recurso, evidencia-se, com pertinência imediata, a inidoneidade do respetivo objeto, por ausência do correspondente pressuposto da natureza obrigatoriamente normativa, no que respeita a todas as questões colocadas no respetivo requerimento de interposição.

5. Decorre claramente da Constituição e da Lei (artigos 278.º, 280.º, 281.º da Constituição da República Portuguesa e 70.º da LTC) que o Tribunal Constitucional só está habilitado a julgar questões relativas à invalidade de normas jurídicas, estando fora do âmbito dos seus poderes cognitivos o juízo sobre a eventual inconstitucionalidade das decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

A extensão do “conceito funcional de norma” que o Tribunal desenvolveu nos processos de fiscalização concreta não legitima, no entanto, a extensão da sua competência para além do domínio material que lhe é...

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