Acórdão nº 589/18 de Tribunal Constitucional, 08 de Novembro de 2018

Data08 Novembro 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 589/2018

Processo n.º 573/18

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Claudio Monteiro

Acordam, em confer ência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A. veio, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), interpor recurso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de abril de 2017, pelo qual se concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelo ora Recorrente, condenando-o, em cúmulo, na pena de quatro anos e quatro meses de prisão, pela prática de um crime de corrupção no setor privado, previsto e punido pelo artigo 41.º-B, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28/94, de 20 de janeiro, na pena de um ano e seis meses de prisão; pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e nove meses de prisão; e pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de três anos de prisão.

2. No seu requerimento de interposição de recurso o Recorrente apresentou, em síntese, os seguintes fundamentos (cfr. fls. 938 a 944):

«I) Questão prévia: da interposição do presente recurso

Dispõe o artº 70º, nº 2, da LOTC que "os recursos previstos nas alíneas [ ... ] apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam" e o artº 75º, n.º 1, da mesma Lei, que "o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias".

E, tendo em especial consideração de que a decisão proferida no Acórdão desta Relação em 5 de Abril de 2007, não é susceptível de recurso para o STJ, nos termos do artº. 400.1 e) do CPP, vem o Arguido ora Recorrente interpor o presente recurso, acautelando desde já entendimentos anteriores divulgados de que, o acima referido prazo de dez dias, se deve impreterivelmente contar da data da notificação do Acórdão irrecorrível, condicionando-o porém à decisão que recaia sobre o pedido de correcção do mesmo e da arguição de nulidades, pois de outro modo, desacautelaria o direito a verem conhecidas as inconstitucionalidades que enfermam o mesmo.

II) Dos requisitos de admissibilidade do recurso

O presente recurso encontra respaldo, para além da referência expressa no art.º 70º, nº 1, alínea b) da Lei Fundamental, na Doutrina do Tribunal Constitucional, que defende a consagração constitucional directa do direito ao recurso.

"Na garantia da via judiciária - o artigo 20, nº 2 da Constituição - inclui-se não só o direito de recurso a um tribunal e de obter dele uma decisão jurídica sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante, como também a protecção contra actos jurisdicionais, exercível mediante recurso para outros tribunais 1 [Ac. Te 353/91, de 4/7/1991, in DR 293/11-20/12/1991.] .

Acresce que seria absurdo que os actos judiciais vinculados aos direitos fundamentais, pudessem ficar impunes ad infinitum no caso de violação de direitos fundamentais, cabendo perguntar se o direito à tutela jurisdicional dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos, conforme prescreve o artº 20º, nº 1 da CRP, deve ser feito valer perante quaisquer violações ou se, paradoxalmente, deve ser restringido, não se garantindo que em face de uma decisão ilegal de um órgão do Estado - um tribunal - o cidadão não se pode defender.

Crê-se que a resposta não pode assentar na consagração de um, aliás, ilegal princípio de indefesa.

III) Das questões de constitucionalidade suscitadas

As normas aplicadas cuja inconstitucionalidade o Recorrente pretende ver apreciadas são as seguintes:

i) A norma contida no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, com a interpretação de que é admissível e adequado o Tribunal decidir não suspender a execução da pena de prisão aplicada, com o fundamento de que esta suspensão da pena pode ser interpretada pela consciência comunitária como uma forma de desvalorização de bens jurídicos e um sinal de impunidade.

ii) As normas contidas nos artigos 70º e 71º, conjugadas com a expressa no artº 40, todos do Código Penal, com a interpretação de que é admissível o Tribunal desatender as exigências de prevenção especial e as necessidades de não desinserção social do arguido para a determinação da medida da pena não privativa de liberdade.

iii) A norma contida no artigo 374º, nº 2, do Código Penal, com a interpretação aplicada de que é admissível, na exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, omitir a pronúncia sobre questões levantadas em recurso pelo arguido para aferição da sua conduta e censurabilidade da mesma.

IV) Das normas ou princípios constitucionais violados

i) A interpretação do artigo 50.º, nº 1, do Código Penal, tal como a entende o acórdão do Tribunal da Relação, de que "a suspensão da pena pode ser interpretada pela consciência comunitária como uma forma de desvalorização de bens jurídicos a que dá particular importância e como um sinal de prática de impunidade ". não pode senão estar ferida de inconstitucionalidade.

Pese embora no texto se escreva o contrário, o certo é que a não suspensão da execução da pena de prisão confirma, no caso do Arguido ora Recorrente, o carácter de "punição exemplar", plasmado na seguinte conclusão: "Neste contexto, a suspensão de execução da pena de prisão (mesmo que associada à imposição de deveres e regras de conduta ou o regime de prova) em que o arguido ora recorrente vai condenado seria interpretado pela consciência jurídica comunitária como sinal de desvalorização dos bens jurídicos atingidos pela sua conduta e de desvalorização da importância do combate à corrupção" [nosso destaque].

Da interpretação normativa do artº 50.º, nº 1, resulta a decisão do tribunal de não aplicar ao Arguido a suspensão da pena de prisão, não por efeito de prova produzida e da circunstância específica do Arguido - personalidade, antecedentes criminais, condições de vida, idade, conduta - mas antes para satisfação da consciência jurídica comunitária.

Uma tal interpretação - a da punição exemplar, que o acórdão a quo refuta mas confirma pela prática - é claramente violadora tanto do direito do Arguido a ser julgado mediante um processo equitativo, nos termos do artigo 20º, nº 4 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), quanto do princípio da proporcionalidade contido no artº 18, nº 2 da CRP.

ii) A interpretação das normas contidas nos artigos 70º e 71º, conjugadas com a expressa no artº 40, todos do Código Penal, no sentido de que é admissível o Tribunal preterir as exigências de prevenção especial e as necessidades de não desinserção social do arguido para a determinação da medida da pena não privativa de liberdade, em prol de uma decisão exemplar apesar das dúvidas que povoam o processo, é contrária e violadora do princípio ínsito no artº 20º, nº 4 da Constituição, do direito do arguido a um processo equitativo e, perante a dúvida, a decisão favorável.

O tribunal deduziu que os dez mil euros foram entregues por D. ao Arguido porque o encontro de ambos em Setúbal - fora da C. - pareceu "furtivo" e sem explicação, sendo este um dos fundamentos para a severa pena aplicada ao Arguido.

Ora, a condenação do Arguido com fundamento numa dedução constitui uma violação grosseira do seu direito a um processo equitativo, bem como do princípio in dubio pro reo, contrária à justa interpretação e aplicação do normativo do artº 20º, nº 4 da CRP.

E, ao dar como provado o recebimento dos dez mil euros com base numa mera presunção, o Tribunal facórdão violou ainda o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º da CRP, porquanto para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade.

Entende, pois, o Arguido ora Recorrente que viola clamorosamente o seu direito a ser julgado mediante um processo equitativo a interpretação constante do acórdão de que o disposto no artigo 20º, nº 4, da CRP e o princípio in dublo pro reo consagrado no artº 32º, nº 2 da CRP são compagináveis com uma condenação assente em deduções, suspeições e presunções (pág. 984 a 986 do acórdão).

Assim, a interpretação e aplicação conjugada dos normativos ínsitos nos artigos 40º, nº 1, 50º, nº 1 e 70º todos do CP e 374º.2 do CPP no sentido de a decisão de não suspensão da pena de prisão se bastar com a mera referência ao grau de culpa do arguido e às necessidades que o clamor público exige e, ainda, de que esta suspensão da pena pode ser interpretada pela consciência comunitária como uma forma de desvalorização de bens jurídicos e um sinal de impunidade, sem verificação do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 50º, nº 1 do CP, são manifestamente ilegais e inconstitucionais porque violadoras quer do dever de fundamentação exigido pelo artigo 205º, nº 1 da CRP, quer dos princípios da culpa e da pena de prisão como última ratio consagrados nos artigos 18º, nº 1 e 27º, nº 1, ambos da CRP.

iii) o tribunal a quo não se pronunciou acerca de numerosas questões suscitadas pelo Arguido na motivação do seu recurso para a Relação, sendo que a omissão de pronúncia relativamente a questões essenciais levantadas pelo Arguido, deixando de avaliar, sopesar e julgar o contraditório apresentado pelo Arguido, implica uma clara diminuição do seu direito a uma decisão esclarecida e equitativa, violando por conseguinte o...

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