Acórdão nº 303/18 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 303/2018

Processo n.º 110/2018

Plenário

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Juízo Central Criminal de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos .º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), da decisão proferida por aquele Tribunal, em 8 de novembro de 2017, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do despacho datado de 18 de outubro de 2017, que pronunciou o ora reclamante pelos “factos e disposições legais constantes de acusação pública”, imputando-lhe, como coautor e em concurso efetivo de infrações, um crime de roubo, agravado, na forma tentada, previsto e punido pelo disposto nos artigos 210.º, n.º 1 e 2, alínea b), e 204.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f), 22.º, n.º 1 e 2, alínea b), e 23.º, do Código Penal, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea p), 3.º, n.º 6, alínea b), e 86.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, e um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo disposto no artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal.

2. A decisão ora reclamada concluiu pela inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade com base nos seguintes fundamentos:

“O recurso de decisão negativa de inconstitucionalidade (o previsto na al. b) do n.º 1 do artº 70.º da LOTC), apenas cabe das decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei não o prever (como é o caso dos autos), ou por já houverem sido esgotados todos os que no caso cabiam (art° 70°, n.ºs 1, 2, 3 e 4, Da LOTC), com exceção, como decorre do segmento final do n.º 2 do art° 70°, o recurso para uniformização de jurisprudência, caso em que, nada obsta, que seja desde logo interposto recurso para o Tribunal Constitucional.

Para tanto, torna-se, porém, necessário que o recorrente houvesse previamente suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade das normas em causa perante o tribunal, no caso perante o Tribunal de Instrução, em termos de este estar obrigado a dela conhecer - art° 72°, n.º 2, da LOTC.

Ora, no decurso dos presentes autos nenhuma questão de inconstitucionalidade de normas foi levantada, como também na decisão instrutória de pronúncia que o recorrente questiona o M.mº JIC delas fez correta apreciação, se bem que de forma contrária às expectativas do recorrente, bem patente no facto de este considerar e invocar a nulidade insanável da prova decorrente da valoração das declarações da coarguida na fase de inquérito quando, na fase de instrução, usou o direito que lhe assiste como arguida de não prestar declarações.

Em obediência ao princípio de livre apreciação e valoração da prova (art° 127° do CPP), que nada tem de violador do princípio do contraditório ínsito no art. 32° n.º 5 da C.R.P, o M. mº JIC valorou a versão dos factos apresentada pela coarguida, a qual o arguido/recorrente pôde contraditar, porque dela teve conhecimento atempado, o que aliás fez.

Assim sendo, o recurso para o Tribunal Constitucional apresentado pelo arguido A. é manifestamente infundado, pelo que deve ser indeferido o respetivo requerimento - art° 76°, n.º 2, da LOTC.”

3. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:

1 - A Reclamação e o seu Âmbito:

A Reclamação que sobe até V. Ex.as vai interposta da decisão constante de fls. 2089, identificada no despacho judicial com a referência n.º 155416056 e com a conclusão datada de 08/11/2017, onde o Tribunal a quo decidiu não admitir o recurso apresentado pelo Arguido, aqui Reclamante, sobre o Despacho de Pronúncia proferido por aquela instância, em 18/10/2017, constante de fls. …, dos autos de Instrução.

Sucede que, salvo melhor opinião, e com o devido respeito que a Mmo(a) Juiz a quo nos merece, entendemos que o mencionado despacho judicial não pode proceder porquanto, in casu, encontram-se preenchidos todos os pressupostos de que depende o recurso para o Tribunal Constitucional interposto ao abrigo da disposição constante do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e n.º 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (L.O.T.C.).

Assim sendo, o despacho judicial em crise faz uma errada interpretação e aplicação das normas contidas no referido artigo 70.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e n.º 3, da L.O.T.C.

2 – Cronologia e Desenvolvimento Processual Relevante:

2.1 – Em 18/10/2017, nos autos de Instrução supra identificados, foi proferido Despacho de Pronúncia do Arguido, ora Reclamante, com o sentido e fundamentos vertidos no despacho constante de fls. …, cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2.2. – Em 26/10/2017, o Arguido, ora Reclamante, além do mais, não se conformando com o Despacho de Pronúncia referenciado e por dele não caber recurso ordinário, interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e n.º 3, da L.O.T.C., por ter legitimidade, ser admissível e estar em tempo, recurso para o venerando Tribunal Constitucional, peticionado, oportunamente, a fixação do modo de subida e respetivo efeito, nos termos e fundamentos vazados do Requerimento constante de fls. …, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido.

2.3 – Em 06/11/2017, o Digno Magistrado do Ministério Público, em Vista identificada com a referência n.º 155374253, constante de fls. …, dos autos de Instrução, promoveu o indeferimento do recurso apresentado pelo Arguido, ora Reclamante, nos moldes mencionados em 2.2. da presente peça processual.

2.4 - Em 08/11/2017, através da decisão constante de fls. 2089, identificada no despacho judicial com a referência n.º 155416056, onde o Tribunal a quo, em adesão aos fundamentos evidenciados pelo Digno Magistrado do Ministério Público, decidiu não admitir o recurso apresentado pelo Arguido, aqui Reclamante, sobre o Despacho de Pronúncia mencionado em 2.1 da presente peça processual.

3 – Fundamentos da Discordância da Decisão:

Efetivamente, não se conformando com o Despacho de Pronúncia referenciado e por dele não caber recurso ordinário, o Arguido, ora Reclamante, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, da L.O.T.C., por ter legitimidade, ser admissível e estar em tempo, interpôs recurso do Despacho de Pronúncia para o Tribunal Constitucional, solicitando que ao mesmo fosse fixado o regime de subida imediata e nos próprios autos e a atribuição do efeito suspensivo, nos termos da disposição constante do artigo 78.º, n.º 4, da L.O.T.C.

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A, da L.O.T.C., consignou-se, oportunamente, que, por violar o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P), é inconstitucional a interpretação conjugada das normas constantes dos artigos 2.º, 125.º, 292.º, n.º 1 e 345.º, todos do Código de Processo Penal (C.P.P.), quando interpretadas no sentido em que confere valor de prova às declarações prestadas por um coarguido em sede de inquérito, em prejuízo de outro coarguido, quando, posteriormente, a instâncias destoutro coarguido, em sede de instrução, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio.

Como, oportunamente, assinalado pelo Arguido, ora Reclamante, esta inconstitucionalidade não tinha sido até aquele momento suscitada no processo, todavia, in casu, tal condição era irrelevante para efeitos de admissão do recurso, uma vez que, constituindo a decisão recorrida uma decisão-surpresa, se devia considerar que assistia o direito de recorrer para o Tribunal Constitucional sem dependência da prévia suscitação da questão da inconstitucionalidade, no seguimento, de resto, do entendimento, sucessivamente, perpassado pelo próprio Tribunal Constitucional.

Finalizando, por requerer que o Tribunal a quo se dignasse a admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os demais termos processuais subsequentes.

Assim não veio a atender o Juiz de Instrução Criminal de Guimarães, porquanto, fundamentando-se, por adesão, aos argumentos propugnados pelo Digno Magistrado do Ministério Público, entendeu indeferir a pretensão do Arguido, ora Reclamante, essencialmente, por entender que a admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional depende da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade das normas em causa perante o Tribunal recorrido.

Sucede que, tal como foi dado, expressamente, conta no requerimento de interposição de recurso, entendemos que, in casu, tal condição era irrelevante, dado que, constituindo a decisão recorrida uma decisão-surpresa, se deve considerar que assiste ao Arguido, ora Reclamante, o direito de recorrer para o Tribunal Constitucional sem dependência da prévia suscitação da questão da inconstitucionalidade no processo perante o Tribunal recorrido.

Senão vejamos:

Efetivamente, a admissibilidade do recurso contemplado no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da L.O.T.C., depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos específicos: a) que a decisão recorrida tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido arguida durante o processo; b) que tenha sido o recorrente a suscitar essa inconstitucionalidade durante o processo; e, c) que a decisão recorrida não seja passível de recurso ordinário, seja porque já terem sido esgotados todos os que no caso cabiam, seja, simplesmente, por a lei não o prever.

Com relevo, desde já, destaca-se que o objeto do recurso interposto é a questão de inconstitucionalidade de norma, ou normas, aplicadas pelo Tribunal, seja de forma expressa como implicitamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT