Acórdão nº 353/16 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução07 de Junho de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 353/2016

Processo n.º 389/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No processo comum com julgamento por tribunal coletivo que correu os seus termos na 2.ª Secção Criminal (Almada) da Instância Central da Comarca de Lisboa, com o n.º 294/14.4PAMTJ, foi proferido despacho de pronúncia dos arguidos A., B. e C. (o ora Recorrente), pela prática, por cada um deles – no que aqui interessa –, de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea l), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), m), o) e v), 3.º, n.º 2, alíneas d), f), h), l) e j) e n.º 7, alíneas a) e b), e artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e), e n.º 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do mesmo diploma legal.

Previamente à prolação do acórdão em primeira instância, o tribunal procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da pronúncia por entender […] que a conduta descrita na acusação, e relativa aos dois crimes de homicídio por que se encontram pronunciados, integra a prática de 2 crimes de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, previsto e punido, cada um deles, pelos artigos 131.º, n.ºs 1 e 2, alínea l), do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, já que o porte ou uso de arma não é elemento do tipo de crime em causa nem os arguidos se mostram pronunciados pela qualificativa respeitante ao uso de arma de fogo prevista no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal”.

1.1. Foi proferido acórdão pelo tribunal de primeira instância, condenando os arguidos pela prática de crimes de homicídio qualificado e detenção ilegal de arma. Em concreto o arguido C., ora Recorrente, foi condenado pela prática de dois crimes de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea l), 22.º e 23.º do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, nas penas parcelares de 9 anos de prisão por cada um deles, e, ainda, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão. Em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, foi condenado na pena única de 14 anos de prisão.

Os arguidos interpuseram recurso da decisão condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa.

1.2. Nas suas alegações (fls. 1597), o arguido C. invocou, inter alia, não dever a sua pena ser agravada nos termos do n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições), não sendo esta norma aplicável ao crime de homicídio qualificado previsto no artigo 132.º do Código Penal, independentemente do exemplo-padrão a que se reconduza a sua conduta.

1.2.1. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 03/12/2015 (fls. 1841), negou provimento aos recursos interpostos, confirmando a decisão recorrida, incluindo a qualificação jurídica dos factos. Relativamente à agravação nos termos do n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, entendeu aquele tribunal (fls. 1885):

“[…]

Não sendo o porte e uso de arma elemento do tipo de crime previsto nos artigos 131.º e 132.º do Código Penal, também o mesmo foi qualificado, tão-só, pela circunstância descrita no n.º 2, alínea l), do referido artigo 132.º.

Assim, a agravação prevista no citado artigo 86.º, n.º 3, só deixaria de operar aqui caso tivesse sido invocada pelo tribunal a quo, v. g., a qualificativa descrita na alínea h) do mesmo artigo 132.º, n.º 2, o que não se verifica.

[…]” (sublinhado acrescentado).

1.3. Ainda inconformado, o arguido C. interpôs recurso desta última decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo, inter alia, o seguinte (fls. 1912):

“[…]

26.º

No entendimento do recorrente alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 412.º do CPP, e em face do supra alegado, as normas jurídicas violadas são as que se encontram vertidas nos artigos 27.º, 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea l), 40.º, 42.º, 70.º, 71.º, 77.º, todos do C.P., 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, artigos 8.º, n.º 2, 13.º, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 2, 27.º, n.º 2, 30.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, e artigo 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

27.º

No entendimento do recorrente, o Tribunal recorrido interpretou as referidas normas jurídicas invocadas no sentido de aplicar as mesmas, mas ao existir erro na determinação das normas jurídicas aplicáveis, entende o recorrente que a norma jurídica a aplicar deve ser unicamente a vertida no artigo 132.º, n.º 2, alínea l), e 27.º ambos do C.P., devendo o arguido ora recorrente, a ser condenado, unicamente pela prática do crime de homicídio qualificado agravado na forma tentada, por cumplicidade, com aplicação dos artigos 40.º, 42.º, 70.º, 71.º, 77.º do C.P., proporcionalmente à sua concreta conduta, ponderada a sua real intervenção nos factos em apreço.

28.º

Não deve ser o arguido condenado pela prática do crime de homicídio qualificado p. e p. na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do C.P. como coautor.

29.º

Tendo o Tribunal a quo aplicado e utilizado, uma vez que o arguido foi condenado pela prática de homicídio qualificado p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 2, alínea l) do C.P, o fator de agravação ‘meio insidioso’, terá obrigatoriamente de incluir o instrumento utilizado. Não poderá novamente agravar pela aplicação do artigo 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006.

30.º

No entendimento do recorrente, o Tribunal recorrido interpretou as referidas normas jurídicas invocadas no sentido da sua aplicação, mas ao existir erro na determinação das normas jurídicas aplicáveis, entende o recorrente que a norma jurídica a aplicar deve ser unicamente a vertida no artigo 132.º, n.º 1 e 2, alínea l), do C.P., não devendo tal condenação ser agravada nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da referida Lei 5/2006.

[…]”.

1.3.1. O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto por este arguido, gerando a decisão aqui objeto de recurso de constitucionalidade. Relativamente à questão suscitada, supra transcrita, pronunciou-se o STJ nos termos seguintes (fls. 2047 e ss.):

“[…]

A utilização de arma de fogo, não sendo um meio insidioso, poderia equacionar-se em termos de meio particularmente perigoso e assim eventualmente poderia vir a integrar a alínea h) do n.º 2 do citado artigo 132.º.

[…]

Donde, não poder considerar-se preenchida a agravante qualificativa da alínea h) do artigo 132.º do Código Penal, nem da alínea i) […].

[…]

O n.º 3 do artigo 86.º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respetivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada. A agravação do artigo 86.º, n.º 3, não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de acionar efetivamente essa outra agravação.

Ora, o uso e porte de arma não é elemento do crime de homicídio, e, no caso, não leva ao preenchimento do tipo qualificado do artigo 132.º, pelo que não há fundamento para afastar a agravação do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

[…]”.

1.4. O Recorrente interpôs, então, recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional – o recurso que dá origem aos presentes autos – nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, invocando o seguinte:

“[…]

Vem […], nos termos e para os efeitos legais previstos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, 72.º, n.º 1 e 2, 75.º, 75.º-A e 78.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), interpor recurso para o Tribunal...

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