Acórdão nº 406/17 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

3ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pelo primeiro interposto recurso (cfr. fls. 813-816, em especial fls 815-815 reiterado a fls. 831-832), ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação em 12 de janeiro de 2017 (cfr. fls. 732-807) que o condenou pela prática, em concurso real e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de menor dependente p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, e pela prática de nove crimes de abuso sexual de menor dependente p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 172.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do mesmo Código, na pena única de sete anos de prisão – tendo o mesmo TRL, por acórdão de 16 de março de 2017, indeferido a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia (por «omissão de suscitada questão constitucional») do precedente acórdão do TRL (cfr. acórdão de fls. 823-825).

2. Na Decisão Sumária n.º 279/2017, proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso por ausência de dimensão normativa do objeto do recurso, nos termos seguintes (cfr. II – Fundamentação, n.º 5 e ss., em especial n.ºs 7-9 e III – Decisão, 10):

«7. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto – in casu, o acórdão condenatório proferido pelo TRL de 12 de janeiro de 2017 (cfr. supra, I – Relatório, 1.).

8. Ora, da análise dos autos, resulta que não se encontra preenchido, no caso em apreço, desde logo, um pressuposto essencial de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta – o pressuposto relativo à dimensão normativa da questão de constitucionalidade colocada.

Com efeito, quanto à alegada questão de inconstitucionalidade submetida à fiscalização deste Tribunal, decorre do teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal (cfr. fls. 831-832) – e bem assim da enunciação da questão junto do Tribunal a quo, em sede das alegações do recurso que viria a ser decidido pelo TRL no acórdão ora recorrido (cfr. acórdão de 12/01/2017, fls. 732-807, com transcrição das conclusões da motivação de recurso do arguido, ora recorrente, a fls. 734-742) e no requerimento de arguição de nulidade (por «omissão de julgamento») do citado acórdão daquele Tribunal (cfr. fls. 813-816) – que o recorrente não pretende que o Tribunal Constitucional exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa.

Vejamos.

9. Dispõe o artigo 172.º do Código Penal (CP) o seguinte:

«Artigo 172.º

Abuso sexual de menores dependentes

1 - Quem praticar ou levar a praticar acto descrito nos n.ºs 1 ou 2 do artigo anterior, relativamente a menor entre 14 e 18 anos que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 - Quem praticar acto descrito nas alíneas do n.º 3 do artigo anterior, relativamente a menor compreendido no número anterior deste artigo e nas condições aí descritas, é punido com pena de prisão até um ano.

3 - Quem praticar os atos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.

4 - A tentativa é punível.

Junto do Tribunal a quo, sustentou o arguido, ora recorrente, que o crime previsto no artigo 172.°, n.° 1, do Código Penal supõe a confiança do(a) ofendido(a) ao agente para educação ou assistência e que na relação entre ele (arguido) e a ofendida dos autos faltou, de todo, a relação de confiança referida, pelo que a situação não seria enquadrável no artigo 172.°, n.° 1, do CP. Defendeu o arguido, ora recorrente, que o conceito de «confiança» ali previsto tem de provir da lei, de sentença ou de um ato jurídico em que manifestamente tenha nascido esse dever de educação ou assistência, pelo que «o encaixamento da situação no tipo penal do artigo 172º nº 1 CP, é contrário ao princípio da legalidade do artº 1º CP e envolve a violação do artº 29º da Constituição, e com essa interpretação, a inconstitucionalidade do artº 172º nº 1 CP» (cfr. Acórdão do TRL de 12/01/2017, citando as conclusões da motivação de recurso do arguido, fls. 799).

No Acórdão do TRL de 12/01/2017, na parte dedicada à «qualificação jurídica dos factos» (fls. 798 e ss.), foi mantida a aplicação à situação dos autos do artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal feita na decisão condenatória de 1ª instância, tendo os Juízes Desembargadores assim ponderado (cfr. acórdão do TRL de 12/01/2017, recorrido, fls. 800-801):

«Como bem se refere na decisão recorrida a "confiança para educação ou assistência ", a que alude o art. 172.°, n.º 1, do CP, abrange todas as situações jurídicas ou de facto pelas quais o menor entre 14 e 18 anos está confiado aos cuidados do agente do crime.

Nesse sentido se pronuncia, na doutrina, Maria João Antunes in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, página 556, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª edição atualizada, página 541 e na jurisprudência o Ac. do STJ de 29/11/2012 (Proc. 862/11.6TAPFR.Sl) e da RC de 21/5/2014 (Proc. 1707/10.0T3AVR.Cl), estes disponíveis in www.dgsi.pt.Ora, resulta da matéria de facto dada como provada, a qual se mantém inalterada por ter sido julgada improcedente a impugnação da decisão proferida sobre tal matéria, que o arguido A. e a arguida B. viveram em união de facto desde 2001, tendo a menor C., nascida em 14 de Outubro de 1998, integrado o agregado familiar quando veio para Portugal, em 2007, passando, desde então, o arguido a prover ao seu sustento e educação, juntamente com a arguida.

Dúvidas não existem, pois, de que, à data dos factos que deram origem a este processo, existia uma relação de dependência da menor C. para com o arguido, resultante de uma situação de facto criada, enquadrável no disposto no n.º 1, do art. 172.°, do CP.

O enquadramento feito pelo tribunal a quo da situação dos autos no tipo penal do art. 172.°, n.º 1, do CP, não é contrário ao princípio da legalidade do art. 1.º, do CP, nem viola o art. 29.° da CRP, conforme alega o arguido/recorrente.».

Em face desta decisão, considera o arguido, ora recorrente, que «a sua condenação pelo crime do art° 172° n° 1 do Código Penal envolve a interpretação dessa disposição penal contra o respectivo tipo objetivo, com a consequente causação da ilegalidade do art° 1° n° 1 do Código Penal e da violação do art° 29° n° 1 da Constituição da República e, por isso, da inconstitucionalidade dessa sua interpretação, que, como tal, suscitou e pediu que fosse apreciada» (cfr. supra I.2).

E do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (supra transcrito em I-2., reiterado nos termos também transcritos em I-3.), resulta que o recorrente visa «a reapreciação da decisão, na parte relativa à seguida interpretação do art° 172° n° 1 CP, por modo a enquadrar, contra o art° 1° do Código Penal e o art° 29°, com referência aos art°s 3° n.°s 2 e 3 e 204° da Constitucional da República — como enquadrou - a situação de relações sexuais entre o arguido e a ofendida maior de 14 anos não ligados entre si por “confiança” ou por “confiança proveniente da lei; de sentença ou de ato em que manifestamente tenha nascido dever de educação ou assistência, COMO A CONFIANÇA PARA EDUCAÇÃO OU ASSISTÉNCIA NELE (art° 172° n° 1 CP) PREVISTA».

Ora, da análise dos presentes autos, em especial do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, decorre, com evidência, que o recorrente não está verdadeiramente a pretender sindicar qualquer norma (ou...

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