Acórdão nº 18/18 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 18/2018

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que é recorrente a sociedade A., Lda. e recorrida B., Lda., foi pela primeira interposto recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão daquele Tribunal da Relação de 29 de setembro de 2016 (cfr. fls. 219 com verso), que confirmou o despacho do relator que não admitiu o recurso interposto pela ora recorrente.

2. Através da Decisão Sumária n.º 593/2017 (cfr. fls. 237-244), decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, nos termos seguintes (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss.):

«II – Fundamentação

4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 230), com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade dos recursos previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC. Assim, cumpre, antes de mais, decidir se é possível conhecer do seu objeto.

5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelos recorrentes no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, o referido acórdão de 29/09/2016, proferido em conferência pelo TRL, que confirmou o despacho do relator que indeferiu o requerimento de interposição de recurso, mantendo o despacho reclamado (cfr. fls. 219 com verso).

Requer a recorrente que seja apreciada a seguinte questão de constitucionalidade, reportada à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão proferido em conferência, a qual «ao interpretar e aplicar o preceituado nos n.º 1 e 2 do art. 639° e no n.º 2 do art. 640°, ambos do CPC, no sentido do indeferimento do Requerimento de Recurso por não autonomizar formalmente conclusões, violou o preceituado no art. 9° do Código Civil por desconsiderar a letra da lei o seu espírito e o pensamento do legislador e, comprime intoleravelmente o direito de prática e exercício de atos processuais, inquinando de inconstitucionalidade material as normas do n.º 1 e 2 do art. 639° e da al. b) do n.º 2 do art. 640°, todos do CPC» (cfr. requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, fls. 225, supra transcrito em I, 2.).

As normas legais cuja apreciação é requerida têm o seguinte teor - com a advertência de, certamente por lapso, a recorrente citar o artigo 640.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) quando o regime normativo em questão consta do artigo 641.º do mesmo Código, pelo que se passa a considerar o disposto nos artigos 639.º e 641.º, do CPC:

«Artigo 639.º

Ónus de alegar e formular conclusões

1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.

4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.

5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.»

«Artigo 641.º

Despacho sobre o requerimento

1 - Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar.

2 - O requerimento é indeferido quando:

a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer;

b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.

3 - No despacho em que admite o recurso, deve o juiz solicitar ao conselho distrital da Ordem dos Advogados a nomeação de advogado aos ausentes, incapazes e incertos, quando estes não possam ser representados pelo Ministério Público.

4 - No caso previsto no número anterior, o prazo de resposta do recorrido ou de interposição por este de recurso subordinado conta-se da notificação ao mandatário nomeado.

5 - A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º.

6 - A decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no artigo 643.º.

7 - No despacho em que admite o recurso referido na alínea c) do n.º 3 do artigo 629.º, deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não deva ser ouvido antes do seu decretamento.»

7. Ora, da análise dos autos, resulta que não se encontra preenchido, no caso em apreço, um pressuposto essencial de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta – o pressuposto relativo à dimensão normativa da questão de constitucionalidade colocada.

Verifica-se que, quanto à alegada questão de inconstitucionalidade submetida à fiscalização deste Tribunal, decorre do teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal (supra transcrito em I-Relatório, 2.) e, bem assim, da enunciação da questão junto do Tribunal a quo, em sede da reclamação do despacho de 10/05/2016 do Juiz da Comarca de Lisboa (de fls. 162-167) que indeferiu o requerimento de recurso por faltarem as conclusões nas alegações do recurso e em sede da reclamação do despacho de 28/06/2016 do Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa (de fls. 182-183) que manteve o despacho de 10/05/2016 então reclamado – reclamação que viria a ser decidida pelo TRL no acórdão de conferência de 29/09/2016 (de fls. 219 com verso), ora recorrido – que a recorrente não pretende que o Tribunal Constitucional exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa.

Com efeito, junto das instâncias (em especial, a partir do teor da reclamação para a conferência da decisão do relator em 2ª instância, a fls. 188-211), a discordância da recorrente relativamente à decisão de indeferimento do requerimento do recurso por si interposto da sentença da 1.ª instância – por aplicação do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, faltando a apresentação de conclusões nas alegações do recurso interposto pela ora recorrente – é manifestada com base no argumento de o ónus de alegar e de formular conclusões se mostrar cumprido por a lei (na interpretação por si proposta) permitir a formulação de conclusões do recurso ao longo da peça das alegações, não sendo exigível a sua formulação autonomizada (defendendo que «Assim, para que se decida pela existência ou inexistência de conclusões importa atender ao sentido conclusivo e sintetizado do texto, e não meramente à sua autonomização formal nem à mera agregação por item identificado com tal nomen», cfr. Reclamação para a conferência, fls. 195) e com base no facto – nunca reconhecido pelas instâncias – de, na situação dos autos, a peça processual de alegações concretamente apresentada habilitar o Tribunal a identificar as conclusões em face de cada questão de facto e de direito que pretendia ver apreciadas, mesmo que não formalmente agrupadas no texto em causa (invocando que «a Reclamante expressou de forma sintética os fundamentos de facto e de direito do seu recurso e, de forma clara, inteligível e concludente delimitou o objeto do recurso», cfr. idem. fls. 197).

Nessa sequência a...

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