Acórdão nº 538/16 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução11 de Outubro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 538/2016[1]

Processo n.º 491/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

1. Refere-se o presente Acórdão a uma reclamação para a conferência (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC), formulada por A. (o Recorrente e ora Reclamante) face à decisão sumária n.º 477/2016, no sentido do não conhecimento do recurso.

Para compreensão da situação, relataremos de seguida os aspetos centrais do desenvolvimento do processo que conduziram à presente instância de recurso.

1.1. O Recorrente A. apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, reclamação de um despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, no âmbito de um processo de execução fiscal, que indeferiu um pedido de prestação de garantia hipotecária. O processo correu os seus termos naquele tribunal (com o n.º 1226/14.5BEPRT) e nele concluiu o Recorrente pedindo a anulação da decisão, pretensão que a Fazenda Nacional contestou, pugnando pela improcedência da impugnação.

1.1.1. Nesse contexto foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, negando provimento à reclamação.

1.2. Inconformado, o Autor interpôs recurso de tal pronunciamento para o Tribunal Central Administrativo Norte, alegando, inter alia, o seguinte:

“[…]

Além disso, a AT agarra-se ao ofício circular n.º 60.076, de 20.07.2010, da Direção de Serviços de Gestão de Crédito Tributário, que esclarece o tipo de garantias a prestar pelo contribuinte.

Ora, esta circular é ilegal, é mesmo inconstitucional, por duas razões.

Primeiro, tem efeitos retroativos em sede fiscal.

Em segundo lugar, contraria os tipos de garantia que a lei geral e o próprio artigo 199.º do CPPT [preveem] (art. 601.º e 623.º do Cód. Civil).

[…]

O Recorrente não pode é dar satisfação ao alto parecer da DSGCT, por ser ele ilegal e inconstitucional, embora seja demonstrativo de que é um ato proveitoso à AT, mas injusto e penalizador a quem pode oferecer património imobiliário mas não consegue a liquidez pretendida.

Pode tratar-se de um interesse público, mas não pode esse interesse penalizar o contribuinte que até pode estar inocente, ou seja, nem sequer ser devedor ao Estado de absolutamente nada.

Ora, isto ofenderá frontalmente a garantia individual que a própria Constituição consagra a favor do cidadão.

[…]

Aliás, é a o próprio Juiz a quo que muito racional e sabiamente refere que o ofício circular acima citado apenas vinculou a AT, e não o Tribunal, até porque, como se disse, além de ilegal, seria inconstitucional dados os nocivos efeitos na garantia que é dada pelas leis aos contribuintes.

[…]

Em conclusão

[…]

b) A circular 60.076, de 29-07-2010, contraria e viola não só o artigo 199.º do CPPT, por ser ilegal e até por produzir efeitos retroativos é em si inconstitucional.

[…]”.

1.2.1. Foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte, anulando a decisão recorrida e determinando a ampliação da matéria de facto e a prolação de nova decisão sobre o mérito da reclamação.

1.3. Regressado o processo à primeira instância e realizadas as diligências tidas por pertinentes, foi aí proferida (segunda) sentença, uma vez mais negando provimento à reclamação.

1.3.1. Persistindo inconformado, o Recorrente interpôs (segundo) recurso da decisão de primeira instância para o Tribunal Central Administrativo Norte, renovando, designadamente, a conclusão supra transcrita no item 1.2.

1.3.2. Foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte, negando provimento ao recurso, em suma, por se ter entendido que: (a) o Recorrente não fez prova do justificado interesse próprio das sociedades que prestariam garantia hipotecária na prestação dessa mesma garantia, o que as tornaria nulas, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais; e (b), ainda que assim não fosse, o recurso improcederia em virtude de ser manifesta a insuficiência das garantias prestadas.

1.4. Continuando inconformado, o Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, todavia, não foi admitido, em virtude de não se verificarem os pressupostos a que se refere o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

1.4.1. O Recorrente pediu a “aclaração” (assim qualificou a sua pretensão) do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que não admitiu o recurso interposto, pedindo a modificação da decisão, o que foi indeferido em segundo acórdão do mesmo tribunal.

1.5. O Recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucionalo qual deu origem aos presentes autos – nos precisos termos que ora se transcrevem:

“[…]

[N]otificado do acórdão proferido nestes autos que não admitiu o recurso interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, e que também indeferiu a reclamação apresentada em sede de aclaração, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos, recurso a subir nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Fundamenta o recorrente o presente recurso nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, al. a) e f) e 20.º da Constituição da República .

Com efeito a Administração Fiscal e as instâncias, vêm sucessivamente a negar o direito de defesa ao recorrente.

Efetivamente, o Requerente apresentou uma garantia hipotecária dada pela sociedade B., LDA., de que é dona a sociedade C. LDA., e que naquela o recorrente é apenas gerente e nesta é sócio-gerente maioritário e seu fundador.

A hipoteca oferecida visa apenas reforçar as garantias prestadas para suspender as execuções instauradas contra o recorrente na sequência da inspeção fiscal feita aos anos de 2005 e 2006.

A questão que subjaz é a seguinte:

É entendimento que a sociedade B., LDA., por força da interpretação dada ao n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, não permite dar garantia ao seu gerente .

Ora, a interpretação dada não é unânime, e essa interpretação além de ilegal é inconstitucional .

A interpretação literal omite ou olvida as situações ou hipóteses mais diversas, como o recorrente tem argumentado, que tem de ser justa perante cada caso, e não por forma a prejudicar em geral as pessoas e a negar-lhes a própria defesa.

É essa interpretação que merecerá a apreciação deste Tribunal para definir o alcance e limite do citado artigo 6.º, n.º 3, do CSC.

[…]”.

1.5.1. O recurso interposto para o Tribunal Constitucional foi admitido no Supremo Tribunal Administrativo.

1.6. Neste Tribunal proferiu o relator a referida decisão sumária n.º 477/2016 – não admitindo o...

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