Acórdão nº 645/16 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 645/2016

Processo n.º 577/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Instância Local (Coimbra) – Secção Cível – Juiz 1, correu os seus termos, com o n.º 3582/13.3TJCBR-D, um processo de impugnação da resolução de negócio em benefício da massa insolvente, em que é Autora A. (ora Recorrente e Reclamante) e Ré a Massa Insolvente de B.. Na contestação, a Ré invocou a caducidade do direito de impugnar a resolução do negócio.

1.1. Foi proferido despacho saneador no qual foi apreciada a invocada questão prévia da caducidade, que foi julgada improcedente, com os seguintes fundamentos:

“[…]

Dispõe o artigo 125.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que ‘o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses’.

Resulta dos autos que a autora recebeu a carta da administradora da insolvência a resolver a doação em causa nos presentes autos no dia 7 de maio de 2014 (cfr. fls. 67), pelo que a autora deveria, em principio, ter intentado a presente ação até ao dia 7 de agosto de 2014.

Sucede que a autora requereu apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono. Tal pedido foi deferido a 21 de maio de 2014, tendo-lhe sido nomeada como patrona a Dr.ª C. (cfr. fls. 104).

Todavia, no dia 17 de junho de 2014, a identificada patrona pediu escusa (cfr. fls. 92), sendo que, na sequência desse pedido de escusa veio a ser nomeada patrona à ora autora a Dr.ª B., no dia 30 de junho de 2014 (cfr. fls. 40).

Ora, dispõe o artigo 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que ‘a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono’.

Assim sendo, no caso dos autos, deve considerar-se que a ação foi proposta no dia em que foi apresentado pela autora, na Segurança Social, o pedido de apoio judiciário, ou seja, no dia 15 de maio de 2014.

Pelo exposto, improcede a invocada exceção da caducidade.

[…]”.

1.2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Ré, para o Tribunal da Relação de Coimbra.

1.2.1. No Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferida decisão singular pelo relator, julgando procedente a Apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida, ao julgar verificada a exceção de caducidade do direito de impugnar a resolução, absolvendo a Ré da instância.

1.2.2. A Autora reclamou daquela decisão para a conferência, pugnando pela improcedência da exceção da caducidade, ali alegando, designadamente, o seguinte:

“[…]

Assim, a lei prescreve que só a prática, no prazo legal ou convencional do ato a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo é que obsta à caducidade, artigo 331.º, n.º 1, do Código Civil.

Por força do normativo em apreciação, no caso de o titular do direito substantivo pedir a nomeação de patrono no quadro do apoio judiciário, a ação considera-se proposta na data em que foi apresentado o referido pedido.

Isso significa que pedida a nomeação no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, queda irrelevante o prazo que decorra entre aquele momento e o da propositura da ação pelo patrono que venha a ser nomeado.

Face ao supra referido, a douta decisão singular faz uma interpretação inconstitucional da Lei do Apoio Judiciário, uma vez que a natureza do prazo de 30 dias previsto no art. 33.º, n.º 1, é meramente indicativa, com efeitos disciplinares, pelo que tal interpretação afeta a beneficiária na defesa jurisdicional dos seus direitos [e] viola o art. 20.º da CRP .

Pelo que a douta decisão singular violou os arts. 1.º, 18.º, 24.º, n.ºs 4 e 5, 30.º, 31.º, 33.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, 32.º e 34.º, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, referida Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como violou os arts. 329.º e 331.º, n.º 1, do C.Civil e violou também os Princípios Constitucionais da Igualdade e do Acesso ao Direito plasmados nos arts. 13.º e 20.º da CRP.

[…]

CONCLUSÕES

[…]

54. Isso significa que pedida a nomeação no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, torna-se irrelevante o prazo que decorra entre aquele momento e o da propositura da ação pelo patrono que venha a ser nomeado, cfr. conclusão 43.º supra referida.

55. Pelo que, atento o esclarecimento da Ordem dos Advogados, […] «Em conclusão: o prazo a que se refere o Artigo 30.º da LAJ só releva para efeitos disciplinares e o apoio judiciário para propositura de ação só se considera assegurado ao beneficiário com a nomeação do patrono que propõe a ação, sendo irrelevantes nomeações anteriores que culminaram com pedidos de escusa».

56. Face ao supra referido, a douta decisão singular faz uma interpretação inconstitucional da Lei do Apoio Judiciário, uma vez que a natureza do prazo de 30 dias previsto no art. 33.º, n.º 1, é meramente indicativa, com efeitos disciplinares, afetando a beneficiária na defesa jurisdicional dos seus direitos [e] viola o art. 20.º da CRP .

57. Pelo que a douta decisão singular violou os arts. 1.º, 18.º, 24.º, n.ºs 4 e 5, 30.º, 31.º, 33.º, 32.º e 34.º, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, referida Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como violou os arts. 329.º e 331.º, n.º 1, ambos do C.Civil e violou também os Princípios Constitucionais da Igualdade e do Acesso ao Direito plasmados nos arts. 13.º e 20.º da CRP.

[…]”.

1.2.3. Foi proferido acórdão, pela conferência, confirmando a decisão singular reclamada, com os seguintes fundamentos, que provinham já da decisão singular e a conferência entendeu reiterar (transcrição parcial):

“[…]

[C]oncluímos que o objeto do presente recurso incide sobre determinar se quando a ação de resolução em benefício da massa insolvente foi proposta já havia decorrido o prazo para ser proposta.

O artigo 125.º do CIRE estabelece que ‘[o] direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência.’

Numa primeira abordagem aos termos da ação, verificamos que na aplicação deste preceito, tendo a autora recebido em 7 de maio de 2014 a carta da administradora da insolvência que lhe comunicava a resolução do ato (doação), o prazo de três meses estabelecido no citado art. 125 terminaria em 7 de agosto de 2014.

Acontece que em 15 de maio de 2014 a Autora solicitou a concessão de benefício de apoio judiciário, razão pela qual teremos de questionar qual a relevância dessa solicitação relativamente à propositura da ação a que se destinava tal apoio.

Neste sentido o artigo 33.º do DL. 34/2004 determina que ‘1 – o patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Camara dos solicitadores se não instaurar a ação naquele prazo (…) 4 - A ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono’.

[…]

Assim sendo, julgamos ser de concluir que, estando provado que a autora solicitou o apoio judiciário em 15 de maio de 2014, é nessa data que, em princípio, se deve considerar proposta a ação, verificando-se desse modo que o foi antes do termo do prazo de caducidade que ocorreria em 7 de agosto de 2014.

Não obstante esta aparente simplicidade da aplicação da lei, a circunstância de ela atribuir a data de propositura da ação ao momento em que haja sido solicitado pela autora o beneficio do apoio judiciário para a propor, não ilude a realidade segundo a qual, embora se deva ficcionar que a data da propositura da ação é essa, na realidade, nesse momento, a petição inicial ainda não entrou em juízo, tendo de saber-se até quando deve e pode essa petição inicial entrar em juízo e quais as consequências se ela não der entrada no prazo devido ou, até, se nunca vier a dar entrada.

Neste domínio o artigo 33.º do DL 34/2004 estabelece que: ‘1 – O patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a ação naquele prazo. 2 – O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido. 3 – Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente. (…)

[…]

Reportada ao direito de propor a ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, parece indiscutível que o ato a que tem de atribuir-se o efeito impeditivo dessa mesma caducidade é o da propositura dessa mesma ação, como resulta claro da letra do artigo 332.º do Código Civil, onde se fala na ação ‘…tempestivamente proposta (n. 1); e…prazo decorrido entre a propositura da ação e…’.

[…]

Pelo sobredito, entendemos que a solução do objeto do recurso deve ser encontrada na conjugação dos prazos de caducidade e de obrigação do patrono propor a ação em 30 dias com aquela outra disposição que fixa a data da propositura da ação fazendo-a coincidir com a do requerimento de apoio judiciário.

De uma forma mais simples e impressiva, podemos pensar que a situação que se coloca ao juízo do tribunal neste recurso não é diferente e não deverá ter diferente...

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