Acórdão nº 671/16 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Dezembro de 2016

Data13 Dezembro 2016
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 671/2016

Processo n.º 833/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Na 1.ª Secção Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, no âmbito do processo n.º 137/15.1T9PDL, foram submetidos a julgamento em processo crime, por tribunal coletivo, os arguidos A. e B. (este último o ora Recorrente), na sequência de decisão instrutória em que foi imputada a cada um deles a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas anexas I-A e I-B do referido diploma.

No julgamento, foi o arguido ora Recorrente condenado pelo referido crime na pena de cinco anos e dez meses de prisão (fls. 1049/1061).

1.1. O arguido B. interpôs recurso de tal decisão condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 1098/1116), invocando que dos factos imputados aos arguidos teria sido coautor um terceiro (C.), pessoa que foi ouvida na qualidade de testemunha. Rematou tal recurso com as seguintes conclusões:

“[…]

1) O cidadão C., analfabeto, prestou declarações na PSP sem a presença de advogado ou defensor, o que constitui desde logo nulidade insanável que deve ser conhecida em qualquer altura do processo, nos termos conjugados dos arts. 64.º, n.º 1, al. d), e 119.º, alínea c), todos do CPP.

2) Dessas declarações, confessórias e cometidas em comparticipação, foi extraída certidão ‘para investigação autónoma dos indivíduos B. (...) e para A. (...) passando a estratégia de investigação por inquirir na qualidade de testemunha C., atento ao que alude o n.º 2 do art. 133.º do CPP’.

3) O cidadão C., confessou a prática dos factos imputados aos arguidos B. e A., em coautoria material.

4) Apesar disso, nunca foi perseguido penalmente por estes concretos factos.

5) Nem no processo em que foi constituído arguido (respondeu por outros), nem neste em que foi ouvido como testemunha e não foi constituído arguido para tornar possível o seu testemunho naquela qualidade.

6) Ou seja, o Tribunal a quo considerou que aquela testemunha C. cometeu uma pluralidade de factos criminosos, conjuntamente com os dois únicos arguidos destes autos, não o constituindo nestes autos arguido, já que, no processo em que respondeu por crimes da mesma natureza, não respondeu por estes factos, realidade que o Tribunal a quo sabia, pois foi junto a estes autos aquele acórdão condenatório.

7) Daqui resulta que três pessoas praticaram factos concretos que preenchem um tipo legal de crime, dois são por eles condenados e o Terceiro, autor confesso, fica deles impune.

8) Violando com esse entendimento o Tribunal a quo, claramente, os princípios constitucionais de igualdade de todos os cidadãos perante a lei, e a obrigação de promover o processo relativamente a todos quantos é do seu conhecimento comparticiparam no cometimento de crimes de natureza pública.

9) Fazendo o MP uma utilização arbitrária do processo penal, e consentindo o Tribunal a quo que daí pudesse um coautor confesso ficar impune, apesar de ter usado a confissão deste para condenar os outros alegados coautores.

10) Pelo que o testemunho do cidadão C. deverá ser considerado nulo e inutilizável nos termos do [artigo] 119.º, alínea b, do Código de Processo Penal .

11) E, consequentemente, anulando todo o processado posteriormente, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do CPP.

12) Esse entendimento que os Senhores Juízes fizeram no douto acórdão ora em recurso, em violação dos ante referidos artigos e ainda dos arts. 48.º, 53.º, n.º 1, al. c), 58.º, n.º 5, 59.º, n.ºs 1 e 3, 64.º, n.º 1, al. d), 133.º, 242.º e 283.º do CPP, constitui interpretação inconstitucional, por violação dos arts. 13.º, 32.º, n.º 9, e 219.º da CRP.

[…]”.

1.1.1. Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, negando provimento ao recurso interposto pelo arguido B. (fls. 1183/1214). Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Tendo em conta estas ocorrências processuais, e ressalvando o devido respeito pela posição dos recorrentes, entendemos que a invocada nulidade não pode proceder, pelas razões invocadas na douta decisão recorrida, com cuja fundamentação concordamos genericamente.

Efetivamente, como se refere na decisão do tribunal a quo «este indivíduo (referindo-se a C.) nunca poderia ser responsabilizado criminalmente nestes autos por factos contidos ou abrangidos pelo período temporal da condenação sofrida, ainda que, processualmente, se trate de ‘factos novos’ (isto é, de factos pelos quais diretamente não respondeu, mas que estão abarcados indiretamente no hiato temporal abrangido pela condenação), pelo que não faria qualquer sentido a sua constituição como arguido, no que ao caso interessa, em plena audiência de julgamento». Na verdade, como vem sendo pacificamente entendido o crime de tráfico de estupefacientes é dogmaticamente denominado de crime exaurido «no sentido de que a condenação de alguém pela prática de tal crime, referida a um determinado período, corresponde a uma apreciação global da sua atividade delituosa durante esse período, independentemente da falta de consideração de algum ou alguns factos parcelares praticados durante essa época. Outros factos desse crime, praticado durante esse período, apesar de não conhecido ou considerados na condenação anterior, estão abrangidos pelo caso julgado que ela formou” – cfr. acórdão do STJ de 18.06.1998, in CJSTJ 1998, tomo 3, 167.

Assim sendo e tendo C. sido advertido do disposto no n.º 2 do art. 133 do CPP, e expressamente consentido em depor na qualidade de testemunha, inexiste, como bem se conclui na douta decisão recorrida, qualquer entrave legal à admissibilidade deste meio de prova.

É também o que se afirma no Código Processo Penal Comentado, da autoria de vários Conselheiros do STJ, edição de fevereiro de 2014, em anotação ao artigo 133.º do Ex.mo Conselheiro Santos Cabral: «a separação de processos que fundamenta o impedimento constante do n.º 2 do normativo é aquela que radica na aplicação do artigo 30.º do mesmo diploma. Neste último caso, de separação de processos, é condição de admissibilidade do depoimento a circunstância de existir um consentimento expresso por parte da potencial testemunha (e arguido no processo separado)».

Cabe por fim dizer que o que se vem de dizer em nada colide com princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico-constitucional, como são, entre outros, os invocados pelo recorrente B.: arts. 13.º, 32.º, n.º 9, e 219.º da CRP.

Em conformidade com o que se vem de dizer, é de concluir pela improcedência da arguida nulidade insanável «por o cidadão C. ter prestado declarações na PSP sem a presença de advogado ou defensor», uma vez que neste processo não é arguido.

[…]”

1.2. Ainda inconformado, o arguido B. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual deu origem aos presentes autos, nos termos seguintes (fls. 1226/1227):

“[…]

[V]em aos autos, ao abrigo do disposto nos arts. 70.º, n.º 1, al. b), 72.º, n.º 1, al. b), 75.º e 75.º-A da Lei de Processo no Tribunal Constitucional interpor o presente recurso para fiscalização concreta e sucessiva da constitucionalidade, a subir para o Venerando Tribunal Constitucional (art. 70.º, n.º 2, da LOFPTC) e com efeitos suspensivos (art. 78.º, n.º 1, da LOFPTC)

O que faz com os seguintes termos e fundamentos:

Do objeto:

1. A decisão de que se recorre é o, aliás douto, Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos autos referidos em epígrafe, que decidiu negar provimento ao recurso, notificado ao recorrente em 3 de outubro de 2016.

Questão Prévia:

1. O Recorrente alegou a inconstitucionalidade material dos artigos 48.º, 53.º, n.º 1, al. c), 58.º, n.º 5, 59.º, n.ºs 1 e 3, 64.º, n.º 1, al. d), 133.º, 242.º e 283.º do CPP, na interpretação dada pelo tribunal a quo, por violação dos artigos 13.º, 32.º, n.º 9, e 219.º da Constituição da República Portuguesa.

2. Fê-lo, nomeadamente no artigo 12.º das suas conclusões.

3. E fê-lo de forma percetível, de tal forma que, sobre a conformidade constitucional das normas invocadas o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa pronuncia-se, a fls. 25 e 28, ainda que de forma equívoca.

4. Ou seja, apesar da referência lacónica, o tribunal...

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