Acórdão nº 974/17.2T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2018
Data | 13 Dezembro 2018 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.
AA, residente na rua Urbanização …, … – … (…), … intentou a presente acção com processo comum contra BB - Companhia de Seguros, S.A.
, com sede na rua …, …, Lisboa, alegando: Ocorreu um embate entre o motociclo propriedade do Autor, que o conduzia, e um veículo ligeiro de passageiros, que também identifica, seguro na Ré.
Afirma que o acidente se deu por culpa do condutor do veículo seguro na Ré e que como consequência desse embate sofreu danos de índole patrimonial e não patrimonial que pretende ver indemnizados.
Conclui pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: a) – a quantia de 147.129,85 €, através de cheque cruzado emitido a favor do demandante, sem a inscrição não à ordem ou não endossável, a enviar para o escritório dos mandatários do demandante, contra recibo.
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– o que se vier a liquidar em execução de sentença de acordo com o alegado nos artigos 52º, 53º, 56º, 57º, 76º, 77º e 111º a 117º da petição inicial.
Mais afirma optar pelos juros de mora a partir da citação.
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Contestou a Ré BB - Companhia de Seguros, S.A.
alegando, em resumo, que a culpa do acidente se ficou a dever ao Autor e afirmando, quanto aos danos, que o Autor foi ressarcido em parte ao abrigo de um contrato de seguro de acidentes pessoais.
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Foi citado o I. S. Social, I.P., o qual deduziu pedido de reembolso.
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Instruído o processo, foi proferido despacho saneador, procedeu-se ao julgamento, tendo sido, de seguida, proferida sentença com o seguinte teor: «Por tudo o exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré BB – Companhia de Seguros, S.A.: a). a pagar ao Autor a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento; b). a pagar ao Autor a quantia de € 2.583,82 (dois mil, quinhentos e oitenta e três euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, 20 de Fevereiro de 2017 e até integral pagamento; c). a pagar ao I.S.Social, I.P., o montante de € 2.459,87 (dois mil, quatrocentos e cin-quenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos)».
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Inconformados com a decisão, foi interposto recurso pelo Autor AA e pela Ré BB – Companhia de Seguros, S.A.
O Tribunal da Relação de …, por Acórdão de 14 de Junho de 2018, decidiu: «julga-se procedente a apelação interposta pela Ré e improcedente a apelação interposta pelo Autor e em consequência revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados pelo Autor e pelo Instituto de Segurança Social, I.P.
Custas na segunda instância pelo Autor e na primeira instância pelo Autor e pelo Instituto de Segurança Social, I.P, na respetiva proporção.
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Inconformado, o Autor, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1ª.
O recorrente jamais pode conformar-se com o teor da decisão do Tribunal da Relação de …, sobretudo com a Ia conclusão do sumário do acórdão recorrido, que é uma contradição em si próprio, como veremos.
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Com efeito, e com o devido respeito por opinião diversa, sempre se dirá que nessa conclusão consegue colocar-se em crise concorrência entre culpa efectiva e responsabilidade objectiva ou pelo risco.
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Vejamos, então, o que se escreveu nessa Ia conclusão do sumário do acórdão recorrido: 1. Age com culpa o condutor de um motociclo que guina o seu veículo, numa estrada escorregadia, para passar por detrás de outro veículo, embatendo na traseira deste, sem que se apure qualquer circunstância que explique esse acto.
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E, tanto quanto se percebeu da fundamentação do acórdão recorrido, essa conclusão estará relacionada com o incumprimento por parte do recorrente de regras do Código da Estrada, nomeadamente o disposto no n° do artigo 11° do Código da Estrada.
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Mas aquilo que se pode também retirar da fundamentação do acórdão recorrido é o seguinte: E certo que não se provaram as razões que determinaram o Autor a guinar por querer passar por detrás do veículo que o precedia (num piso escorregadio, produzindo o embate).
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Mas, ainda assim, e ao arrepio das mais elementares regras da responsabilidade civil, se preteriu a responsabilidade objectiva ou pelo risco, em face de uma prova de primeira aparência, de sentido único, atribuindo-se culpa exclusiva ao recorrente pela eclosão do acidente.
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Porém, e com o devido respeito, não cuidou o Tribunal da Relação de … de perceber, como parece não ter percebido, o que teria motivado a colisão do motociclo do recorrente, de forma enviesada, na traseira do veículo seguro na recorrida.
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O que teria sucedido à frente do motociclo do recorrente para que o mesmo guinasse para a sua direita, não obstante o piso estar escorregadio?! Será que foi por que lhe apeteceu ali fazer essa manobra?!!! Claramente se percebe que essa manobra do recorrente mais não é do que uma manobra de recurso para evitar uma colisão com o veículo seguro na recorrida em face de alguma manobra que pelo seu condutor foi efectuada em contravenção às regras do Código da Estrada.
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É que não nos podemos esquecer que o motociclo do recorrente circulava no mesmo sentido e atrás do veículo seguro na recorrida.
Assim sendo, como inquestionavelmente é, como seria possível um veículo que circula atrás de outro, possa passar por detrás daquele? Apenas é possível se esse veículo (o que circula à frente) assumir uma posição perpendicular ou enviesada em relação ao eixo da via, pois se assim não for, jamais o veículo que circula atrás de um outro poderá passar por detrás daquele...! Parece-nos, com o devido respeito, particularmente óbvio.
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O certo e seguro, que resulta já da decisão de Ia Instância, é que não se provou em que circunstâncias ocorreu a colisão relatada nos presentes autos. Apenas se demonstrou que os veículos EMBATERAM. NADA MAIS.
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Por isso, e como está bom de ver, resultando já essa posição da decisão de Ia Instância, o presente sinistro apenas poderia ser resolvido, em face da matéria de facto apurada com recurso à responsabilidade objectiva, isto por culpa de ambas as partes no processo, pois nenhuma provou a culpa da outra.
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E se a "prova de primeira aparência" que foi trazida à colação no acórdão recorrido tivesse a interpretação que lhe foi ali dada, jamais alguma Companhia de Seguros seria chamada a indemnizar um qualquer lesado, pois sobre este sempre impenderia uma presunção de culpa...! Com o devido respeito, é mau de mais ler-se este tipo de decisão num Tribunal Superior, como é o caso do Tribunal da Relação de ….
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E permita-se-nos dizer que é até desonrosa e chocante a forma como foi colocada em crise a decisão de Ia Instância, que resultou, para quem conhece o Meritíssimo Juiz de Ia Instância, de um árduo e hercúleo trabalho na descoberta do modo como terá ocorrido o acidente dos autos.
E a sentença de Ia Instância é o espelho disso mesmo, pois a sua fundamentação representa o meritório esforço desenvolvido pelo Meritíssimo Juiz de Ia Instância no apuramento de factos que o pudessem levar a atribuir a culpa a um, ao dois ou a nenhum dos condutores dos veículos intervenientes.
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Por isso, e à semelhança do que se disse aquando do recurso de Apelação, o recorrente está absolutamente de acordo com a forma como foi decidida a presente demanda, no que respeita à solução encontrada ao abrigo do instituto da responsabilidade objectiva. Aquilo com que o recorrente continua a discordar é com a atribuição do risco em partes iguais, atendendo ao facto de os veículos intervenientes no acidente terem volumetrias absolutamente distintas.
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Acontece que, quanto ao modo como ocorreu o acidente dos autos, nada se provou no sentido de se atribuir culpa a um dos condutores em exclusivo ou em concorrência de culpa aos dois. Por isso, e muito bem, o Meritíssimo Juiz de Ia Instância decidiu-se pela responsabilidade objectiva para resolver essa questão.
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Todavia, e porque se provou que os veículos intervenientes no sinistro relatado nos autos foram um veículo ligeiro de passageiros (seguro na recorrida) e um motociclo (conduzido pelo recorrente) jamais a divisão do risco deveria ter ocorrido nesses moldes e, muito menos, como sucedeu no acórdão recorrido, ter sido atribuída culpa exclusiva ao recorrente.
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Manda, nestas situações, o disposto no artigo 506° do Código Civil repartir a responsabilidade de acordo com o risco de cada um dos veículos intervenientes. Ora se é assim, como efectivamente é, temos de ter em consideração o tipo de veículos que intervieram no acidente: - por um lado, um veículo ligeiro de passageiros; - por outro, um motociclo.
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Assim, e como se depreende do acabado de referir por que a volumetria desses dois veículos é distinta, a contribuição de cada um deles — em termos de risco — tem de ser, óbvia e obrigatoriamente, distinta.
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Como é sabido, o risco é apreciado não na vertente do utilizador da máquina (em que quanto mais pequeno é o veículo maior é o risco), mas sim na vertente dos danos que pode provocar a terceiros, o que implica que quanto maior for a máquina/veículo maior será o risco da sua utilização provocar maiores danos.
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Assim e como resulta da mais variada Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando está em causa uma colisão entre um veículo ligeiro de passageiros e um motociclo, a repartição do risco nunca é realizada em partes iguais, sendo que de vários Acórdãos se retira que a divisão ronda percentagens que se situam entre os 75 a 80% para o veículo ligeiro e os 20 a 25% para o motociclo.
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Por isso, e no caso dos autos, deveria ter sucedido de igual, isto é, deveria ter sido repartido o risco na percentagem de 75 a 80% para o veículo seguro na recorrida e 20 a 25% para o motociclo do recorrente.
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É que, à míngua de outros elementos, sempre terá de se considerar a diferente volumetria dos veículos...
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