Acórdão nº 72/17.9JACBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância, em formação colectiva, proferiu acórdão decidindo, além do mais que aqui não importa, condenar o arguido AA , nascido em 29/05/1995: -a 5 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos artºs 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artº 204º, nº 2, alínea f), ambos do Código Penal; -a 1 ano de prisão, pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº 1, do CP; e -em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.

O arguido interpôs recurso dessa decisão directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo e pedindo nos termos que se transcrevem: «A. Foi o arguido AA condenado pela prática dos crimes de roubo agravado, p.p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, al. f) do Código Penal, e pelo crime de sequestro, p.p. pelo artigo 158.º, n.º 1 do Código Penal.

  1. Estipula o artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal que “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo números de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

  2. Porém, é convicção do ora Recorrente que, in casu, não existe um concurso real entre os crimes de roubo agravado e o crime de sequestro, mas tão só um concurso aparente.

  3. O critério decisivo da unidade ou pluralidade de infracções é dado pelo diverso número de valores jurídico-criminais negados.

  4. Todavia, sempre que uma determinada conduta preencha vários tipos legais de crime, tal não significa que o agente responda necessariamente pela prática de diversos crimes, uma vez que há tipos legais de crime que se encontram numa relação entre si que implica que a aplicação de um, exclui a aplicação de outro, verificando-se, assim, um concurso aparente de infracções.

  5. No concurso aparente de crimes, o arguido só poderá ser condenado por um único crime, de harmonia com o princípio da proibição da dupla valoração.

  6. A douta jurisprudência, e sensata doutrina, portuguesas, tem maioritariamente entendido que o concurso é aparente sempre que a privação da liberdade de movimentos do ofendido não ultrapassa a medida naturalmente associada à prática do roubo – sendo, s.m.o., tal privação de liberdade consumida pelo crime de roubo, porquanto resultou necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido – sendo este o caso sub judice.

  7. É entendimento do ora Recorrente que resultou provado dos autos que a duração da privação da liberdade do ofendido foi precisa e justamente necessária para a subtracção dos valores monetários da vítima, bem como do seu veículo automóvel, e para que o Arguido se pusesse em fuga, “desembaraçando-se, assim, cerca de 10 minutos depois, das amarras que o prendiam ao tronco do eucalipto” (vide facto 21 dos factos dados como provados).

    I. Ainda que a nossa lei não estipule uma duração mínima para esta limitação de movimentos, sempre se deverá achar diminuto o período de 10 minutos em que o ofendido ficou amarrado ao tronco – tendo sido indispensável para a consumação do roubo do seu veículo.

  8. Neste sentido, o entendimento deste Venerando Tribunal, no Acórdão do STJ de 13/12/2001, Processo n.º 3071/01-5, que considerou a privação de liberdade de cerca de meia hora para o agente se pôr em fuga como indispensável à realização plena do roubo, constituindo assim só a prática de crime de roubo, pelo que, o Tribunal a quo ao condenar em concurso real violou o disposto no artigo 30.º, n.º 1 e 158.º do Código Penal.

  9. O próprio Tribunal a quo, no referente às regras de punição do concurso, admite que “não existe grande disparidade dos bens jurídicos protegidos” (referindo-se ao crime de sequestro e ao crime de roubo), e que “os crimes cometidos foram circunscritos num lapso temporal muito curto”.

    L. Nestes termos, deve assim o Arguido AA, ora Recorrente, ser absolvido do crime de sequestro, e condenado apenas pelo crime de roubo agravado.

    Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se mui respeitosamente a V. Exas. a procedência do presente recurso, e a consequente revogação do douto acórdão recorrido, sendo o Recorrente absolvido do crime de sequestro, com a consequente redução da pena aplicada».

    O recurso foi admitido.

    Respondendo, o MP na instância recorrida defendeu a sua improcedência.

    No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no mesmo sentido.

    Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.

    Não foi requerida a realização de audiência.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação: Foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): 1. No dia 19 de Fevereiro de 2017, pelas 09h30m, o ofendido BB, saiu de sua casa, sita em ..., conduzindo a sua viatura automóvel, de marca Audi, modelo A4, de cor cinzenta, com a matrícula ...-CV-..., dirigindo-se à localidade de Aveiro, por motivos de trabalho.

    2. Deslocou-se à zona de ..., onde parou numa bomba de combustível da BP, localizada nas proximidades da zona Industrial daquele concelho e procedeu ao levantamento em máquina ATM da quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros).

    3. De seguida dirigiu-se a uma zona de eucaliptal junto do cruzamento da E.N. 1 com as estradas que dão acesso às localidades de ... e ..., local situado nas proximidades dos armazéns de sociedade denominada “..., Lda.” (e cuja morada é E.N. 1, ...).

    4. Aí chegado, abordou uma prostituta com quem acordou a prática de acto sexual, pelo preço de € 10,00 (dez euros).

    5. Após a prática do referido acto sexual, no eucaliptal situado nas imediações do referido armazém, BB entregou à referida prostituta a quantia de € 10,00, valor esse anteriormente acordado.

    6. Entretanto, pelas 11h30m desse dia 19 de Fevereiro, surgiram no referido eucaliptal o arguido AA e um outro indivíduo cuja identidade não se apurou, empunhando o primeiro uma navalha e o segundo uma pistola de pequenas dimensões.

    7. Este arguido, AA, em conluio prévio com o outro indivíduo cuja identidade não se apurou, no âmbito de um plano previamente delineado, aguardavam o momento oportuno para se acercarem da prostituta, bem assim do Ofendido, coagindo-os, pela força, a entregarem-lhes todos os bens de valor que na sua posse detivessem.

    8. Na execução do referido plano, o arguido AA e o indivíduo não identificado abordaram o Ofendido e bem assim a prostituta que o acompanhava, exigindo-lhes a entrega do dinheiro que tivessem na sua posse, nos seguintes termos: “Dinheiro...

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