Acórdão nº 304/17.3T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | OLIVEIRA ABREU |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra, BB, S.A. e CC, S.A., agora designada, DD, S.A., formulando, contra estas os seguintes pedidos: (i) Pagamento de uma indemnização não inferior a € 51.000,00 (…), a título de danos não patrimoniais; (ii) Pagamento de uma indemnização, cujo montante relega para execução de sentença, a título de perdas aquisitivas laborais de IPP e IPG (…) (iii) Pagamento de despesas médicas, medicamentosas e hospitalares que venha a reclamar; (iv) Juros respectivos à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Articulou a Autora, com utilidade, a sua pretensão de indemnização numa actuação negligente da Ré, BB, S.A., em acto médico que realizou na sus própria pessoa, e do qual lhe resultaram lesões, estendendo a responsabilidade à Ré, CC, S.A., agora designada, DD, S.A., uma vez que esta assumiu os riscos do acto médico.
A Ré seguradora veio contestar a acção invocando a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade para a acção, a incompetência material do tribunal e a prescrição do direito da Autora.
Impugnou ainda os factos alegados, reclamando a improcedência da acção.
A Ré, BB, S.A., também apresentou contestação, invocando a prescrição do direito da Autora e a ilegalidade de dedução de pedidos genéricos e relativos a danos futuros incertos e indeterminados.
Impugnou ainda os factos alegados pela Autora, pugnando pela improcedência da acção e pela condenação da Autora, como litigante de má-fé.
Findos os articulados, o Tribunal de 1ª Instância considerou estar habilitado a conhecer da invocada excepção de prescrição, tendo proferido decisão que se consigna: “Da exceção da prescrição do direito de indemnização da Autora: (…) São os seguintes os factos a atender (considerados assentes por acordo das partes expresso nos respetivos articulados e dos documentos juntos aos autos): - A Autora ao serviço da Associação Cultural Recreativa e Musical de …, tomadora de seguro de acidente de trabalho, terá sofrido um acidente de trabalho em 24/12/2000.
- A Associação Cultural Recreativa e Musical de … tinha a sua responsabilidade por acidente de trabalho transferida para a CC pela apólice 001…1.
- Por força desse acidente correu termos a respetiva ação no Tribunal de Trabalho no âmbito da qual a CC indemnizou a autora pelos valores fixados.
- Com data de 7 de setembro de 2001, a CC emitiu uma declaração com o seguinte teor: “A CC, S.A., declara que, AA, morador(a) em …, …, está abrangido(a) pela Apólice de Seguros de Acidentes de Trabalho nº A 0001…5 do Tomador de Seguros – As. Cultural, Recreativa e Musical. Mais declara que a CC, S.A., toma responsabilidade sobre a(o) cirurgia necessário (a) à reabilitação de AA, vítima de acidente de trabalho abrangido pela referida Apólice, a ser efetuado(a) em Braga a 12-09-2001”.
- No dia 12 de Setembro de 2001, no âmbito da ação por acidente de trabalho, a Autora foi submetida a operação cirúrgica, com aplicação de um parafuso de fixação na Tíbia.
- Consta do documento de fls 12 junto aos autos pela autora, datado de 24 de dezembro de 2001, que “(…) Atualmente está a evoluir bem na fisioterapia, e aguarda marcação de cirurgia para extração do parafuso aplicado.” - A presente ação deu entrada no dia 19-01-2017 tendo a 1ª Ré sido citada em 25-01-2017 e a 2ª Ré em 26-01-2017.
Bem analisada a pretensão da Autora, na configuração que lhe dá quanto à causa de pedir e pedidos, cremos não haver dúvidas que a mesma se enquadra no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, de cariz extracontratual.
Na verdade, não existiu qualquer relação contratual estabelecida entre Autora e Ré Clínica BB, dado que esta interveio a pedido da Ré Seguradora, sem que tivesse sido contratado diretamente com a Autora a prestação de serviços médicos.
Do mesmo modo, não tem a Autora qualquer relação contratual com a Ré CC.
O único ponto de ligação entre as partes, sem qualquer conformação jurídica, reside na circunstância de a Autora ter sofrido um acidente de trabalho ao serviço da Associação Cultural Recreativa e Musical de … que tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a CC pela apólice 001…21, que a indemnizou pelos valores fixados pelo Tribunal de Trabalho. No âmbito da ação laboral a autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica em estabelecimento escolhido pela Seguradora que assumiu os riscos da cirurgia.
Sucede que, a Autora afasta declaradamente qualquer direito provindo desta relação laboral, para o qual este tribunal não seria o competente em razão da matéria.
A Autora delimita expressamente o objeto do litígio à atuação negligente da Ré Clínica BB.
Destarte, a lei substantiva aplicável ao caso é a que emerge da responsabilidade civil extracontratual à luz da espécie jurídica figurada nos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
Para esta responsabilidade a lei prevê, no seu artigo 498.º do Código Civil, um prazo curto de prescrição, correspondendo este prazo a três anos e se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
A factualidade imputada à 1ª Ré, seria subsumível abstratamente ao crime de ofensa à integridade física (art. 143º, do Código Penal), sendo-lhe aplicável o prazo de prescrição de 5 anos (art. 118º, nº1, al. c, do Código Penal).
O momento inicial de contagem do prazo de prescrição deve coincidir com o momento em que a Autora refere que deveria ter sido retirado o parafuso, verificando-se uma omissão por parte da Ré Clínica, a qual lhe causou os danos de que vem reclamar o respetivo ressarcimento.
E esse momento inicial situa-se, pelo menos, na data de 24 de dezembro de 2001, data do documento em que a Autora estriba a afirmação da necessidade de retirada do parafuso que lhe foi colocado na cirurgia de 12 de setembro de 2001.
Os Réus foram citados para a presente ação em 25 e 26 de janeiro de 2017.
Entre a data do conhecimento do facto danoso e a citação dos réus decorreram mais de 15 anos.
Donde, há muito se mostra prescrito o direito de indemnização da Autora.
A prescrição configura um facto impeditivo do direito da Autora, que conduz à absolvição do pedido (arts 576.º, n.º 3 e 579.º do C.P.C.), Pelo exposto, julgo verificada a prescrição do direito de indemnização da Autora e, em consequência, absolvo as Rés dos pedidos contra si formulados.
Custas pela Autora.
Registe e notifique”.
Inconformada, a Autora/AA recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, Julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelas recorridas.” É contra esta decisão que a Ré/BB, S.A. se insurge, formulando as seguintes conclusões: “A. O presente Recurso vem interposto do Acórdão da Relação de … que declarou procedente o recurso de apelação, e revogou a decisão que julgou prescrito o direito indemnizatório da Autora.
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Ora, vem a Recorrente, salvo o devido respeito, que é muito, discordar veementemente do entendimento explanado no referido Acórdão, já que entre a Recorrida e Recorrente nunca foi celebrado qualquer tipo de contrato, por isso, os danos decorrentes da alegada negligência da Recorrente apenas poderão ser enquadráveis no plano da responsabilidade civil extracontratual.
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Vem o douto Acórdão referir que o facto de a Recorrida ter prestado o seu consentimento na intervenção cirúrgica é suficiente para que se considere existir uma declaração de aceitação da proposta contratual da Recorrente, formando-se, desta feita, um contrato de prestação de serviços médicos.
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Salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente e a Recorrida não estabeleceram de forma direta qualquer tipo de relação contratual. Isto porque, a formação de um negócio jurídico válido e eficaz pressupõe a existência de um encontro de vontades, i.e., um encontro de declarações negociais dignas de formarem um negócio jurídico.
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Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2017, proferido no âmbito do processo n.º 4527114.9T8FNC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, quando refere que “A declaração negocial tem, assim, como função primordial, a de exteriorizar a vontade psicológica do declarante, visando, dessa forma e sob a égide do princípio da autonomia privada, realizar a vontade particular através da produção intencional de um efeito ou de uma regulamentação jurídico-privada.”.
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Ora, na verdade, e como melhor adiante se explanará, esse referido “encontro de vontades” não tem natureza de declaração negocial, não podendo, então, ser digno de formar um negócio jurídico entre as partes.
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Na verdade, apenas existiram dois conjuntos de declarações negociais válidas e eficazes, a saber: 1) declaração negocial da Entidade Empregadora da Recorrida e da Ré Seguradora, que originou o contrato de seguros em que é segurada a Recorrida; 2) declaração negocial entre Recorrente e Ré Seguradora, que originou o contrato de prestação de cuidados de saúde, da qual a Recorrida veio a beneficiar.
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A Recorrida não é parte de qualquer um destes contratos, apenas podendo ser considerada como a destinatária dos efeitos jurídicos pretendidos pela Recorrente e pela Ré Seguradora, não tendo, desta forma, exteriorizado qualquer tipo de contratar com estas.
I. A única interação entre Recorrente e Recorrida foi o consentimento prestado por esta última.
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Porém, o consentimento tem natureza de ato jurídico stricto sensu, consistindo uma mera tolerância do paciente em se submeter a uma intervenção cirúrgica, não sendo constitutiva de qualquer negócio jurídico válida e eficaz.
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Desta forma, tal como ensina ORLANDO DE CARVALHO, o consentimento pode revestir três tipos diferentes, a saber: 1) consentimento tolerante; 2) consentimento autorizante; 3) consentimento vinculante.
L. No caso em apreço, como se está perante uma intervenção...
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