Acórdão nº 16/10 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução12 de Janeiro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 16/2010

Processo n.º 142/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A., e recorrido o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, e o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

    A., recorrente no processo à margem referenciado, inconformado com a apreciação e decisão desse Venerando Tribunal, vertido no Acórdão da conferência, acerca da invocada inconstitucionalidade material do artigo 380.º da CPP, quando interpretado no sentido em que este normativo legal “estabelece um regime próprio de correcção das decisões judiciais que difere substancialmente dos artigos 667.° e 669.º, ambos do Código do Processo Civil, desde logo porque a discordância relativamente a uma decisão judicial, assim como os erros de julgamento ou as suas omissões como omissões de pronúncia, só pode motivar recurso, se o mesmo for admissível e não um pedido de aclaração que iria implicar, a ser aceite, uma modificação essencial da decisão em causa, o que o artigo 380.º, n.°1 do CPP não consente”;

    e em consequência “nos termos do disposto no artigo 411.º do Código do Processo Penal (CPP) o prazo para interposição do recurso é de 20 dias a contar de, tratando-se de sentença, do respectivo depósito. Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada aquele prazo é elevado para 30 dias (…);

    pelo que em Processo Penal, à data da apresentação do recurso — antes de 2 de Janeiro de 2008 — era inaplicável o “art.º 686.º do Código do Processo Civil ao processo penal” por força do art.º 4.° do CPP.

    E, em consequência, entendeu esse Venerando Tribunal que tal interpretação do art.º 380.º do CPP não viola os princípios constitucionais consagrados nos artigo 205.º, n.°1 — dever de fundamentação das sentenças na forma prevista por lei — e 32, n.° 1 da CRP — princípio das garantias de defesa de processo criminal, incluindo o direito de recurso —

    Da “decisão surpresa”:

    Sem que nada o fizesse prever, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães agora posto em crise sustenta que: “O art.º 686.º do Código do Processo Civil foi revogado pelo artigo 9 do Dec.- Lei 303/2007, de 24 de Agosto”. Pelo que seria inaplicável ao processo em causa já que “Este Novo regime foi ditado pela necessidade de imprimir maior celeridade processual, evitando a formulação de pedidos de correcção, arguição de nulidades, e pedidos de esclarecimento manifestamente dilatórios com o único propósito de dilatar o prazo de interposição de recurso.

    Celeridade processual que se acentua no âmbito do processo criminal...”

    Salvo devido respeito que é sempre muito, ainda que se aceite e compreenda a necessidade da aceleração processual que, em boa verdade se diga, na maioria das vezes não depende das partes (“in casu” do arguido/recorrente), sempre se dirá que sustentar como sustenta o Aresto da Veneranda Relação de Guimarães que a revogação do artigo 686.º do CPP o tornaria inaplicável ao caso em concreto sempre será uma decisão ilegal e inconstitucional.

    Isto porque, o art.º 11.º, n.º1, do DL 303/2007, determina expressamente a sua inaplicabilidade aos processos em curso, como é o caso deste que se aprecia.

    Sendo ainda certo que, a revogação do art.º 686.º do CPC só operou em 1 de Janeiro de 2008, ou seja, bem depois da interposição do recurso em 8-11-2007.

    Para além da violação expressa da lei decorrente da aplicabilidade da revogação do art.º 686.º do CPP ao caso em apreço, sempre se dirá que a redução das garantias dos cidadãos, concretamente do direito de conhecerem com o rigor exigível a real fundamentação de sentenças (neste caso condenatória), para dela poderem interpor recurso cabal (sobretudo atento o principio da preclusão), ainda que esta limitação decorra da alteração de leis processuais redutoras desse direito (de interposição de recurso quando haja rectificação, aclaração ou reforma de sentença) viola expressamente o artigo 18.º, n.°3 da Lei fundamental.

    Pelo exposto, nos termos da alínea b), do n.° 1, do art.º 70, da Lei do Tribunal Constitucional (doravante LTC), aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, atentas as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas, interpõe-se o presente recurso para o Venerando Tribunal Constitucional.

    É recurso ordinário a subir nos próprios autos. Art.º 78.º, n.° 3 a LTC.

    Desde já requer a sua admissão, por estar em tempo e recorrente ter legitimidade.

    Pede e espera deferimento

  2. Convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, nomeadamente, no que respeita à identificação da norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, o recorrente veio dizer o seguinte:

    O que está em causa no presente recurso é a interpretação normativa perfilhada, inicialmente, na decisão sumária proferida no Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e posteriormente assumida e reiterada no Douto Acórdão do redito Tribunal da Relação de que aqui se recorre.

    Segundo aquele Acórdão, o artigo 380.º do CPP ”estabelece um regime próprio de correcção das decisões judiciais que difere substancialmente dos artigos 667.° e 669.º, ambos do Código do Processo Civil, desde logo porque a discordância relativamente a uma decisão judicial, assim como os erros de julgamento ou as suas omissões como omissões de pronúncia, só pode motivar recurso, se o mesmo for admissível e não um pedido de aclaração que iria implicar, a ser aceite, uma modificação essencial da decisão em causa, o que o artigo 380.º, n.°1 do CPP não consente”.

    Em consequência, aquele Venerando Tribunal da Relação rejeitou o conhecimento de um recurso penal, interposto pelo aqui recorrente,

    Esse recurso, foi interposto dentro do prazo de 20 dias após a recepção de uma rectificação da sentença de primeira instancia.

    Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, a interpretação normativa que o Acórdão aqui recorrido perfilha para o artigo 380.º do CPP viola materialmente o art. 32.º, n.° 1 da CRP.

    Este normativo constitucional garante, em processo penal, o direito ao recurso.

    Por sua vez, este está sujeito a normas próprias quanto à sua elaboração e sobretudo, está sujeito, ao princípio da preclusão.

    Se o recorrente não poder conhecer todos os motivos, de facto e de direitos, que presidiram à elaboração da sentença, não pode, em consequência, exercer de forma cabal o seu direito de recurso para um tribunal superior.

    É que, como é consabido, devido ao princípio da preclusão, posteriormente à apresentação do recurso no tribunal superior, está vedado ao recorrente acrescentar-lhe ou modificar a argumentação daquele.

    Na interpretação normativa do art. 380.º do C.P.P perfilhada no Acórdão recorrido, ao se entender (à data do Acórdão e considerando a legislação processual aplicável aos autos) veda-se a possibilidade de aguardar por uma aclaração de sentença em primeira instância (que aliás a veio a modificar).

    Na linha dessa interpretação normativa impõe-se que o recorrente use (forçosamente) a faculdade de interposição de recurso da primeira para a segunda instância, sem que conheça de forma sustentada os fundamentos que presidiram á elaboração da sentença (que repete-se veio a ser modificada na aclaração).

    A interpretação normativa perfilhada no Acórdão recorrido (doutrinária e jurisprudencialmente minoritária, diga-se por amor à verdade) produz um resultado avesso às garantias de defesa e de recurso subjacentes no artigo 32.º, n.º 1 da lei Fundamental.

    Para além disso, o dever de fundamentação das sentenças judiciais (art.º 205.º, n.° 1 da CRP) prende-se, na modesta opinião do recorrente, precisamente, na necessidade de dar a conhecer os motivos, de facto e de direito que presidiram à prolação de uma dada sentença judicial.

    A lei (penal) prevê a correcção da sentença (art.º 380.º do CPP) que permite no caso de erro, lapso, obscuridade, ou ambiguidade que não importem uma modificação essencial, que o Sr. Juiz “a quo” melhor conforme o seu dever constitucional de fundamentar, para posteriormente o arguido poder, sobre os motivos da fundamentação exercer o direito de recurso.

    Por isso, afirma o recorrente, sem prejuízo doutra e melhor opinião, que o acórdão recorrido, na interpretação normativa que perfilha relativamente ao artigo 380.º do CPP, até seria violador do artigo 205.º, n.°1 da CRP porquanto ao impedir, antes de recurso e por requerimento do arguido, a correcção da sentença ao Juiz do tribunal “a quo” estaria a permitir, em abstracto, que as sentenças proferidas em primeira instancia não estivessem obrigadas ao dever de fundamentação constitucionalmente consagrada e legalmente fixado.

    A rematar diga-se que em causa está a interpretação normativa perfilhada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães aqui recorrido, relativamente ao artigo 380.º do CPP, no sentido em que impõe que a interposição de um recurso penal para o Tribunal da Relação se faça nos prazos fixados no artigo 411.º do CPP, independentemente de ter havido um pedido prévio de correcção da sentença.

    Consequentemente impõem que o recurso seja interposto antes de ser conhecido o resultado da rectificação requerida

    Tal interpretação normativa, pelos motivos antes expandidos contraria materialmente as garantias de defesa consignadas no artigo 32.º, n.°1 da CRP e permitiria a prolação de sentenças judiciais sem cumprimento cabal do dever constitucional e legal de fundamentação, nos termos do art. 205.º, n.° da CRP

    A invocação de tal inconstitucionalidade foi expressamente arguida pelo recorrente, nos termos aqui desenhados, na reclamação para a conferência que interpôs da redita decisão sumária que rejeitou o conhecimento do recurso em segunda instância e que o Acórdão aqui recorrido não...

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