Acórdão nº 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

Em 23.9.2015, AA e BB instauraram a presente ação declarativa com processo comum contra “Banco CC, S.A.” (atualmente “Banco DD, S.A.”) pedindo: - A condenação da ré a pagar aos autores a quantia de EUR 55.000,00, acrescida dos juros vincendos, desde a citação até integral pagamento; Subsidiariamente: - Seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que a ré invoque para ter aplicado a quantia de EUR 50.000,00, que os autores entregaram ao réu, em obrigações subordinadas “SLN Rendimento Mais 2004”; - Seja declarado ineficaz em relação aos autores a aplicação que a ré tenha feito dos correspondentes montantes; - Seja a ré condenada a restituir aos autores o valor de EUR 55.000,00 que ainda não recebeu, bem como os juros vencidos à taxa contratada, acrescido dos juros vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; - Seja a ré condenada a pagar aos autores a quantia de EUR 5.000,00, a título de dano não patrimonial.

Para tanto, alegou, em síntese, que: Os autores abriram no “Banco CC, S.A.” (de ora em diante, CC) uma conta através da qual efetuavam as suas poupanças.

Em Outubro de 2004, funcionários do Banco CC propuseram-lhes investir o seu dinheiro (EUR 50.000,00) numa aplicação com as mesmas características e segurança de um depósito a prazo.

Assim, o autor assinou um impresso, que terá sido preenchido por funcionário do Banco, e sem ter percebido que estava a dar ordem de compra de obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”, um produto de risco e sem capital garantido.

Nunca lhes foi lido ou explicado ou entregue cópia de qualquer contrato, pelo que, a existir, sempre seria nulo, nos termos previstos no art. 5º, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

Os autores tentaram levantar a quantia depositada, o que o Banco, contudo, recusou.

Essa atuação do Banco colocou os autores num estado de permanente ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras, pelo que pretendem, por via desta ação, ser ressarcidos dos correspondentes danos.

  1. A ação foi contestada. Em sua defesa, a ré excecionou a prescrição, alegando que os autores tiveram conhecimento da suposta subscrição abusiva desde inícios de 2009 e que, na data da propositura da presente ação, já tinha decorrido o prazo de dois anos previsto no art. 324º, do CVM. Por impugnação, negou a factualidade invocada pelos autores.

  2. Na 1ª instância, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.

  3. Inconformados com a sentença, dela apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão que, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a decisão da 1ª instância.

  4. De novo irresignados, os autores interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a sua admissão como revista normal ou, subsidiariamente, como revista excecional.

  5. Neste Supremo, foi proferida decisão pela relatora que, em face da dupla conforme, ordenou a remessa do processo à Formação de Juízes, a que se alude no art. 672º, nº3, do CPC, tendo sido proferido acórdão a admitir a revista como excecional.

    Nas suas alegações de recurso, os autores, em conclusão, disseram: O presente recurso de revista deve ser admitido pois, apesar de, aparentemente, ocorrer uma situação de dupla conformidade, uma vez que a decisão não foi alterada, mas antes “confirmada”, o que está em causa não é o sentido da decisão, em si, mas a possível violação da lei processual pela Relação, no não uso ou no uso deficiente dos poderes que a esta, são conferidos.

    Neste caso, pretende-se atacar não a decisão em si, mas o “vício na formação da decisão” e, por isso, o Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre as questões de direito apresentadas, mormente, a assunção da responsabilidade do Banco Réu e responsabilidade como intermediário financeiro.

    O que consubstancia uma nulidade, que aqui se invoca, prevista na alínea d), do nº1 do artigo 615.º, pois não foi apreciada questão que devia ser apreciada.

    DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO: Quanto ao direito aplicável ao caso, não tendo o Tribunal da Relação de … apreciado o mesmo, nem analisado a interpretação que os recorrentes do mesmo fizeram, impõe-se a este Supremo Tribunal a decisão sobre a conduta do Réu à luz das normas aplicadas.

    O CC na sua relação com o autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN.

    Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

    Como intermediário financeiro a sua responsabilidade está prevista no artigo 314.º do C.V.M. (na redação que foi oferecida pelo D.L. n.º 486/99, de 13-11) que determina que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua catividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”; O Banco Réu, ao ter avançado para aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação torna-se responsável pelos prejuízos causados aos Autores; A responsabilidade a que se reporta o artigo 314º do CVM é qualificada como sendo responsabilidade contratual – artigo 799º do CC; Outrossim, com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do C.C., conjugado com o preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Banco Réu a obrigação de indemnizar a Autora do dano por ela sofrido.

    No caso em apreço, verificam-se os pressupostos da responsabilidade decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual como vimos, se presume nos termos do art.799º, nº1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art.799º, nº1 do CC.

    O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos causados aos autores (art.563º do CC) decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação; Esse dano, desde logo, abrangerá o valor do capital investido, isto é, os € 50.000,00, acrescido dos respetivos juros.

    Houve incumprimento por parte do Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts.7º, 8º, 304º e 312º do CVM, o que basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido.

    O Autor só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que estaria a aplicar o dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo CC e com rentabilidade assegurada; E o Banco Réu sabia que prestava informação errada ao Autor – dizendo-lhe que o produto em questão era semelhante a um depósito a prazo e que garantia o capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida; Resulta que os funcionários do CC apresentaram o produto seguro, como produto próprio do banco e este como garante do seu reembolso.

    A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco, constitui violação do dever de informação.

    Acresce que por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

    Nos termos do art. 563º do C.C., “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão”.

    Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

    Que não é um produto de risco.

    Ao dizer-se que o produto era produto seguro, do próprio do banco, o Autor não foi colocado perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do CC.

    Aos AA. foi apresentado e criado um quadro que condicionou a declaração de vontade tal como acabou por se exteriorizar, quadro esse que essencialmente assentou na circunstância de o capital investido se encontrar garantido, tal como sucede com um depósito a prazo, e em que plenamente confiou dada a relação que mantinha com o gerente da instituição bancária.

    Tivessem os Autores tido conhecimento do que verdadeiramente estava em causa e não teriam investido em obrigações subordinadas.

    Por outro lado, e neste contexto a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido e de risco exclusivamente banco, envolve que tal garantia seja, não a da entidade dele emitente, mas sim ou também do intermediário financeiro; Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, nomeadamente se no relacionamento contratual com o (cliente) assumir também o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço.

    A garantia de retorno de capital prestada pelo banco à autora, ”à própria luz do art. 236º, nº 1 do CC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu (…) traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na...

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