Acórdão nº 0773/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução19 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 351/18.8BEALM 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou improcedente a reclamação judicial por ela interposta ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) das decisões do Serviço de Finanças de Montijo, que i) lhe indeferiu o pedido, que formulou enquanto credora com garantia real, de dispensa do depósito do preço de venda do bem penhorado, cuja adjudicação requereu, na parte em que tal preço exceda a quantia exequenda e o acrescido, ii) lhe exigiu o depósito integral do preço oferecido para a adjudicação e iii) a “citou pela 2.ª vez” para reclamar créditos.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1.ª A recorrente não foi citada na qualidade executada, mas, sim, na qualidade de credora com garantia real.

2.ª Foi nessa qualidade que apresentou pedido de adjudicação do bem penhorado no processo de execução fiscal 21940090103747 e apensos, ao abrigo do disposto nos artigos 799.º e 815.º do CPC (anteriormente artigos 875.º desse mesmo código), socorrendo-se da jurisprudência deste Tribunal, concretamente a resultante do Acórdão de 13.02.2008, a saber: Sumário: I- Não se encontrando expressamente consagrada no CPPT a modalidade de pagamento prevista nos artigos 875.º e seguintes do CPC (adjudicação) é subsidiariamente aplicável no âmbito de uma execução fiscal.

II- Assim, frustrada a venda por negociação particular, nada impede que um credor com garantia real requeira a adjudicação de uma fracção autónoma de imóvel penhorado em execução fiscal.

3.ª O referido pedido de adjudicação foi formulado pela recorrente em 12.01.2018, na qualidade de credora com garantia real, em ordem a ser-lhe adjudicado o bem imóvel penhorado, oferecendo por ele o valor de € 1.500.000,00 mas com “dispensa” do depósito desse valor na parte que excedesse a quantia exequenda e acrescido (por não haver outros credores que lhe prefiram na graduação de créditos além da Fazenda Pública); 4.ª A executada deu o seu acordo a esse pedido de adjudicação; 5.ª No procedimento de venda por leilão electrónico 2194.2017.277 não foram apresentadas quaisquer propostas, tendo o imóvel penhorado sido posto em leilão pelo valor de € 444.039,50; 6.ª Por despacho proferido em 29.01.2018 pela Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, foi “deferido” o pedido da recorrente como segue: “Nestes termos, cumpre decidir relativamente ao peticionado. Verificando-se a inexistência de propostas e, até esta data, ninguém se ter apresentado a exercer o direito de preferência, face ao disposto no artigo 799.º e seguintes do CPC (Código de Processo Civil), DEFIRO o pedido de adjudicação, pelo valor de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) do bem imóvel inscrito sob o Artigo 2938 da freguesia de ………. e ………., à credora reclamante A…………….., S.A., NIF ……………...

” 7.ª Na fundamentação desse despacho de 29.01.2018 da Chefe de Finanças é feita expressa alusão ao facto de ter sido requerida a dispensa parcial de depósito nos termos das disposições do CPC; 8.ª Porém a recorrente veio a ser notificada pelo Serviço de Finanças para proceder ao depósito integral do valor oferecido, nos termos conjugados da alínea h) do n.º 1 do artigo 256.º do CPPT e n.º 2 do artigo 824.º do CPC ex vi do artigo 802.º do mesmo código (guia de depósito a solicitar no SF), sob pena da cominação legal pela falta de depósito do preço.

9.ª A recorrente reclamou da invalidade dessa notificação e de uma outra que veio a ser efectuada em 02.02.2108 para uma 2.ª convocação de credores, quando o Serviço de Finanças já havia promovido o concurso de credores e estava a dar início a um novo procedimento com a mesma finalidade; 10.ª A sentença recorrida julgou, porém, a reclamação deduzida totalmente improcedente, mas, no entender da recorrente, sem fundamento legal; 11.ª Relativamente à 1.ª questão a conhecer (validade da notificação a exigir o depósito do preço oferecido sob as cominações estabelecidas na lei para a falta desse depósito, que só se aplicam à venda em execução), a sentença recorrida revela “contradição nos termos” ao advogar simultaneamente que o instituto jurídico da “adjudicação” não está expressamente previsto no CPPT mas que este mesmo código estabelece o seu “processamento”; 12.ª A sentença tratou a “adjudicação” ao credor (modo de pagamento) como uma modalidade de venda.

13.ª A sentença confunde esses dois institutos jurídicos ao considerar que deve aplicar-se à adjudicação as “formalidades da venda” em execução fiscal previstas no artigo 256.º do CPPT; 14.ª A “adjudicação” prevista no artigo 799.º do CPC não é uma modalidade de venda de bens penhorados; 15.ª A sentença recorrida “interpretou” incorrectamente o despacho da Chefe do Serviço de Finanças de 29.01.2018 – que “deferiu” o pedido de adjudicação do imóvel penhorado – como sendo de indeferimento relativamente à dispensa do depósito do preço. Fê-lo, porém, através de uma “interpretação conjugada” com um despacho anterior proferido por outro órgão da administração fiscal que relegou a decisão do pedido de adjudicação para momento ulterior e incumbiu o Serviço de Finanças (órgão de execução fiscal competente) de o decidir após o encerramento do leilão electrónico, como veio a acontecer; 16.ª A sentença recorrida interpretou o despacho de “deferimento” como sendo de “indeferimento” não obstante a parte “dispositiva” referir expressamente “DEFIRO”, com maiúsculas e negrito.

17.ª E na fundamentação desse mesmo despacho constar expressamente que o pedido de adjudicação apresentado pela credora reclamante A…………….. em 16.01.2015 foi no sentido de: - ser-lhe adjudicado o bem imóvel pelo valor de 1.500.000,00; - na qualidade de credora ser dispensada do depósito do preço da venda; 18.ª A sentença recorrida “convolou” o pedido de adjudicação da recorrente numa “proposta” de aquisição (com obrigação de pagamento integral do preço e sujeita às sanções legais aplicáveis à falta desse pagamento como se de uma venda em execução fiscal se tratasse) sem o acordo da recorrente; 19.ª A sentença adulterou o sentido da decisão administrativa e interpretou o pedido de adjudicação separando-o da “dispensa” do depósito parcial do preço oferecido, quando, obviamente, essa era condição incindível da adjudicação; 20.ª O despacho que se mantém na ordem jurídica – visto que não foi revogado pelo órgão de execução fiscal e também não foi decretada a sua anulação pela sentença recorrida – é o “deferimento” do pedido de adjudicação nos termos em que o mesmo foi formulado; 21.ª A finalidade da adjudicação do imóvel penhorado na execução fiscal (na qual não foram apresentadas propostas de aquisição) é, em primeira linha, a satisfação dos créditos da Fazenda Pública; 22.ª Relativamente à 2.ª questão a conhecer (2.ª notificação para concurso de credores, que, aliás, veio a ficar prejudicada pela revogação superveniente operada pelo Serviço de Finanças) é manifesto que a sentença recorrida laborou em erro a respeito do ofício em questão (não estava em causa o ofício de 28.02.2018, que é posterior à entrada da reclamação, mas o ofício de 02.02.2018) e, como tal, jamais a reclamante podia ser condenada em “custas” nessa parte, visto que o órgão de execução fiscal é que deu causa à reclamação ao praticar acto inválido; 23.ª A sentença recorrida violou os artigos 799.º e seguintes do CPC aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT.

NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicáveis, com o douto suprimento de Vossas Excelências a quanto alegado, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida; e, consequentemente, decretada a nulidade da notificação para depósito integral do preço da adjudicação, só assim se fazendo JUSTIÇA».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, após enunciar os termos em que vem interposto o presente recurso e resumir os fundamentos de facto e de direito da sentença, se pronunciou no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] III. Análise do Recurso 1. Delimitação do recurso.

A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao dar como válido o acto do órgão de execução fiscal que, embora deferindo a adjudicação do bem penhorado, exigiu o depósito integral do preço oferecido.

Segundo a Recorrente essa exigência que lhe é feita no acto de notificação não só contradiz o despacho do senhor chefe de finanças, que não faz qualquer menção à mesma, como viola o regime da adjudicação do bem penhorado ao credor com garantia real previsto no CPC e que prevê a dispensa desse depósito, e que é de aplicação subsidiária ao processo tributário, por o CPPT ser omisso sobre tal matéria.

A questão que é colocada a este tribunal comporta duas subquestões: (i) a primeira consiste em saber se o acto de notificação dirigido à Recorrente está ou não em desconformidade com o despacho do senhor chefe de finanças, que deferiu a adjudicação do bem penhorado à Recorrente, na qualidade de credora; (ii) a segunda consiste em saber se no caso da adjudicação de bem a credor se impõe o depósito integral do preço, nos termos do artigo 256.º, n.º 1, alínea h), do CPPT, como entendeu o tribunal “a quo”, ou se é aplicável o disposto no artigo 815.º do CPC, por estarmos perante um caso omisso no CPPT.

  1. No que diz respeito à primeira questão, importa analisar se o acto de notificação está ou não em desconformidade com o despacho...

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