Acórdão nº 0329/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelASCENSÃO LOPES
Data da Resolução05 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1 - RELATÓRIO A………, melhor identificado nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente o recurso e consequentemente anulou a decisão Director de Finanças de Leiria, na parte da fixação do rendimento tributável que excede os valores de 296.387,68 € para o ano de 2013 de 321.913, 60 € para o ano de 2014 e de 135.574,21 € para o ano de 2015.

Inconformado com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões: «1. O Tribunal a quo errou ao ter concluído que, apesar de se estar perante a preterição de formalidade, a mesma não releva como preterição de formalidade essencial com carácter invalidante da decisão recorrida; 2. Subsequentemente, errando nos efeitos daquela preterição, faz uma errada interpretação e aplicação em concreto do princípio do aproveitamento do acto administrativo e, por fim, 3. Mantendo a decisão recorrida parcialmente válida, erra na interpretação e aplicação dos normativos legais em causa, nomeada e especificamente o n.º 3 in fine do artigo 74º, alínea a) do n.º 5 do artigo 89°-A e do artigo 90.º da LGT; Com efeito, 4. No âmbito da inspecção tributária o Recorrente foi notificado do projecto de decisão que continha a proposta de aplicação de avaliação indirecta; 5. Em resposta ao projecto, o Recorrente enviou uma exposição onde, sucintamente, apresentou a sua posição quanto a parte da matéria, arrolou uma testemunha e requereu prorrogação de prazo para se pronunciar sobre a restante matéria; 6. A prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição prévia veio a ser deferida, mas o despacho não foi devidamente notificado ao Recorrente; 7. Pelo que, e bem, o Tribunal a quo entendeu que “(...) atenta a devolução da correspondência com a indicação de não reclamado (...)“, e tendo em conta que não foi realizada nova tentativa de notificação, que aquela não se pode presumir como recebida; 8. No Relatório Final de Inspecção, donde decorre a decisão de avaliação indirecta recorrida, não foi feita qualquer menção à primeira parte da exposição do Recorrente, relatando-se apenas a questão do pedido de prorrogação de prazo, o respectivo deferimento e o facto da carta não ter sido levantada; 9. Quanto aos efeitos desta preterição de formalidade, o Tribunal entendeu que: a. Quanto à matéria relativamente à qual o Recorrente teve oportunidade de exercer o seu direito (ainda que depois não tenha tido oportunidade de demonstrar o alegado), e por “(...) ter sido postergado o direito de participação do Recorrente e terem sido violados os princípios do inquisitório e da verdade material (...)“ anulou a decisão recorrida quanto à mesma; b. Quanto à matéria relativamente à qual solicitou prazo adicional para se pronunciar, porque “(...) o Recorrente se colocou voluntariamente na situação de não lhe poder ser notificada a decisão (…) tratar-se de uma actuação não conforme com o princípio da cooperação para efeitos de invocação da ausência de comunicação daquela decisão como factor impeditivo do exercício do direito de audição, mantendo o decidido relativa àquela específica matéria; 10. A preterição ora em causa, pela específica fase em que foi realizada — no âmbito do direito de audição prévia - e pelas garantias que deixa de proteger — essencialmente, a garantia constitucional ao contraditório, à participação na formulação de decisão do contribuinte - é essencial e tem como resultado inevitável a invalidação da decisão final; 11. O Tribunal reconhece que a presunção legal da notificação da prorrogação do exercício do direito de audição prévia não é aplicável ao caso, “(…) pois, em princípio a alegada situação de ausência do domicílio não é um risco que deva ser suportado exclusivamente pelo destinatário, sob pena de se restringir excessivamente a garantia constitucional da notificação, entendendo-se que o risco decorrente da insegurança quanto à recepção da notificação só deve ser suportado pelo contribuinte após unia segunda carta registada...”; 12. Pelo que, admite, e bem, que o risco da não recepção da notificação só podia ser suportado pelo Recorrente após uma segunda carta registada, mas, logo de seguida, conclui precisamente em sentido contrário, impondo o risco e as consequências daquela não notificação a serem suportadas pelo Recorrente (contrariando a matéria assente e a própria interpretação das normas de direito em aplicação); 13. Quanto à matéria assente, importar notar, que não decorre da douta sentença (nem podia) que o Recorrente se tenha posto “voluntariamente” na posição de não ser notificado; 14. Resulta, sim, que a ausência do Recorrente entre as datas 23.08.2017 e 11.09.2017 há muito que se encontrava agendada, e não resultou de um acto “voluntário” com vista a’” não colaboração” com a inspecção; 15. Assim, da matéria assente (ausência do país, há muito agendada) e a interpretação dos preceitos legais concretizada pelo Tribunal (risco da não notificação só pode suportada pelo Recorrente após envio de segunda carta registada, o que não aconteceu in casu), imponham uma conclusão diversa da que resulta da douta sentença; Acresce que, 16. Mesmo que da matéria assente resultasse aquela “voluntariedade”, o facto é que, ainda assim, esta só podia ser valorada e o risco correr por conta do Recorrente se tivesse sido remetida pelos serviços uma segunda carta registada, o que não aconteceu; 17. Não se pode ignorar que, para além de se tratar da audiência prévia no âmbito de uma inspecção tributária, está em causa o pleno exercício desse direito perante um projecto de relatório onde se formula uma decisão de avaliação indirecta da matéria colectável; 18. Ora, o princípio da participação - que tem na audiência prévia o seu aspecto mais decisivo - tem uma dimensão jurídica abrangente e, até pela sua importância como garantia constitucional do contribuinte, assume (ou pode assumir) diversos tipos de configuração; 19. Estando em causa a garantia constitucional (cfr. n.º 5 do artigo 267.° da CRP) da participação dos contribuintes na decisão administrativa em formação, traduzida aqui na possibilidade efectiva do Recorrente exercer - em pleno e quanto a toda a matéria do projecto de decisão - o seu direito de audição prévia (artigo 60.° da LGT) em sede de inspecção tributária; 20. que, ainda para mais, projectava (e veio a decidir) a avaliação indirecta da matéria colectável, pelo que, o direito de participação assume e deve estar revestido, um carácter e cuidados verdadeiramente especiais (e, excepcionais); 21. Recentemente, em sede de revisão do Código do Procedimento Administrativo (Decreto-lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, este direito de participação saiu reforçado em termos qualitativos; 22. Seguindo o Prof. LUIZ S. CABRAL DE MONCADA, em “Novo Código do Procedimento Administrativo - Anotado”, 1ª Edição, Novembro 2015, da Coimbra Editora, em comentário ao artigo 121.º do CPA relativo ao direito de audiência prévia dos administrados (páginas 427 e 428): “(...) A audiência prévia não encerra agora a fase de instrução do procedimento. Esta inovação reforça em muito o papel constitutivo da audiência prévia na formação da decisão final. Ela não dá início a uma nova fase na qual o responsável pela direcção do procedimento, já com este instruído, ia simplesmente ouvir os interessados de modo a averiguar o que eles têm para dizer sobre um projecto de decisão final que já estava concluído. Pelo contrário, os interessados são agora ouvidos numa altura em que tal projecto ainda não existe o que reforça o seu alcance constitutivo da decisão final. Ficou muito reforçado o contraditório.” E prossegue: “(...) fica agora claro que até à decisão final tudo está em aberto. Nada é definitivo.

É assim que se compreende que os interessados possam durante a audiência prévia pronunciar-se sobre todas as questões de facto e de direito com interesse para a decisão final e requerer diligências complementares a juntar documentos, como reza o n.º 2 Concluindo: “(...) Fundamental é esclarecer que o direito de audiência prévia não é livremente fungível pela notificação do requerente para exercer adrede o seu direito ao contraditório colaborando com a Administração através da junção de documentos que considere relevantes Nada disso. A audiência é uma subfase procedimental autónoma que deve ser adequadamente notificada ao requerente para nela exercer diferenciadamente o seu direito de participação na formação da decisão administrativa e que não pode ser escamoteada com o pretexto de que lhe foi solicitada a sua colaboração na instrução do procedimento”.

23. A audiência prévia é, assim, uma fase que abre um verdadeiro procedimento dentro do procedimento de inspecção tributária, onde os contribuintes têm oportunidade de juntar documentos e requerer diligências complementares e que, porque “(...) vai gerar um dever suplementar de instrução (...) e consequente ponderação da parte do responsável (...)“ pode ter como consequência “(...) o amplo prolongamento da fase da audiência. Assim o exige o reforço do contraditório em harmonia com a nova configuração do...

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