Acórdão nº 652/09 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução16 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 652/2009

Processo n.º 427/09

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

( Conselheiro João Cura Mariano)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do 1.º Juízo, 2.ª Secção dos Juízos Cíveis do Porto, o Ministério Público interpôs recurso da decisão daquele tribunal, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, a), da LTC, na parte em que recusa a aplicação do artigo único da Portaria n.º 955/2006, de 13 de Setembro, com a interpretação defendida pelo Tribunal da Relação do Porto - segundo a qual compete aos Juízos Cíveis do Porto preparar e julgar a acção declarativa proposta nos termos do regime processual civil experimental, instituído pelo Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, quando o respectivo valor exceder a alçada do Tribunal da Relação, e não tenha sido requerida a intervenção do tribunal colectivo -, com fundamento em inconstitucionalidade por violação dos art.ºs 112.º, n.º 2 e l65.º, alínea p), da CRP.

  2. O presente recurso emerge de acção declarativa que A., B. e C. propuseram contra D., nos Juízes Cíveis do Porto. O réu contestou, deduzindo reconvenção.

    O recurso vem interposto do despacho, proferido em 2.4.2009, com o seguinte teor:

    A presente acção foi intentada à luz do regime processual experimental aprovado pelo DL. nº 108/2006, de 08/06.

    O regime processual experimental aplica-se, designadamente, de acordo com a al. b) do artigo único da Portaria nº 955/2006, de 13/09, nos Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto.

    Tal regime não afasta a aplicação das normas do Código de Processo Civil, já que daquele regime não consta toda a regulamentação necessária à tramitação da acção, havendo, assim, que recorrer ao Código de Processo Civil, enquanto legislação subsidiária, no que não seja afastado pelo regime processual experimental, nomeadamente às normas dos arts 305º e segs. do C.P.C. que regulam o valor da causa.

    Ora de acordo com o disposto no art. 308º, nº 2 do C.P.C., no caso de o Réu deduzir reconvenção, o valor do pedido formulado pelo réu, quando distinto do deduzido pelo Autor, soma-se ao valor deste e este aumento de valor produz efeitos no que respeita aos actos e termos posteriores à reconvenção.

    Nos presentes autos verifica-se que o Réu deduziu pedido reconvencional distinto do deduzido pelos Autores, pelo que se soma ao valor deste.

    Assim sendo, fixa-se o valor da causa em € 60.000,01.

    A Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto tem vindo a sufragar o entendimento de que a competência para preparar e julgar uma acção declarativa proposta nos termos do regime processual civil experimental instituído pelo DL. nº 108/2006, de 8/06, quando o respectivo valor exceder a alçada da Relação e não tiver sido requerida a intervenção do tribunal colectivo, deve ser atribuída, no Tribunal da Comarca do Porto, aos Juízos Cíveis.

    Neste sentido foi já decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08/04/2008, 05/06/2008 e 30/09/2008, proferidos nos processos nºs 0820596, 0831362 e 0855853, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt.

    A referida Jurisprudência apoia-se nos seguintes argumentos:

    O DL. nº 108/2006, de 08/06, que aprovou o regime processual experimental, não estabeleceu qualquer limite de valor para as acções declarativas cíveis instauradas ao abrigo de tal regime, pelo que as mesmas podem ter valor superior à alçada da relação.

    O regime processual experimental aplica-se, designadamente, nos Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto e nos Juízos de Pequena Instância Cível do Tribunal da Comarca do Porto, de acordo com o disposto nas als. b) e c) do artigo único da Portaria nº 955/2006, de 13/09.

    Não está prevista a aplicação de tal regime nas Varas Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto.

    O DL. nº 108/2006, de 08/06, não prevê que no decurso da acção declarativa cível instaurada nos termos do regime processual experimental, esta passe a seguir, a partir de determinado momento, a forma de processo comum ordinário.

    Conclui, assim, que a acção cível instaurada nos termos do referido diploma nunca poderá observar, em nenhum momento da sua tramitação, a forma de processo comum ordinário, pelo que a competência originária para conhecer deste tipo de acções pertence aos Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto e só no caso das partes terem requerido a intervenção do tribunal colectivo é que os Juízos Cíveis deverão remeter o processo às Varas Cíveis para julgamento e posterior devolução, de acordo com o art. 97º, nº 4 da L.O.F.T.J..

    Discordámos, com o devido respeito, da argumentação expendida, por se nos afigurar que a mesma é susceptível de infringir o texto constitucional.

    Com efeito, não se retira do teor do DL. nº 108/2008, de 08/06, que fosse intenção do legislador alterar o regime da competência dos tribunais, que continua a regular-se pelas mesmas normas pelas quais se regulava anteriormente.

    Do mesmo modo, não pretendeu a Portaria nº 955/2006, de 13/09, alterar a competência dos Tribunais, mas apenas definir quais os tribunais em que seria aplicado o regime processual experimental, mantendo os tribunais a que alude, a competência que já detinham, tal como resulta, aliás, do respectivo preâmbulo.

    De acordo com o disposto no art. 112º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, as leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa.

    Dispõe por sua vez o art. 165º, al. p) do mesmo diploma que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre organização e competência dos tribunais, salvo autorização ao Governo.

    Não pode, assim, o Governo, sem autorização legislativa, alterar as normas de competência dos tribunais, aprovadas por Lei.

    A organização e competência dos tribunais sempre seria, de resto, matéria de reserva de “acto legislativo”, entendendo-se como tal, nos termos do art. 112º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais e nunca matéria de simples portaria.

    Todavia e se assim é, constata-se que a norma contida no artigo único da Portaria nº 955/2006, de 13/09, quando interpretada no sentido defendido nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto acima referidos, infringe o disposto nos arts. 112º, nº 2 e 165º, al. p) da Constituição da República Portuguesa.

    Na verdade, ao considerar-se, por não estar prevista a...

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