Acórdão nº 653/09 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução16 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 653/2009

Processo n.º 890/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão do relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade, interposto nos autos.

2 – A reclamante fundamenta a reclamação na seguinte argumentação:

«1. O confucionismo e a total anarquia processual lançaram arraiais nos presentes autos. O vício já vem detrás, ou seja teve a respectiva génese no último acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao fazer apelo, inopinado e implícito apelo, diga-se em abono da verdade, às normas do CPCivil, na respectiva redacção vigente, a propósito da matéria que este diploma chama genericamente de “vícios e reforma da sentença”.

Para o facto chamou, a atenção a reclamante, desde logo, quando — a despeito de não ser dotada, ai dela, de dotes de adivinhação — foi notificada do teor do dito acórdão o qual, passe o plebeísmo, “descalçou a bota” através do apelo a normas do processo civil sem aplicação no domínio do processo penal. Com efeito, no longo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a ora requerente logo premuniu a presente questão ao referir o “vício” — expressão com a qual, salvo o devido respeito, numa compreensão meramente estrita, o TC parece não simpatizar … — do inadequado e silencioso apelo ao art. 4º do CPP, quando na sede que agora importa não existe qualquer lacuna a integrar, uma vez que o CPP construiu um sistema próprio e específico relativo às causas da “nulidade de sentença (acórdãos)”,

Na verdade, considerou-se então destarte nos pontos 1 e 2 de tal requerimento e aí fs. 1, 1v. e 2:

“1. Com efeito, os Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros, sem que nada o fizesse prever, surpreenderam a recorrente com uma implícita aplicação do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal, fazendo-o de jeito a tornar a referida norma inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20º-1, 29º-4 e 32º-1, todos da Constituição da República e 5º-1 do CPP (realces agora).

É que, no que concerne, digamos, a “aclaração” e “nulidade” da sentença, não se topa no âmbito do CPP com qualquer lacuna que justifique o apelo ao disposto no assinalado artigo 4º, uma vez que (também) aqui o CPP constitui um âmbito normativo fechado, com disciplina própria e, por conseguinte, sem que haja cabimento para se falar de lacuna ou lacunas a integrar através do apelo à disciplina do CPCivil, na respectiva actual redacção, mormente no que concerne os art. os 668º e 670º citados no texto do acórdão.

Na verdade, o regime específico do CPP no que se refere à “nulidade” e “correcção” da sentença — aplicável aos acórdãos, em todas as instâncias — decorre do disposto nos art. os 379º e 380º deste diploma, os quais prevêem os casos de “nulidade das sentenças”, por um lado e da “correcção” delas, por outro. Não há pois motivo para pedir auxílio ao processo civil, ramo de direito este que constitui mero elemento de integração das lacunas do processo penal e não fonte do mesmo,

Como se afigura evidente, é mais garantístico o sistema que permite, antes de arguir a nulidade de uma decisão judicial, pugnar pela sua correcção relativamente a “erro”, “lapso”, “obscuridade ou ambiguidade”, uma vez que só após superada uma ou mais de tais aporias, sendo caso disso, tem cabimento a invocação de qualquer vício que seja fonte de nulidade da decisão. O recurso só constitui efectivamente uma garantia — art. 32º-1, segunda parte da CRP — se o recorrente tiver conhecimento e compreensão cabais da matéria que pretende ver remediada pela via recursória.

Ora, no caso dos autos, ainda que as coisas não fossem — mas são-no, seguramente — como a requerente as refere, tratando-se decisão que não admite recurso ordinário, haveria que fazer apelo ao disposto no art. 670º-1 do CPCivil. Exactamente como a recorrente actuou, sendo que V.as Ex.as responderam ao pedido de aclaração, denegando-o, é certo, mas sem referirem qualquer questão de natureza processual, designadamente alusão, agora inopinadamente feita, ao novo regime do processo civil. Motivo pelo qual o acórdão datado de 18 de Junho de 2009 ficou a fazer parte do anterior, como é óbvio, constitui um princípio geral de direito processual, por outro lado e, por fim, sempre resultaria do disposto na parte final do art. 670º-1 do CPCivil.

E é da consideração conjugada do expressamente disposto nos art os 379º e 380º do CPP, por um lado e, por outro, do art. 75º-2 da Lei do Tribunal Constitucional que, no âmbito do processo penal, as coisas devem ser entendidas.

O presente recurso é interposto ao abrigo dos art. os 69º ss da Lei do Tribunal Constitucional, sendo que a específica inconstitucionalidade normativa agora suscitada e que pretende ver-se julgada não pode ser suscitada anteriormente, por se tratar de questão nunca expressa ou, sequer, implicitamente suscitada no decurso do processo, salvo no acórdão do qual se recorre (realces agora).

Daqui resulta, desde logo, uma primeira consideração. O apelo feito por V.as Ex.as ao processo civil (acórdão de 23 de Setembro) é, salvo o devido respeito, irrito, por não ter cabimento legal, uma vez que corre ao arrepio da disciplina explícita do CPP. Mas não apenas — repete-se: afirmação que se faz sem quebra do respeito devido que é aquele efectivamente nutrido —: é que a aplicação da disciplina processual civil acarreta, como já referido, a violação das normas dos art. os 20º-1 e 32º-1, ambos da CRP, com a consequente supressão do direito de acesso aos Tribunais e jurídico-constitucionalmente inadmissível compressão das garantias de defesa.

E isto é tanto assim, quanto já constitui jurisprudência maioritária, nos termos da actual redacção da alínea e) do art. 400º-1 do CPP — que o S. T. J. entendeu expressamente ser, no caso, a redacção aplicável: conf. acórdão de 22 de Abril de 2009, fs. 2 — que, em casos como o dos autos, cabe recurso para o Supremo. Entendimento diferente violaria, de resto, o disposto no art. 29º-4 da CRP e 5º-1 do Código de Processo Penal. Esta última norma constitui, de resto, um comando de direito legislado de natureza análoga à dos preceitos materialmente constitucionais”.

Por conseguinte, embora de jeito formalmente diferente do habitual, o recurso para o TC abrangia duas questões: uma primeira, aquela agora referida, de que o Ex.mo Conselheiro Relator não se terá apercebido e ainda outra, nos termos constantes da parte final do requerimento.

Como assim, deverão os Ex.mos Juízes Conselheiros que integram o Colectivo da Conferência tomar em consideração este aspecto das coisas. Perspectiva tanto mais importante — embora, seja mister reconhecê-lo, ao que se julga inovadora e de dificultosa resolução — quanto é certo constituir ela, por assim dizer, o demiurgo dos raciocínios e afirmações precipitadas no adiante (relativamente ao requerimento de interposição de recurso), pela recorrente. Com efeito, a interpretar-se a lei de uma perspectiva estritamente processual penal moderna — e não, por conseguinte, com apelo subjacente a senectas mundividências referentes às relações entre o CPP e o CPCivil, “vício” muito recorrente e que só uma actuação processual atenta e exigente poderá contribuir para a sua total exprobração futura — não pode senão, crê a recorrente, a referida visão das coisas ser “cassada” pela jurisdição constitucional, tanto mais que o “vício” foi côngrua e oportunamente suscitado.

Raciocinar de forma diferente ou, por outras palavras, fugir ao conhecimento da problemática acabaria e nesta estrita medida há algum paralelismo entre o entendimento da recorrente e o brilhantemente expendido pelo M.mo Conselheiro Relator, à parte o parêntese...

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