Acórdão nº 302/16.4JAFUN. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca da AA (Juízo Central Criminal do BB, Juiz 3), o arguido CC foi condenado ao pagamento de indemnizações civis aos demandantes DD, EE e FF, e foi também condenado em concurso real, pela prática: - de um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado, nos termos dos arts. 274.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 285.º, ambos do Código Penal (CP), na pena de prisão de 12 (doze) anos, - de um crime de homicídio por negligência grosseira, nos termos do art. 137.º, n.º 2, do CP, na pena de prisão de 3 (três) anos, - e, em cúmulo jurídico da penas parcelares aplicadas, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

Foi ainda declarado perdido a favor do Estado o isqueiro utilizado e determinada a sua destruição.

  1. Inconformado com a decisão proferida, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo apresentado as seguintes conclusões: «1º O presente recurso tem como objeto toda a matéria de direito do acórdão proferido nos presentes autos.

    1. O arguido CC, foi condenado pela prática de um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 274º, n.º1 e 2, al. a), e 285º, ambos do Cód. Penal, a 12 (doze) anos de prisão, foi ainda o arguido condenado pela prática do crime de homicídio por negligência grosseria, p. e p. pelo artigo 137º, n.º2, do Cód. Penal, a 3 (três) anos de prisão, sendo condenado em cúmulo jurídico numa pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

    2. A aplicação da pena de prisão de 14 (catorze) anos em cúmulo jurídico e excessiva e ultrapassa em muito a culpa do arguido.

    3. Pena essa, que ultrapassa em larga medida os princípios da razoabilidade, necessidade proporcionalidade e legalidade, por ser muito excessiva e severa.

    4. º O tribunal “a quo” salvo o devido respeito não ponderou de forma criteriosa quer a culpa, quer as exigências de reprovação e de prevenção geral e especial.

    5. Na aplicação da medida concreta da pena o tribunal "a quo'' violou o disposto nos artigos 40.º e 71.º C.P e não teve em conta o fim da prevenção especial da pena, porque a pena quando excessiva deixa de realizar os seus fins.

    6. Quer isto dizer, não teve em conta a ausência de condenações anteriores, pois o arguido ora recorrente não tem antecedentes criminais, é um jovem de 23 anos merece uma segunda oportunidade, não teve qualquer intenção de causar os danos matérias e humanos, mesmo após os factos ajudou no combate ao incêndio, verificando-se assim, que tentou reparar as consequências do crime embora sem qualquer sucesso.

    7. Não teve em consideração nenhuma das atenuantes nos termos do artigo 71.º.

    8. Em termos de comparação e em termos exemplificativos vejamos o acórdão do TRC de 05-10-2015 processo 174/13.0GAVZLC1, disponível em WWW.DGSLPT. em que um dos arguidos foi condenado para além de um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado foi condenado na pena de 10 (dez) anos de prisão, três crimes de homicídio por negligência grosseira, foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 8(oito) meses de prisão cada um deles, foi condenado em 8 (oito) crimes de ofensa à integridade fisica por negligência, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, por cada um deles e por último condenado num crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 ( oito) meses de prisão, condenações essas que em cúmulo jurídico foi de 16 (dezasseis) anos de prisão.

    9. Assim, entende-se em termos comparativos que a pena única aplicada ao arguido/ recorrente de 14 (catorze) anos de prisão é desajustada severa e excessiva deverá ser revogada e /ou modificada para no que respeita, à escolha da pena aplicada, aplicando-se uma redução substancia, aplicando uma pena única nunca superior a 8 anos.

    10. Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em conformidade ser proferido douto acórdão que revogue e/ou modifique o douto acórdão recorrido no que esta parte concerne, para no que respeita, à escolha da pena aplicada, aplicando -se uma redução substancial, aplicando uma pena única nunca superior a 8 anos, assim se fazendo inteira justiça .» 3.

    O recurso foi admitido por despacho de 14.08.2017.

  2. O assistente, DD, nos termos do art. 413.º, do CPP, apresentou resposta tendo concluído pela “absoluta improcedência do recurso e, consequentemente, pela confirmação do douto acórdão recorrido” porquanto: «1 – A pena aplicada ao arguido é, sem dúvida, a mais ajustada, atenta a gravidade dos factos provados; 2 – Não merecendo, por isso, qualquer juízo de censura, antes pelo contrário.» 5.

    O Procurador da República no Tribunal da Comarca da AA apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, concluindo: «I.

    O objeto do recurso interposto pelo arguido CC circunscreve-se à matéria de direito que respeita à determinação das penas parcelares e da pena única que o tribunal, no douto acórdão recorrido, aplicou.

    II.

    A determinação da medida da pena é uma operação complexa em que interagem três vetores que correspondem às finalidades que presidem à aplicação de qualquer reação punitiva na sequência de uma ação típica: a prevenção geral positiva, a prevenção especial e a observância do princípio da culpa – art.º 40º C.P.

    III.

    Integrando os critérios legais de determinação da medida concreta da pena (art.º 71º C.P.) com a matéria de facto provada, temos que: - É muito elevada a ilicitude do facto, considerando também a enorme gravidade das consequências decorrentes dos crimes, expressivamente traduzida na devastação causada, no grau de lesão dos bens jurídicos e no número de vezes que tal lesão ocorreu; - A violação dos deveres impostos ao arguido, atendendo à forma e ao local onde atuou e às condições climatéricas existentes é, também ela muito elevada; - O dolo, direto, é intenso e a negligência, grosseira, muito grave, revelando-se uma personalidade desviante, com forte resistência aos efeitos das penas, claramente deficitária quando cotejada com as qualidades que se pressupõem no homem fiel ao direito (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, p. 250); - A ausência de uma finalidade racionalmente apreensível que não seja a vontade de causar a destruição pelo fogo eleva de forma dramática o juízo de censura e a necessidade de intervenção na esfera do Recorrente a fim de que seja recuperado para os valores da ordem jurídica; - As condições pessoais do Recorrente, a sua história de vida, o seu percurso existencial, revelam um indivíduo que, como expressivamente se escreve no acórdão, não tem quaisquer referências familiares ou práticas laborais, atuando ao sabor de impulsos sem antecipar as consequências dos seus atos; - Estas características pessoais inculcam a conclusão de que o Recorrente não tem competências suficientes para se determinar de acordo com o direito, mantendo um preocupante grau de dissociação em relação aos valores fundamentais da ordem jurídica; - A ausência de antecedentes criminais e a idade do Recorrente à data da prática dos factos não constituem fatores que atenuem, de forma relevante o grau de censura que as condutas suscitam.

    IV.

    A ponderação conjugada de todos estes fatores concorre para a conclusão de que as apenas aplicadas pelo crime de incêndio florestal agravado pelo resultado (12 anos de prisão) e pelo crime de homicídio por negligência grosseira (3 anos) constituem reações sancionatórias necessárias, adequadas e proporcionais, observando o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal.

    V.

    De acordo com o disposto no art.º 77º, 1 C.P. na operação de determinação da pena única do concurso são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

    VI.

    Definindo os exatos termos em que se fixa a moldura penal do concurso, o n.º 2 do referido artigo dispõe que aquela tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

    VII.

    Atendendo às penas parcelares concretamente determinadas e à posição de concordância com o quantum de tais penas, a moldura penal em que se deve encontrar a pena única é delimitada pelo mínimo de 12 anos de prisão e pelo máximo de 15 anos de prisão.

    VIII.

    No que respeita à medida da pena de concurso, esta considerará também as referidas finalidades punitivas, mas desta feita atendendo, em particular e especificamente, “em conjunto” aos factos e à personalidade do arguido.

    IX.

    Sendo certo que as finalidades punitivas foram pesadas, em cada pena parcelar, ponderando a relevância da integração dos critérios previstos no art.º 71º C.P., na determinação da pena única deve extrair-se da pluralidade de infrações conclusões quanto às necessidades de prevenção geral e especial.

    X.

    Assim, da prova produzida resulta: - O Recorrente tem um percurso de vida que se caracteriza pela assunção de condutas não normativas, privilegiando, desde cedo, o posicionamento num contexto de desafio às mais elementares regras de convivência social e assumindo uma postura de desinteresse e distanciamento em relação às estruturas basilares do tecido social (“50. Com o decorrer do seu desenvolvimento foi revelando problemas de conduta que se foram traduzindo numa instabilidade escolar, na associação a pares desviantes, no consumo de substâncias psicoativas, no desafio à autoridade parental e na conquista precoce de competências de autogestão; 51. Nestas circunstâncias, nunca valorizou a escola, tendo apresentado um percurso marcado por reprovações, absentismo e problemas de comportamento que conduziram à sua expulsão escolar. Apesar de ter frequentado uma turma de currículos alternativos, adaptada às suas dificuldades escolares, não progrediu nos estudos, abandonando o sistema de ensino com habilitações equivalentes ao nível do 4º ano” – cf matéria de facto provada e elencada no acórdão recorrido); - O...

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