Acórdão nº 861/08.5TBBCL-E.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.

Na Secção Cível da Instância Local de ..., AA intentou o presente processo especial de prestação de contas contra, para além de si própria, BB, CC, DD e EE.

Alega a requerente que, juntamente com os requeridos, são os únicos e universais herdeiros de FF, a primeira viúva deste (na sequência de segundo matrimónio) e os demais filhos do falecido (fruto do primeiro matrimónio), o qual exerceu, no inventário apenso, as funções de cabeça-de-casal do inventário aberto por óbito de GG, até à data do seu (dele) óbito, ocorrido a 20 de Agosto de 2013.

Mais alega que, na sequência do falecimento daquele FF, os autos de inventário prosseguiram para partilha da herança deixada por este, adquirindo deste modo a requerente a posição de interessada no mesmo.

Alega, também, que a propositura da presente acção se justifica com o facto do acervo hereditário do seu falecido marido depender do julgamento das contas resultantes da administração que o mesmo fez da herança aberta por óbito daquela GG.

Alega, por outro lado, que o dever de prestação de contas por parte do cabeça-de-casal tem natureza patrimonial e que, como tal, tal dever é hereditariamente transmissível para os herdeiros do cabeça-de-casal, estes estão obrigados a prestar contas.

Alega, ainda, que a acção deve ser proposta por todos os herdeiros de FF, razão pela qual a propôs e requereu a intervenção principal provocada (activa) dos demais herdeiros e, no reverso, deve ser proposta contra todos os herdeiros do falecido, ou seja, contra si própria e contra aqueles que demandou e cuja intervenção principal provocada requereu pelo lado activo.

Requereu, por último, a nomeação de um curador especial por aplicação analógica do artigo 2074.º n. º 3, do C. Civil.

Proferido despacho, indeferindo a nomeação de um curador especial, assim como os pedidos de intervenção principal provocada formulados, tendo-se ordenado a citação dos requeridos.

Os Requeridos BB e CC contestaram, invocando, no essencial, não estarem obrigados a prestar contas, nem estarem em condições de o fazer.

A requerente respondeu, concluindo como na petição inicial.

Seguidamente, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, por não estarem os Requeridos obrigados a prestar contas da administração feita por FF da herança aberta por óbito de GG.

Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo, então, sido proferido o Acórdão da Relação de Guimarães, de 26/1/17, que julgou procedente o recurso e revogou a sentença recorrida, decidindo que os requeridos estão obrigados a prestar contas à requerente da administração feita por FF da herança aberta por óbito de GG, pelo que determinou o prosseguimento do processo para esse efeito.

Inconformados, os recorridos BB e CC interpuseram recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos: 1. GG faleceu no dia 04 de Agosto de 2007, no estado de casada com FF; 2. Deixou a suceder-lhe, para além do seu cônjuge, os seguintes 4 (quatro) filhos, fruto desse casamento: BB, CC, EE e DD; 3. FF foi nomeado, a 29 de Fevereiro de 2008, cabeça-de-casal, no âmbito do processo de inventário que se abriu por morte de GG; 4. Na data referida em 3), FF havia já casado com AA, na sequência de matrimónio contraído a 9 de Fevereiro de 2008, sob o regime imperativo de separação de bens; 5. Em 22/02/2013 o cabeça-de-casal apresentou contas no referido processo de inventário, as quais foram contestadas pelos interessados CC e EE; 6. FF faleceu a 20 de Agosto de 2013, mantendo-se, até esta data, como cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de GG; 7. FF deixou a suceder-lhe, para além da mulher, aqui Requerente, AA, os mesmos quatro filhos aludidos em 2).

8. No apenso de prestação de contas foi declarada deserta a instância, a qual se encontrava suspensa há mais de seis meses em virtude do falecimento do cabeça-de-casal, por inércia das partes em deduzir o competente incidente de habilitação de herdeiros.

2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 ° - O recorrente não se pode conformar com o douto acórdão proferido pelo digníssimo tribunal da Relação o qual revogou a sentença recorrida proferida na primeira instância e em consequência decidiu que os aqui recorrentes estão obrigados a prestar contas à recorrida AA da administração feita por FF, enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de GG, determinando-se o prosseguimento do processo para esse efeito. Salvo melhor opinião, não se decidiu bem nos presentes autos, sendo que há errada aplicação do direito aos factos dados como provados nos presentes autos, com violação de lei substantiva, pois conforme veremos infra, nos presentes opera-se o instituto da confusão, prevista no artigo 868º do C.C., bem como há violação dos artigos 2032º e 2058º, ambos do C.C. e arts. 33º e 941º do C.P.C.

  1. - Os presentes autos tiveram início com a instauração de uma ação de prestação de contas por parte da recorrida AA, visando o apuramento do acervo hereditário do falecido cabeça-de-casal FF no inventário aberto por óbito da primeira cônjuge do mesmo, tendo por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens da herança, nos termos do artigo 941 ° do C.P.C. - cfr. pontos 3 e 5 dos factos dados como provados.

  2. - Na verdade, dispõe o artigo 2093º/l do C.C. que o cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente e tendo o falecido FF sido nomeado como administrador dos bens da herança, este encontrava-se obrigado a prestar contas.

  3. - É entendimento comum e pacífico quer na doutrina, quer na jurisprudência, que, na hipótese daquele que administrou os bens falecer sem ter dado cumprimento ao seu dever de prestação de contas, tal obrigação transmite-se para os seus herdeiros, recorrida incluída.

  4. - Assim, todos os herdeiros do cabeça-de-casal, isto é, os mencionados no ponto 7 dos factos dados como provados, são titulares de um direito de exigir a prestação de contas, bem como, simultaneamente, estão obrigados com a obrigação de prestar.

  5. - Contudo, a posição adotada no acórdão recorrido permite a todo e qualquer herdeiro de um cabeça-de-casal falecido eximir-se à obrigação de prestar contas, a qual é transmissível por via hereditária.

  6. - Posição que não podemos sufragar, porque no nosso humilde entendimento e numa primeira ordem de argumentos, a obrigação de prestar contar transmite-se para todos os herdeiros, (como resulta da economia dos art. 2087.º a 2091.º do C. Civil) da herança aberta por morte do administrador que faleceu sem prestar contas.

    ( sublinhado nosso).

  7. - Entendimento, perfilhado pelo Dr. Lopes Cardoso (ln Partilhas Judiciais, Vol. III, pág. 57, 3.ª ed.) que diz que a obrigação de prestar contas "é transmissível via hereditária, incumbindo, pois, aos herdeiros do cabeça-de-casal que dela não se desobrigou".

  8. - Assim, a presente ação de prestação de contas exige um litisconsórcio necessário sendo que a recorrida está obrigada a apresentar as contas, por a referida obrigação ser transmissível para si, algo que o acórdão colocado em crise reconhece, mas paradoxalmente invoca que esta é terceira para efeitos da obrigação de prestar contas.

  9. - E se a recorrida invoca que a prestação é essencial para se poder determinar na sua integralidade o acervo hereditário do falecido cabeça de casal, do qual é somente herdeira, expressando que possui um interesse diverso e antagónico dos aqui recorrentes, a verdade é que o interesse destes é o mesmo daquela: também estes querem e necessitam do apuramento do quinhão hereditário do cabeça de casal na herança da sua mãe para comporem os seus quinhões e qual o quinhão do " De cujus" que integrará na massa da herança aberta por óbito de FF.

    MAIS, 11 º - Numa segunda ordem de argumentos, verifica-se que dos factos dados como provados, constata-se que o decesso cabeça-de-casal aceitou a herança aberta por óbito da sua primeira cônjuge, GG, tendo em consideração diversos os atos praticados ao longo dos autos de inventário que comprovam a aceitação do mesmo, nos termos dos artigos 2050° e ss. do C.C, sendo esta aceitação irrevogável, por força do artigo 2061 º do C.C.

  10. - Após a sua morte, abre-se novo fenómeno sucessório e aberta a sucessão opera-se o chamamento dos herdeiros deste à titularidade das relações jurídicas do falecido, nos termos do artigo 2032º, n.º 1 do C.C.

    13 º - Ora, apesar de estarmos na presença de duas heranças distintas - a herança aberta por morte de GG e a herança aberta por morte de FF, a verdade é que na massa da herança por óbito de FF já consta o direito de aceitação à herança de GG. E assim sendo, todos os herdeiros, recorrida incluída, são chamados a representar e a intervir na qualidade de herdeiros e interessados no inventário da herança aberta por óbito da mãe dos aqui recorrentes, GG.

    14 º - Isto é, a recorrida AA passa a ser titular dos direitos e obrigações decorrentes das relações jurídicas estabelecidas pelo decesso cabeça-de-casal e por isso, é parte interessada e obviamente herdeira, em representação do cabeça-decasal, no inventário por óbito de GG...

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