Acórdão nº 2115/04.7TBOVR.P3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução03 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA e Mulher, BB, intentaram ação originariamente contra CC, S.A.

, ao lado da qual vieram a intervir, a título principal, DD, S.A.

e a EE – Energia, S.A.

, pedindo que a Ré seja condenada a remover toda a estrutura da subestação elétrica, incluindo as seis linhas de alta tensão que passam por cima do prédio dos AA., sustentadas por dois postes, ou, em alternativa, a proceder à desativação/encerramento da mesma, ou, subsidiariamente, a indemnizar os AA. na quantia de € 157 000, correspondente ao valor da desvalorização do prédio, quantia acrescida dos juros vincendos, à taxa de 7%, desde a data da citação, até integral pagamento; em qualquer dos casos, pede cumulativamente a condenação da Ré a pagar aos AA. a quantia de € 12 500, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, quantia igualmente acrescida de juros vincendos. Contestaram Ré e Intervenientes, por exceção e impugnação.

Proferido saneador-sentença, a conhecer parcialmente da procedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, alegada pelos intervenientes, julgando-a improcedente quanto aos danos invocados que se reportem aos últimos três anos anteriores à ação. O assim decidido transitou em julgado.

Prolatada sentença, absolvendo do pedido a Ré originária, bem como a Interveniente DD, S.A.

e a julgar a ação parcialmente procedente unicamente quanto à Interveniente EE, S.A.

, condenando-a ao pagamento de indemnização, por danos não patrimoniais, ao 1º A., no montante de € 4.000,00 e à 2ª A., no montante de € 6.000,00; mostrando-se atualizados tais montantes, serão devidos juros de mora, à taxa civil, desde a data da prolação da sentença.

  1. Interpostos recursos para a Relação, por parte dos AA. e, subordinadamente, por parte da Interveniente.

    Proferido acórdão a julgar improcedentes os recursos e a confirmar a sentença da 1ª instância.

  2. Pedem revista os AA., concluindo, a final das suas alegações: «1 - Se é verdade que os factos constantes dos n°s 12, 15, e 16 dos factos provados se encontram prescritos, de acordo com o entendimento do douto despacho saneador-sentença, já o mesmo não se pode concluir quanto aos factos constantes do n° 17.

    2 - Tais factos pela sua gravidade merecem a tutela do direito pois que a circunstância de os Autores viverem num estado de ansiedade e inquietação, com receio de que as linhas de alta tensão que passam por cima do seu prédio/residência lhes caíam em cima e de explosões na subestação, o que lhes provoca desgaste físico e psicológico, não se deve a uma "mera sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada", mas tem razão de ser em factos que, apesar de prescritos, já se verificaram - factos provados 12, 15, 16.

    3 - O douto acórdão não apreciou o facto constante do n° 14 dos factos provados.

    4 - Tais factos merecem, igualmente, atenta a sua gravidade, a tutela do direito, pois que a circunstância de os mesmos não se sentirem bem no seu prédio se deve, designadamente, aos factos objectivos referidos nos n°s 12, 15, 16, e 17, e não a razões, mais uma vez, de "mera sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada." 5 - Os factos referidos - n°s 14 e 17 - consubstanciam, assim, ofensas aos direitos dos autores a um ambiente e qualidade de vida sadios, à proteção da sua saúde, na vertente física e psíquica, e são impostos diariamente na sua residência, centro da sua vida pessoal, onde têm direito a serem menos perturbados.

    6 - Temos pois, que a realidade da matéria de facto supra configura a existência concreta de danos não patrimoniais sofridos pelos autores.

    7 - Estes danos são imputáveis à actividade desenvolvida pela Interveniente EE na subestação e na exploração das linhas que dela chegam e saem, designadamente, das linhas que passam sobre a casa dos Autores, uma vez que in casu, se encontram verificados os elementos integradores da responsabilidade civil extracontratual da Interveniente EE, nos termos expostos supra expostos.

    8 - A Interveniente EE não ilidiu a presunção de culpa do 493°, n°2, dado que não mostrou que " empregou todas as providências exigidas peias circunstâncias com o fim de os prevenir.", nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integramente reproduzido.

    9 - Mesmo admitindo - o que só por mera hipótese se presume -, que a Interveniente conseguiu ilidir a presunção de culpa do n° 2 do art. 493° do CC, sempre teriam que sobrepor-se, no caso concreto, os direitos de personalidade dos Autores ofendidos com a actividade da Interveniente EE, aos direitos económicos desta última, nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

    10 - Temos, assim, de um lado, o direito dos Autores a um ambiente de vida humano, sadio, ecologicamente equilibrado (art.66° da CRP), o direito ao repouso necessário à preservação da integridade pessoal (art.25° da CRP), o direito à saúde (art. 64° da CRP),o direito à habitação que preserve a intimidade pessoal e a privacidade da família (art. 65° da CRP), o direito à tutela geral da personalidade prevista no art.°70° do C. Civil; e, do outro, temos o direito da Interveniente EE ao exercício da sua actividade económica/comercial de exploração/distribuição de energia eléctrica (direito à iniciativa privada).

    11 - Pelo que estará aqui em causa a questão da compatibilização entre direitos fundamentais em conflito.

    12 - A C.R.P. concede uma maior proteção aos direitos de natureza "Direitos, Liberdades, Garantias", do que aos direitos de natureza "económica, social e cultural".

    13 - Por sua vez, determina o art.º 335°, n°l do CC que "havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes". E o seu n°2 acrescenta que "se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior." 14 - A jurisprudência dominante tem vindo a entender que no caso de colisão entre um direito de personalidade e um direito de não personalidade (direito económico), devem prevalecer, em princípio os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais, de acordo com o estipulado no n°2 do artigo citado.

    15 - E, ainda, que o exercício de uma actividade económica deve ceder perante direitos de personalidade merecedores de tutela jurídica, mesmo nos casos em que aquela actividade seja autorizada administrativamente, ou respeite, por exemplo os níveis de ruído permitidos por lei, desde que provados danos em concreto.

    16 - Nestes casos, mesmo que a actividade em causa possua as competentes licenças de exploração/funcionamento, continua a existir o direito de oposição por particulares quando haja ofensa dos seus direitos de personalidade. É que os direitos de personalidade são protegidos, em termos gerais, contra qualquer ofensa ilícita, independentemente de culpa ou de intenção de prejudicar terceiros.

    17 - Há que averiguar, in casu, se se justifica um dever/obrigação por parte dos AA. de suportar, em exclusivo, na sua esfera jurídica, lesões dos seus mais elementares direitos de personalidade, constitucionalmente protegidos, em nome do interesse publico que, inegavelmente, reveste a actividade privada desenvolvida pela Interveniente EE 18 - Entende-se que no caso concreto deverão prevalecer os direitos dos Autores supra descritos, em detrimento do direito económico da Interveniente EE ao exercício da sua actividade comercial, nos termos supra exposto em V-B), que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

    19 - Como se entendeu no Ac. Rel. Lisboa, de 12.02.2013, Proc. 110/2000.Ll-7, in www.dgsi.pt, num caso semelhante de colisão de direitos, "Todavia, os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer circunstância, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios que em nome do bem comum ou da sociedade devam ser suportadas por esta." 20 - Pelo que assiste aos Autores o direito de exigirem a remoção ou desactivação da subestação e das linhas que passam sobre a casa.

    21 - É que, apesar da remoção ou desactivação da subestação e das linhas ter um custo económico apreciável, pelo menos, para o comum das pessoas, nunca é demais salientar que os lucros da EDP em 2014 foram de 1.040 milhões de euros! E que em 2015 a própria EDP fez uma previsão de lucros superiores a 900 milhões! 22 - E, se é certo que a Interveniente exerce, como se referiu uma actividade de interesse público, a mesma não deixa de ser uma actividade comercial de natureza privada que prossegue o objectivo do lucro com vista aos interesses "egoístas" dos seus acionistas.

    23 - Assistiria sempre em qualquer dos casos, o direito dos autores a exigir a desactivação/remoção da subestação com base na aplicação do princípio da precaução pois está em causa o direito dos autores a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, direito que pode estar a ser colocado em risco devido à existência do campo elétrico e magnético, conforme o exposto supra em V - B).

    24 - Ao contrário do entendido pelo douto acórdão recorrido a responsabilidade aquiliana pelo dano da desvalorização não está afastada, conforme o supra exposto em V - C).

    25 - Ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido não há lugar no caso concreto ao afastamento da aplicação do artigo 37° do DL 43.335.

    26 - Os autores intentaram a presente acção com base em responsabilidade civil extracontratual da Ré e Intervenientes, mas tal não impediria a qualificação posterior pelas instâncias como sendo um caso de constituição de uma servidão administrativa aérea, subsumindo e enquadrando os factos provados à responsabilidade civil por factos lícitos nos termos previstos naquele art. 37° (cfr. Ac. STJ, P.116S/06.8TBMCN.P1.S1, www.dgsi.pt).

    27 - Mas, no caso dos autos nunca tal normativo poderia aplicar-se...

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