Acórdão nº 158/14.1TBMRA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelLIMA GONÇALVES
Data da Resolução17 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1.

AA instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum, contra BB, CC, e marido DD, pedindo que os réus sejam condenados no pagamento à Autora de uma indemnização, no valor de €23 000,00 (vinte e três mil euros), pelas benfeitorias por esta executadas no imóvel sito na Rua ..., que veio a ser judicialmente declarado como propriedade das Rés, bem como no pagamento de juros de mora, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a data das respetivas citações até efetivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, estar convicta de ser a titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua ..., descrito da Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º. 1270 e inscrito na matriz sob o artigo 406.º, tendo nele realizado obras no valor de €18.000,00 (dezoito mil euros), pagou integralmente ao empreiteiro, sendo que o identificado imóvel sofreu alterações e beneficiações que não só evitaram a sua perda e deterioração, como também lhe aumentaram em muito o respetivo valor e nenhuma das referidas benfeitorias pode ser levantada do imóvel sem detrimento do mesmo.

  1. Contestaram os Réus, por exceção, invocando o caso julgado alicerçado na prolação de sentença proferida em 13.07.2012, no Proc. n.º114/07.6TBMRA, que condenou a autora a reconhecer os réus como proprietários do imóvel em causa (por usucapião) e impugnaram a factualidade alegada pela autora, terminando com o pedido de condenação da mesma em litigância de má-fé e pugnando pela improcedência da ação.

    Deduziram reconvenção, e na eventualidade da ação vir a ser julgada procedente, pediram a compensação no valor de €12 027,80 pelas deteriorações feitas pela Autora, alegando não ser razoável obrigar as proprietárias a suportar o custo de uma intervenção que diminuiu a funcionalidade e a estética tradicional do imóvel, sobre cuja realização não foram ouvidas e que nunca aprovariam, sendo que sempre haverá que ter em consideração o disposto quanto a compensação de benfeitorias com deteriorações nos termos do artigo 1274.º do Código Civil.

  2. A Autora veio responder, pugnando pela improcedência da exceção de caso julgado e impugnando o pedido reconvencional.

  3. Foi admitido o pedido reconvencional e julgada improcedente a invocada exceção de caso julgado, procedendo-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

  4. Procedeu-se ao julgamento e foi proferida sentença que decidiu: “Por todo o supra exposto, a secção de competência genérica da instância local de ... julga a ação parcialmente procedente por provada e, em conformidade:

    1. Condena os réus BB, CC e marido DD, a pagar à Autora AA a quantia de € 11.650,00 (onze mil, seiscentos e cinquenta euros), a título de benfeitorias necessárias, € 5.150,00 (cinco mil, cento e cinquenta euros), a título de benfeitorias úteis, bem como a condenação dos R. no pagamento de juros devidos, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento sobre cada uma das quantias supra referidas, indo no mais absolvidos.

    2. Julga improcedente, por não provado o pedido reconvencional deduzido pelos réus, contra a autora, absolvendo-a do mesmo.

    c) Absolve a autora do pedido de condenação em litigância de má-fé contra si deduzido pelos réus”.

  5. Não se conformando com a decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

  6. O Tribunal da Relação de Évora veio a julgar a apelação procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida, absolvendo os Réus do pedido.

  7. Inconformada com tal decisão, a A. veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O Venerando Tribunal da Relação de Évora não manteve a Sentença proferida no Tribunal da 1ª Instância, negando qualquer pretensão indemnizatória á Autora, relativamente ás benfeitorias úteis e necessárias que a mesma provou ter realizado no imóvel, por entender - em face do disposto no artigo 1273º do Código Civil - que a Autora não demonstrou que aquando do início das obras detinha o corpus e o animus possidendi, isto é que detinha nessa altura a verdadeira posse jurídica sobre o imóvel.

    1. Sendo desta decisão que se discorda, e que constitui o objecto da presente Revista.

    2. Cumpre pois submeter á apreciação e decisão de Vossas Excelências se assiste ou não á Autora o direito a ser indemnizada pelos Réus, pelas benfeitorias úteis e necessárias que realizou no imóvel sito na Rua ...

    3. Para tanto, impõe-se recuperar a factologia com relevância para esta questão, que foi dada como provada pela 1ª Instância, e que não foi modificada no Acordão recorrido, antes e sim mantida sem qualquer alteração, a qual foi de resto também ela objecto do Recurso de Apelação dos Réus, e consequentemente perscrutada, apreciada e reanalisada em sede desse recurso.

    4. Tal factologia é a que vem vertida nos seguintes pontos de facto: - 1.4, relativa á vivência da Autora no imóvel em questão, onde habitou com seus pais e irmãos, desde que nasceu até data não concretamente apurada; -1.6, relativa á circunstância de que por morte dos pais da Autora, o dito imóvel foi objecto de partilha da herança deixada pelos mesmos, por considerarem tal imóvel um bem dos pais, tendo os herdeiros deliberado e acordado entre eles que essa casa ficaria para a Autora; -1.7, relativa ao modo como a Autora agia em relação á referida casa, como proprietária da mesma, e sendo assim considerada pelos vizinhos e familiares, por a ter herdado de seus pais, e fazendo visitas á casa, pelo menos com uma frequência mensal; -1.14 e 1.15, relativa ao facto das vizinhas das casas contíguas se terem ido queixar a ela, Autora, dos problemas de humidades e infiltrações que estavam a ocorrer nas suas próprias casas e que provinham da casa em questão e a terem interpelado por diversas vezes para fazer obras de reparação urgentes no imóvel; -1.18, relativa ao facto da Autora ter mandado proceder a obras de recuperação e reparação do identificado imóvel, que se iniciaram em Fevereiro de 2006; -1.19.1 a 1.19.20, relativas ás obras profundas de recuperação integral da dita casa, envolvendo a parte interior da mesma, mas também toda a parte exterior e logradouro; -1.25, relativa á recuperação integral do imóvel realizada pela Autora e a sua consequente conservação; -1.32, relativa ás circunstâncias e ao período de tempo de realização de tais obras pela Autora, durante quase dois anos, á vista de todos e sem qualquer oposição ou intervenção de outros; -1.33, relativa ao facto de que, só em 13 de Março de 2007, numa das deslocações da Autora ao imóvel, para ver o andamento das obras, é que a mesma tomou conhecimento por um anúncio publicado no jornal "...", da aquisição da dita casa por EE, por ususcapião; -1.34, de que durante todo o período em que decorreram as obras mandadas executar pela Autora no imóvel, á vista de todos, nunca EE ou qualquer pessoa a mando daquele, interferiu nas mesmas ou fez qualquer notificação à Autora; -pontos 1.35, 1.37 e 1.38, relativa á reacção e medidas tomadas pela Autora ao ter tomado conhecimento do referido anúncio, publicitando a aquisição do identificado imóvel por usucapião, por EE, que contra ele e a respectiva mulher instaurou a acção declarativa a que coube o Processo nQ 114j07.6TBMRA, nela peticionado a anulação da referida escritura de justificação notarial e a condenação dos aí Réus a reconhecer o direito de propriedade da Autora, ininterrupto e pacifico, desde 1925.

    5. Ora, os factos acabados de enunciar, que foram dados como provados quer em sede da 1ª instância quer em sede da Relação, permitem concluir que, contrariamente ao que se entendeu no Acordão recorrido, á data do inicio da execução das obras a actuação da Autora dada por assente denuncia claramente um só intuito - o de agir como beneficiária do direito correspondente a título de propriedade, até porque como se reconhece no Douto Acordão, "não se suscitam dúvidas de que a Autora, aquando do inicio dessas obras se decidiu a fazê-las e fê-las por estar convencida de que a casa lhe pertencia pois ninguém com a devida lucidez faria tais obras se não estivesse convencida de ser a proprietária".

    6. Se assim se concluiu no Douto Acordão sempre teria de daí se inferir que a Autora era possuidora do imóvel, e possuidora de boa fé, atenta a noção de posse que nos é dada pelo artigo 1251Q do Código Civil, que define posse como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro qualquer direito real.

    7. De facto, e ao contrário do que considerou o Douto Acordão recorrido, tal actuação da Autora não conforma nenhum dos casos de mera detenção que vêm relacionados, no artigo 1253º do Código Civil, a saber: "a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; e, c) Os representantes ou mandatários do possuidor, e de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem." 9ª. Sendo que, na alínea a) do artigo 1253º do Código Civil estão contempladas aquelas situações em que o poder de facto foi adquirido em termos tais que a própria lei afasta a posse desde que a situação não caia no âmbito das alíneas b) e c) do mesmo preceito, como refere Menezes Cordeiro, no seu" A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais", 3º edição, página 65.

    8. Segundo a concepção dita "subjectivista" do instituto da posse, ao elemento objectivo corpus, poder que se manifesta quando alguém actua de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real (artigo 1251º), acresce o elemento subjectivo animus, definido como a intenção de exercer, como titular, um direito real sobre a coisa (artigo 1253º, alínea a) a contrario sensu), assim se distinguindo da simples detenção, caracterizada pelo simples exercício daquele poder de facto, mas desprovido da referida intenção.

    9. As teses...

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