Acórdão nº 6380/16.9T8CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. O Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, IP (ISS)/CNP, instaurou a presente ação com processo comum contra AA, pedindo que se declare que a Ré não viveu em situação de união de facto com o beneficiário BB, à data da morte deste.

Alegou, para tanto, que, na sequência da morte do beneficiário BB, ocorrida em 14.07.2015, no estado de divorciado, requereu a Ré a atribuição das pensões devidas pela morte do mesmo, invocando a sua qualidade de unida de facto por com ele ter vivido em condições análogas às dos cônjuges desde 17.08.1991 até à respectiva morte.

Para prova dessa qualidade, apresentou a ré atestado emitido pela respectiva Junta de Freguesia, certificando que a mesma residira em comunhão de mesa e habitação com aquele beneficiário desde 1991 até à data da sua morte.

Sucede, porém, que uma filha do falecido veio informar o A. que tal não era verdade e que a Ré sempre residiu em habitação distinta da do falecido.

  1. Contestou a Ré, afirmando que durante, pelo menos, 24 anos viveu com o falecido BB, partilhando a mesma mesa, cama e casa, sempre o acompanhando nomeadamente às consultas e ao Hospital e com ele recebendo amigos e familiares na casa do casal, onde frequentemente ocorriam almoços e jantares na respetiva companhia.

    Nunca se desfez da sua casa por uma questão de cautela, pelo que a declaração que fez corresponde à realidade, devendo a ação improceder.

  2. Proferido despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e selecionaram-se os temas da prova. 4. Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação “parcialmente procedente” e, em função disso, julgou não reconhecida a vivência em situação de união de facto entre a Ré e BB à data da morte deste.

  3. Inconformada com esta decisão, dela apelou a Ré para o Tribunal da Relação de ... que, por acórdão proferido em 2.11.2017, revogou a sentença recorrida e, em consequência, julgou improcedente a ação. 6. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o autor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. Um dos requisitos necessários à União de Facto será forçosamente o da coabitação.

  4. O Tribunal recorrido não concordou com a tese proferida em primeira instância, que entendeu que o relacionamento entre a R., ora recorrida e o falecido BB "não revestia as características que o tornavam análogo ao dos cônjuges".

  5. Entenderam que não é imprescindível que a relação nunca seja interrompida pela saída de um dos membros da morada comum quando ocorram desentendimentos ou discussões." (...) "Tal como a circunstância de a Ré ter continuado a pagar as despesas do seu prédio urbano sito no n.° 21, 1o, da Rua …, …, C..., não podia pôr em causa a partilha da residência comum com o falecido - a n.° 8, R/Chão da mesma Rua".

  6. E que bastava a circunstância da recorrida ter encetado com o beneficiário falecido BB um relacionamento que implicou a manutenção de relações sexuais, feitura de refeições conjuntas com amigos e familiares na morada comum, o pagamento alternado de despesas de alimentação e o acompanhamento do falecido ao Hospital para consultas e atendimentos nas urgências.

  7. Ora, salvo o devido respeito, não aceitamos a tese do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, de que se recorre.

  8. Na sequência da morte de BB, a Ré, aqui recorrida, requereu prestações por morte à Segurança Social, já que, dispõe o artigo 8.° do D.L n° 322/90 de 18.10 que "1. O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.° 1 do artigo 2020.° do Código Civil. 2. O processo de prova das situações a que se refere o n.° 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações consta de decreto regulamentar." 7. Sendo certo que a razão de ser destas prestações por morte está prevista no n.° 1 do artigo 4.° do D.L. n° 322/90 de 18.10 quando estabelece que as "As pensões de sobrevivência são prestações pecuniárias que têm por objectivo compensar os familiares de beneficiários da perda de rendimentos de trabalho determinada pela morte deste." 8. O que se pretende é compensar a perda de rendimentos daqueles que vivam em situações análogas às dos cônjuges provocada pela morte do beneficiário.

  9. Uma vez que os cônjuges ou aqueles que vivam numa situação análoga à dos cônjuges têm uma situação de economia comum, ou seja, têm despesas do agregado que são pagas com os rendimentos de ambos e a perda desses rendimentos pode ser devastadora para a parte sobreviva.

  10. Ora, o conceito de "união de facto" ou de vivência "em condições análogas às dos cônjuges" - expressões do artigo 2020.°, n° 1 do Código Civil, na sua anterior redacção - tem de ser preenchido por via da alegação e prova de factos concretos que caracterizem o modo de vida próprio dos cônjuges, como sejam, a partilha da mesma habitação, cama, mesa e economia: tem que haver um esforço conjunto, a contribuição para as despesas comuns, colaboração na vida quotidiana.

  11. Além do mais, é necessário que a relação seja vista, para aqueles que rodeiam os membros da união de facto e com eles convivam, como uma relação em tudo semelhante ao casamento, em que as pessoas sejam como tal vistas e tratadas.

  12. E define-se essencialmente como uma comunhão de habitação, mesa e leito, sem um vínculo de casamento, sendo que as duas figuras diferem, essencialmente, no facto de que o casamento se realiza dentro de um quadro legal pré-definido e a união de facto fora desse quadro legal.

  13. Aliás, tal como defende ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, em Código Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, página 624, a expressão "condições análogas às dos cônjuges" significa que os "companheiros não só mantêm notoriamente relações de sexo, mas vivem também de casa e pucarinho um com o outro, com comunhão de mesa, leito e habitação, como se fossem de facto cônjuges um do outro".

  14. Sendo que a caracterização destas situações estáveis, consolidadas, notórias, de convivência de casa e pucarinho exige como elemento essencial a comunhão de residência, a comunhão de habitação.

  15. Dos factos provados, resulta que o beneficiário falecido residia na Rua …, n.° …, R/C, sendo apenas ele quem pagava a renda e as despesas de água, luz e electricidade dessa casa. Ao contrário da Ré que mantinha os pertences no n.° 21 da mesma rua, sendo ela quem pagava as mesmas despesas dessa outra casa.

  16. Concluindo-se assim que não havia um contributo fixo ou variável para despesas comuns do casal, para a comunhão de vida (comunhão de cama, mesa e habitação) e para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos.

  17. A recorrida e o BB até podiam ter uma relação de grande afectividade, de grande carinho e de grande cumplicidade, mas não tinham uma relação em tudo análoga à dos cônjuges, pois não tinham uma vida em comum, não partilhavam casa nem responsabilidades, apenas bons e por vezes maus momentos, sendo certo que a partilha da mesma habitação é essencial para a existência de uma situação de união de facto.

  18. Concordamos, por isso, com a tese explanada na sentença proferida na primeira instância, quando se diz que "embora BB e a Ré tivessem relações sexuais e esta pernoitasse quase sempre em casa daquele, certo é que mantinha a sua casa, onde dormia pontualmente e onde mantinha os seus objectos...

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