Acórdão nº 00290/08.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução25 de Setembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município de Lousada, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, inconformado com a Sentença proferida em 2 de Março de 2010, no TAF de Penafiel, na qual a ação foi julgada procedente, tendo sido condenado a pagar à então Autora, 239.180,06€, mais juros, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 21 de Abril de 2010 (Cfr. fls. 240 a 301 Procº físico).

Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 280 a 301 Procº físico).

I - O Despacho Saneador-Sentença, ora recorrido, parece resultar de uma aplicação literal, e tão só, in casu, do segmento, constante da parte final do preceituado no artigo 585.º do Código Civil, em cujos termos “O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com a ressalva dos que provenham de facto posterior à cessão”; II - Mau grado pareça resultar da letra da lei que, em caso algum, o devedor não pode opor ao cessionário qualquer meio de defesa que resulte de factos posteriores à cessão de créditos, em bom rigor, tal interpretação, aparentemente inequívoca, afigura-se deveras precipitada, para não dizer arrojada; III - Assim sendo, impõe-se proceder a uma cuidada interpretação teleológica e sistemática da referida “ressalva” normativa, a qual, aliás, não sido pacífica e unânime, mesmo, no âmbito das decisões jurisprudenciais que têm versado sobre a matéria em apreço; IV - A “L... – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Ld.ª” celebrou com o BCP, S.A., um “contrato de factoring”, em cujos termos veio a “ceder”, a esta Instituição Financeira, os “créditos presentes e futuros” provenientes das “relações comerciais” estabelecidas com o Município de Lousada; V - O “contrato de factoring” ou contrato de cessão financeira artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 171/95, de 18 de Julho, consiste “na aquisição por intermediário financeiro (factor ou cessionário) de créditos a curto prazo (30, 90 e 180 dias) resultantes da venda de produtos ou da prestação de serviços nos mercados interno e externo”; VI - Atendendo à estrutura e função deste contrato, afigura-se incontestável a sua proximidade com a cessão de créditos tout court, seja ao nível conceptual, seja quanto ao respetivo regime jurídico, tal como se encontra consagrada e regulada no artigo 577.º e ss do Código Civil, mau grado certas “características próprias” que conformam o regime da cessão financeira; VII - No mesmo sentido inclina-se a Jurisprudência, segundo a qual o “contrato de factoring, outrossim dito de cessão financeira” acaba por constituir um “contrato nominado atípico misto, de conteúdo variável, mas – esse o mecanismo ou meio técnico pelo qual se opera a transmissão dos créditos – de cuja estrutura é elemento essencial, sempre presente, uma cessão de créditos, regulada nos arts. 577º ss” (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Janeiro de 2002, 6.); VIII - Afirma-se ainda que, pese embora a sua “natureza essencialmente comercial, assume tal contrato a natureza de uma cessão de créditos, sendo-lhe, como tal, subsidiariamente aplicável o regime jurídico contemplado nos artºs 577.º e ss do C. Civil” (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 2003, Sumário, II); IX - Do ponto de vista doutrinário tem-se entendido que a transmissão dos créditos não resulta automaticamente do contrato de factoring, não havendo assim uma cessão global de créditos futuros. Razão pela qual o contrato de factoring constitui antes um contrato-base, no âmbito do qual as partes se comprometem a celebrar futuros negócios de cessão de créditos, à medida que estes se vão constituindo. Destarte, a transmissão de créditos resulta, pois, de um novo negócio de cessão, que se celebra mediante proposta de transmissão de cada crédito apresentada pelo cliente e a sua aceitação por parte do factor; X - Em bom rigor e por via de regra, a transmissão proprio sensu ou, como soi dizer-se, a “cessão”, apenas virá a produzir-se por via de um outro negócio ou contrato (de factoring) integrativo do antecente, o qual, nesse preciso momento, terá, então já, como objeto um “crédito presente”, contando, obviamente, que este esteja constituído e seja legitimamente exigível e exequível; XI - O contrato de factoring “importa uma transmissão continuada de créditos subordinada aos princípios da globalidade e da exclusividade, de que decorre que, na vigência do contrato celebrado com o factor, o aderente só pode ter relações de factoring com ele, e deve submeter todos os créditos de curto prazo à aceitação do mesmo” (vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 e Janeiro de 2002, 6.); XII - É nesta ordem de ideias que devem ser concebidos e aquilatados os “diversos contratos de factoring” que a L… celebrou com o BCP, sendo que o “contrato-quadro”, por via do qual aquela sociedade passou “a ceder” a este último “os créditos presentes e futuros” sobre o Município de Lousada, viria a ser executado por vários “contratos de cessão”, entre os quais se contam os ditos “contratos de factoring” n.º 19.989 e n.º 24.828; XIII - Considerando que no âmbito da estrutura do factoring encontram-se sucessivas “cessões de crédito”, bem tem entendido a Jurisprudência e a Doutrina que se aplica integralmente a este contrato o regime jurídico estabelecido nos artigos 577.º e ss. do Código Civil; XIV - O credor pode ceder a um terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, sendo que cessão apenas produz efeitos relativamente a este último desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (artigos 577.º e 582.º do Código Civil); XV - Porém, o devedor não pode ver piorada a sua situação em consequência da cessão realizada entre cedente e cessionário; donde resulta que o devedor deve poder opor ao cessionário as exceções que teria podido opor ao cedente; XVI - Atendendo a que a cessão de créditos pode considerar-se uma aplicação da regra nemo plus iuris ... ela não depende da boa-fé do cessionário. Sendo, pois, da natureza da transmissão de créditos que esta lhe traga sempre um risco; XVII - Estando em causa a exceptio non adimpleti contractus, o devedor poderá recusar o cumprimento da prestação perante o cessionário, enquanto o cedente não efetuar a prestação ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo; XVIII - A L..., notificou o debitor cessus, ou seja, o Município de Lousada, da celebração do contrato de factoring, através de ofício, com entrada nos serviços municipais a 29 de Agosto de 2005, pelo qual passava a ceder ao BCP, então na qualidade de factor, os créditos “presentes e futuros” emergentes das relações comerciais com ele estabelecidas; XIX - Não são de levantar quaisquer dúvidas acerca do conhecimento do factoring por parte do devedor, posto que o Presidente da Câmara Municipal de Lousada, Dr. JMFMM, após a sua assinatura no verso do ofício de notificação, declarando ter lido e estar ciente do respetivo conteúdo; XX - Desde então, todos os créditos “cedidos” no âmbito do contrato de factoring anteriormente celebrado e pontualmente “transmitidos” pelo aderente ao factor, titulados por faturas emitidas por aquele, passaram a ser pagos escrupulosamente pelo Município de Lousada ao BCP; XXI - Melhor dizendo, todos os pagamentos devidos à L..., decorrentes do contrato de empreitada de obras públicas celebrado, a 19 de Janeiro de 2005, entre o Município de Lousada e o Consórcio “L... SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.” - FDO – Construções, S.A.”, o qual teve por objeto a construção do “Complexo Desportivo – 2.ª Fase – Construção de Campos Multifuncionais”, passaram a ser efetuados pelo devedor ao BCP; XXII - Nos termos deste contrato administrativo, ficou estabelecido que os trabalhos deveriam ser executados no prazo de cento e setenta e nove dias, sendo que os pagamentos seriam efetuados de acordo com os autos de medição; XXIII - O contrato administrativo, enquanto forma de atuação administrativa de direito público, era concebido nos termos do n.º 1 do artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo - vigente à data - como “o acordo de...

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