Acórdão nº 02287/10.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Novembro de 2015
Magistrado Responsável | H |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: SINTAP – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (em representação da sua associada FCMPM) Recorrido: Município do P...
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a supra identificada acção administrativa especial, na qual era pedido, designadamente, a anulação da deliberação do órgão executivo do Recorrido, tomada em reunião de 04-05-2010, mediante a qual foi aplicada à representada do Recorrente a pena disciplinar de suspensão por 60 dias.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação: “1° - O procedimento disciplinar foi instaurado por despacho do Sr Presidente da Câmara do P... de 11 de Dezembro de 2008, e as infracções imputados à representada do A. ocorreram em Agosto de 2005; 2° - Desses factos tomou conhecimento o Sr. Presidente da Câmara do P... teve conhecimento detalhado, pelo menos, em 02 de Dezembro de 2005, como desde logo resulta do facto de nessa data ter participado os mesmos á Policia Judiciária para efeitos de instauração de procedimento criminal; 3° - Atento o disposto no n° 2 do art° 4° do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública aprovado pelo Dec-lei n° 24/84 de 16/01, na altura em vigor, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescrevia "se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses".
4º - Segundo a melhor jurisprudência, tal conhecimento cinge-se aos aspectos essenciais do elemento objectivo da infracção, susceptíveis de configurar, prima facie, um comportamento ilícito; 5º - Ou seja, basta que a materialidade dos factos seja susceptível de conduzir à percepção do cariz disciplinar desses mesmos factos 6º - Iniciando-se com tal conhecimento o prazo de caducidade do direito de acção disciplinar, cujo termo ad quem ocorre com o despacho de instauração do procedimento disciplinar; 7º - Ora, que os factos dos quais o Sr. Presidente da Câmara do P... teve conhecimento detalhado em 02 de Dezembro de 2005 revestiam natureza jurídico disciplinar, é o que resulta também, por maioria de razão, do facto de terem sido considerados como consubstanciadores de ilícitos de natureza jurídico-criminal; 8º - Deveria, por isso, o Sr. Presidente da Câmara do P... ter instaurado de imediato o competente procedimento disciplinar, ou de inquérito, até porque a tanto estava obrigado, face ao disposto no n° 2 do art° 45° do Dec-lei n° 118/83 de 25 de Fevereiro; 9º- Assim não tendo acontecido e tendo o Sr. Presidente da Câmara do P... tomado conhecimento de tais factos pelo menos em 2005.12.02, manifesto é que a instauração do presente procedimento disciplinar, decorridos que eram pelo menos três anos e nove dias após aquele conhecimento, se encontra desde há muito prescrita; 10° — Não colhe o argumento expendido no douto Acórdão recorrido no sentido de que a informação factual vertida na participação criminal efectuada à Policia Judiciária em Dezembro de 2005 não permitia uma caracterização da falta quanto ao modo, tempo e lugar da sua prática, antes considerando que estes elementos apenas foram do conhecimento do Apelado em Setembro de 2008, data em que tomou conhecimento da acusação deduzida no processo criminal; 11º - A caracterização da falta disciplinar nos termos perfilhados no Acórdão recorrido constitui o resultado final do procedimento disciplinar e não o pressuposto prévio da sua instauração; 12º - Na verdade, para a decisão de abertura de procedimento disciplinar é bastante a aquisição procedimental de factos que indiciem a prática e a ocorrência de uma ou várias infracções disciplinares; 13º - A exigência de definição desses factos, nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar, verifica-se sim em relação à peça acusatória [por forma a exercer cabalmente o direito de defesa' e não em relação à notícia de factos integradores de ilícitos disciplinares; 14° - No caso dos autos, os elementos probatórios coligidos pelo Município do P..., ademais e especialmente, as cópias dos recibos que titulavam os aludidos tratamentos falsos, posteriormente remetidos à Policia Judiciária, indiciam de forma segura a existência de factos integradores da prática e a ocorrência de uma ou várias infracções disciplinares; 15º - Tal convicção surge particularmente reforçada pelo facto de, já antes da participação efectuada á Policia Judiciária, os serviços camarários do Réu terem prestado informação a constatar a existência de indícios da prática de ilícitos disciplinares; 16° - A partir deste momento, iniciou-se, pois, a contagem do prazo de prescrição; 17º - Por outro lado, no relatório final, é dado como assente ter a representada do A. violado os deveres de isenção e de zelo, previstos nas alíneas b) e e) do n° 2, n°. 4 e n°. 7, do artigo 3°. do E.D..
18° - O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenha sido consideradas adequadas; 19º- Dos autos de processo disciplinar, designadamente do Relatório Final, resulta que as quantias recebidas pela representada do A. o foram a título de comparticipações da ADSE à custa daquela entidade e dos direitos que a ADSE legalmente lhe concedeu; 20º – É por demais consabido que beneficiam da ADSE os servidores do estado, latamente considerado, em cujo universo se inclui a representada do Apelante, por deter a qualidade de funcionário público (vd. 2) do relatório); 21º- Porém, de tal sistema de apoio na doença beneficia quem quer que seja que detenha a qualidade de funcionário público, independentemente do serviço ou organismo a que pertença; 22º- In casu, as alegadas vantagens patrimoniais auferidas pela representada do Apelante resultam exclusivamente da sua qualidade de funcionária pública, e nunca da sua qualidade de funcionário/trabalhador ao serviço das Águas do P..., E.M.; 23º- A factualidade imputada á representada do A. não é subsumível aos ditames por que se pauta o dever disciplinar de zelo; 24º Na verdade, esta não vem acusada de qualquer facto relacionado com a falta de conhecimento ou inaplicação de normas regulamentares e/ou instruções de superiores hierárquicos e/ou aperfeiçoamento da sua preparação técnica; 25º— Em bom rigor, os factos pelos quais a representada do Apelante vem acusada, relacionados com a alegada obtenção ilegítima de vantagens directas ou indirectas, de natureza pecuniária ou outras, não relacionados com as funções que exerce, consubstanciariam violação do dever de isenção, nele se consumindo e esgotando; 26° - Não existe, assim, qualquer nexo de causalidade entre as funções efectivamente exercidas pela representada do Apelante e as alegadas vantagens patrimoniais por ele auferidas; 27º - Assim sendo, não pode dar-se como verificada a violação por parte da representada do Apelante do dever de zelo previsto no art° 3°, n° 2, al. b), com o conteúdo que lhe é assinalado no n°4, do ED. em vigor; 28º— Acresce que, como evidencia o relatório final, o universo dos arguidos abrangidos pelo processo disciplinar foi punido, uns, com a pena de demissão, outros, com a pena disciplinar de 60 dias e outros ainda, como é o caso da representada do Apelante, com a pena de 60 dias de suspensão; 29º- Sendo certo que, em todos os casos, os ilícitos alegadamente praticados são em tudo análogos, divergindo essencialmente quanto aos montantes em causa; 30º- Todavia, não se almeja qual o critério em que assentou a proposta do Sr. Instrutor do processo disciplinar — nem do texto da deliberação impugnada resulta — para a aplicação de penas tão díspares, quando em causa está a violação dos mesmos supostos valores.
31º - Assenta, assim, a decisão punitiva em critério manifestamente aleatório, já que nenhum outro permita concluir pela aplicação de penas tão díspares a factos que integram os mesmos ilícitos face à violação dos mesmos deveres, carecendo, por isso, de fundamentação insuficiente para justificar a pena aplicada ao representado do Apelante; 32ª — Decidindo como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou, além do mais, por errada interpretação e aplicação, designadamente, dos art°s 3°, n° 6, 4°, n°s 2 e 3 e 28° do DL 24/84 de 16 de Janeiro, 3°, n°s 1 e 2, ais. b) e e), 4 e 7, 6°,n°3 e 18°, n° 1, al. m) da Lei n° 58/2008 de 09 de Setembro e art°s 125°, n° 2 e 135°, ambos do Cód. de Proced. Administrativo.
Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se o douto Acórdão recorrido e julgando-se procedente a acção interposta pelo Apelante, assim se fazendo JUSTIÇA”.
O Recorrido não contra-alegou.
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se, em termos que se dão por reproduzidos, pelo não provimento do recurso.
As questões suscitadas e a decidir, se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento por incorrecta e ilegal aplicação, nomeadamente, do disposto nos artigos 3º, nº 6, 4º, nºs 2 e 3, e 28º do ED/84 (Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro), 3º, nºs 1 e 2, alíneas b) e e), 4 e 7, 6º, nº 3, e 18º, nº 1, alínea m), da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, e 125º, nº 2, e 135º, ambos do CPA, no que toca, respectivamente, à prescrição da infracção disciplinar, que entende ter ocorrido, à violação do dever de zelo, que entende não ter sido violado, e à fundamentação da pena aplicada, que entende não ter sido suficientemente fundamentada.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:
-
A representada do A., entre Janeiro de 2001 e 24 de Outubro de...
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