Acórdão nº 02049/10.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução23 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO Município do AALF vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 15 de Novembro de 2011, que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por AALF, e onde era peticionado que deviam: …Ser anulados os actos praticados pela Câmara Municipal do AALF, representada pela Vereadora do pelouro da Habitação e Recursos Humanos, datados de 22/01/10 e de 11/06/10, com as legais consequências.

Em alegações o recorrente concluiu assim: I - A efetivação do pagamento depois de o credor ter resolvido o contrato ou - o que para aqui vai dar ao mesmo - ter decidido pela cessação da ocupação (sendo esse ato administrativo eficaz por ter sido notificado ao devedor, aqui apelado) não faz cessar a mora porque qualquer um daqueles atos – a resolução ou a cessação – determinam antes o fim da relação contratual ou administrativa em causa, extinguindo-a.

II - Ao aceitar as rendas vencidas, e, ainda assim, manter a decisão de cessar a ocupação também não fez mais do que aquilo que a lei transitória lhe permite fazer e que, de resto, - se se pretender fazer uma analogia com o arrendamento civil urbano para a habitação - lhe é permitido fazer nos termos do artigo 1041º, nº 4 do CC.

III - A causa de cessação em que a apelante fundamentou a decisão do ato impugnado verificou-se efetivamente à data da sua emanação pelo que não padece este de qualquer falta ou erro de pressupostos.

IV - O regime transitório legal em aplicação (Lei nº 21/2009) em aplicação, em momento algum considera ou prevê que o pagamento da renda em singelo, com juros ou com indemnização é causa impeditiva ou extintiva de cessação decidida.

V - Pelo contrário, a mesma lei estabelece causas que impedem a decisão de cessação com base em falta de pagamento de renda por 3 ou mais meses, onerando o ocupante com o dever de as informar ao concedente da ocupação a fim de que o mesmo não pratique, precisamente, o ato administrativo de cessação da ocupação.

VI - Como consta do artigo 3º, nº 4 da Lei 21/2009, a alteração do rendimento dos ocupantes, em consequência de desemprego ou de alteração da composição do agregado familiar podem determinar impedimento de utilização daquele concreto fundamento de cessação, desde que aquela situação tenha sido comunicada pelo ocupante à entidade concedente durante os 3 meses em que a mora na renda não constitui causa de cessação, o que significa que se a informação daquelas circunstâncias impeditivas tiver sido efectuada depois daqueles 3 meses terem decorrido ou nunca tiverem sido mesmo objecto de qualquer comunicação o concedente do fogo mantém o direito de fazer cessar a ocupação.

V - Ora, o regime legal de funcionamento desta causa impeditiva funciona como argumento a favor do que supra se alegou para fundamentar o erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo, pois após os 3 meses de mora se terem consubstanciado, a entidade concedente do fogo em causa adquiriu a faculdade de fazer cessar aquela relação jurídico administrativa de ocupação de imóveis para habitação.

VI - Admitir, portanto, que o pagamento de rendas pode ser efectuado durante a audiência prévia ou enquanto a cessação apenas for um projeto de decisão e não uma decisão, é já fazer uma interpretação legal que condiciona o direito à cessação que a esta havia adquirido pelo decurso dos 3 meses de mora no pagamento sem qualquer justificação legalmente relevante.

VII - Tudo o que precede serve para concluir que como é óbvio a aqui nada mais fez do que exercer um direito que a lei lhe confere – o direito à cessação da ocupação – e o direito de, como credora, receber o que lhe é devido, nos precisos termos que o mesmo é legalmente admitido, sendo manifestamente errado julgar que com o seu comportamento abusou dos limites desse direito.

VIII - O período de 90 dias durante o qual a lei obriga ao diferimento da execução do despejo não existe para que, havendo alteração das circunstâncias (por exemplo porque a renda foi paga) a administração aqui apelante se veja na obrigação de revogar o ato administrativo antes decidido e ainda anão executado, inibindo-a de o executar.

IX - E, como se viu, a aceitação da taxa naquele período e, mesmo depois da cessação do ocupação ter sido decidida, não são atos dos quais se possa inferir a revogação da decisão de despejar, pois que, como se alegou supra, aquele que concede o uso de um bem para sua habitação através do pagamento de uma taxa tem dois direitos autónomos a exercer: o direito de receber o que lhe sendo devido não lhe foi pago e o direito de fazer cessar aquela ocupação pelo que o exercício da primeira não impede o exercício da segunda e vice-versa.

X - É que a função da taxa cobrada ou paga – em suma devida – após a cessação da ocupação por motivo imputável ao ocupante, é diversa da função exercida pela mesma aquando da existência da relação administrativa que autorizou aquela mesma ocupação: a taxa é devida após a cessação apenas e tão só porque apesar de ter cessado a ocupação por ato administrativo, o ocupante continua a ocupar o fogo e deve pagar por isso a contrapartida dessa mesma ocupação.

XI - De outro modo, a não ser assim, premiar-se-ia o ocupante infractor relapso, pelo que a decisão sufragada pelo tribunal autoriza ocupações gratuitas; e mais, impedir-se-ia a entidade concedente de fazer ingressar nas suas receitas a taxa correspondente a uma ocupação que, naquele momento, ainda não é ilegal (pois a execução do despejo é diferida legalmente por 90 dias) e tem de ser tolerada pela administração, mas não a custo zero.

XII - E, tal como o pagamento, também aquela atualização não pode ser encarada como um ato que criou expectativas ao aqui apelado que a apelante não exerceria o seu direito de cessação da ocupação, desde logo porque já o tinha exercido e o mesmo havia sido notificado ao apelado, sendo, portanto, um facto do passado, mas mais do que isso, porque qualquer um desses factos não se pode retirar a revogação tácita do ato administrativo em causa, nem autoriza, por isso, a conclusão segundo a qual estes comportamentos da apelante criaram expectativas de não efetivação do despejo em causa, pois isso nunca foi afiançado ou declarado ao apelado essa atualização não pode ser vista como um ato que crie expectativas ao apelado, e muito menos expectativas de que a ocupação cessada seria por causa disso repristinada.

XIII – A aceitação do pagamento de taxas /atualização da mesma não é uma revogação tácita ou implícita, em primeiro lugar e, antes do mais, porque nem a aceitação da taxa/renda, nem a sua atualização da taxa/renda são atos praticados pelo autor do ato de cessação da ocupação, que no caso concreto foi a Senhora Vereadora para a habitação social e tão pouco seguiram a mesma forma que o ato que supostamente visariam revogar.

XIV – Finalmente, os atos de cobrança de renda/taxa das vencidas e vincendas e de atualização das mesmas após a cessação e até efetiva entrega não constituem atos contrários ao de cessação de ocupação porque não produzem, para a mesma situação concreta, efeitos incompatíveis com os de ato administrativo anterior: como se viu, é possível cobrar as taxas que se venceram e deram lugar à cessação e as que se foram vencendo após a concretização da mesma (e quanto o ocupante não entregar voluntariamente o fogo em causa), pois é um direito que assiste à apelante como credora e que aliás, decorre do artigo 1041º, Nº 4 do CC, depois porque esses atos (cessação e posterior cobrança de taxa renda e atualização) nem sequer são frutos da mesma competência, como já se deu conta. De fato, a recepção de novas rendas não priva o locador do direito à resolução do contrato com base nas prestações em mora.

XV - Pelo exposto, a decisão ora em crise errou ao anular o ato administrativo em causa por o mesmo ter supostamente ter deixado de estar dotado dos pressupostos que permitiram a sua prática, ao decidir que a apelante não pode decidir cessar a ocupação se receber as rendas em mora e, se tiver...

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