Acórdão nº 03085/09.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Março de 2015
Magistrado Responsável | Joaquim Cruzeiro |
Data da Resolução | 06 de Março de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO MACPC vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 16 de Abril de 2013, e que julgou extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide, no âmbito da acção administrativa especial que intentou contra o Hospital de SJ…, EPE, com a contra-interessada melhor identificada nos autos, e onde solicitava que se declarasse: “… nula ou anulada a deliberação do Conselho de Administração do HSJ, proferida a 23 de Julho de 2009, na parte em que nomeou a Dra. MS Directora do Serviço de Otorrinolaringologia e condene o Conselho de Administração a nomear, ainda que provisoriamente, o requerente, Director do Serviço no lugar daquela.” Em alegações o recorrente concluiu assim: A. O legislador sempre se preocupou em salvaguardar a especialidade dos hospitais com ensino e investigação, entre os quais se incluía o HSJ, designadamente ao prever que, sem prejuízo da aplicação do novo regime jurídico aos hospitais com ensino pré-graduado e investigação científica, os mesmos haveriam de ser objecto de diploma próprio quanto aos aspectos relacionados com a interligação entre o exercício clinico e as actividades da formação e da investigação, no domínio do ensino dos profissionais de saúde.
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Ainda que a Contra-interessada tivesse sido nomeada Directora de Serviço do serviço de ORL em Abril de 2006, e viesse a exercer as funções inerentes a esse cargo desde então, a verdade é que à data em que foi proferida a deliberação impugnada (23 de Julho de 2009) aquela sua primeira comissão já tinha expirado em Abril de 2009, pelo que, a sua continuação no exercício das funções de Directora de Serviços de ORL do HSJ decorre de uma nova nomeação e não da renovação da anterior comissão de serviço.
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Embora o Decreto-Lei n.º 73/90, de 06.03 tenha sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 177/2009, de 04 de Agosto de 2009, o mesmo ainda estava em vigor à data em que foi emanada a deliberação em análise nos presentes autos.
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Ao invés de ter sido proferido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 73/90 como devia, o acto de nomeação impugnado obedeceu a normas totalmente distintas — art. 7.º/1/f) dos estatutos aprovados em anexo ao Decreto-lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, e art. 41.º do regulamento interno do HSJ —, pelo que, não se tendo o Tribunal pronunciado sobre este flagrante vício de violação de lei, desde já se requer que esta matéria seja apreciada pelo presente Alto Tribunal, assacando as consequências daí decorrentes.
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A lista dos factos considerados provados pela sentença recorrida deve ser alargada, de modo a incluir na mesma os factos alegados pela Recorrente nos artigos 89.º e ss.
da Petição Inicial, que concretizam com exemplos reais das situações que se têm vivido no referido serviço de ORL, consubstanciando, assim, factos concretos a. dos quais o Tribunal pode concluir que a empresarialização do HSJ traduz uma violação ao direito à saúde dos cidadãos previsto no art. 64.º da CRP; b. a escolha da Dra. MS para o lugar de Directora de Serviço padece de erro nos pressupostos de facto ao ter sido considerado como favorável o “desempenho evidenciado e os resultados obtidos durante o exercício do anterior mandato”.
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Assim sendo, o Tribunal a quo poderia e deveria ter feito esta análise da matéria de facto, uma vez que era necessária à justa composição do litígio.
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Não o tendo feito, deverá o presente Alto Tribunal confirmar que a decisão do tribunal de primeira instância é deficiente, e, subsidiariamente, constando-se que não constam do processo todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto, deverá este Alto Tribunal, à luz do n.º 4 do art. 712.º do CPC, anular tal decisão e mandar baixar os autos para produção de prova.
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Conforme dado como provado pelo Tribunal a quo, o ato impugnado devia ter sido anulado, uma vez que a Entidade Demandada não cuidou de elaborar a proposta fundamentada a que alude o n.º 2 do art. 41.º do D. Lei n.º 73/90, a que estava vinculada, para que de forma legal pudesse nomear uma assistente graduada para o lugar de Director de Serviço do Serviço de ORL em detrimento dos Chefes de Serviço, maxime, do Autor, ocorrendo o referido vício de violação de lei por ofensa ao disposto no art. 41.º, n.º 2 do D. Lei n.º 73/90.
I. A Deliberação de 15/01/2010 indica expressamente que pretendeu “proceder à reparação”, pelo que não revogou expressa, tácita ou implicitamente a Deliberação de 23.7. 2009, não a tendo ratificado também, na medida em que continuou sem ser elaborada a proposta fundamentada a que alude o n.º 2 do art. 41.º do D. Lei n.º 73/90, a que a Administração estava vinculada.
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O HSJ, a par de ser uma entidade pública empresarial, é também um hospital universitário e isso é determinante no caso vertente K. Como tal, tem de respeitar determinados incisos legais (e constitucionais), no que concerne à actividade de ensino e investigação, nomeadamente o princípio constitucional da autonomia universitária, consagrado no art. 76.º/2 da CRP.
L. Tal princípio constitucional comporta uma dimensão pessoal que se identifica com a liberdade de ensinar e investigar dos membros da comunidade académica, e, assenta numa protecção individual de posições jurídicas subjectivas dos membros da comunidade académica, recortável como direito análogo a direitos, liberdades e garantias.
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As regras de funcionamento dos serviços dos hospitais universitários destinados ao ensino devem acautelar não apenas a autonomia científica e pedagógica das unidades curriculares que estejam em articulação com aqueles serviços, como ainda os direitos liberdades e garantias dos docentes das respectivas unidades curriculares que exerçam actividade assistencial nesses serviços, no âmbito da qual lhes está assegurada, por força da liberdade de ensinar e investigar, a possibilidade de utilizarem o serviço como “laboratório de investigação”.
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Ou seja, aplica-se a esse direito do Recorrente — ex vi art. 17.º da CRP —, o regime jurídico específico daqueles direitos, nomeadamente as especiais exigências impostas pela Constituição às leis restritivas destes direitos (art. 18.º da CRP).
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O ato administrativo impugnado, ilegalmente, não levou em conta a articulação da actividade lectiva e de investigação com a hospitalar.
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O ato administrativo impugnado tinha de conformar-se com o respeito pelas dimensões constitucionais caracterizadoras da autonomia universitária, sob pena de violar um direito de natureza análoga e, assim, padecer (como padece) de nulidade.
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Se o Tribunal a quo tivesse corretamente identificado a questão legal em discussão teria concluído, como alegado pelo Recorrente na Petição inicial, que a deliberação impugnada deveria ser declarada nula ao abrigo do artigo 133.º, n.º 2 d) do CPA, uma vez que tem como consequência permitir a violação de disposições constitucionais (artigos 76.º e 266.º da Constituição), que visam a proteção de um direito fundamental de natureza análoga.
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Além da nulidade do ato impugnado por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental de natureza análoga do Recorrente, a interpretação e aplicação dos arts. 20.º/2 e 26.º do Decreto-Lei n.º 188/2003 e 41.º/2 do Decreto-Lei n.º 73/90 é inconstitucional.
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O ato impugnado, a Deliberação de 23.7.2009 enferma de nulidade, razão pela qual, não poderia ser ratificado nem revogada pela Deliberação de 15/01/2010 — cf. arts. 137.º n.º 1 e 129.º, n.º 1 a) do CPA — pelo que a Deliberação de 15/01/2010 nunca poderia, assim, ser invocada para fundamentar a extinção da presente instância, porquanto, sendo nulo, o ato é impugnável a todo o tempo ao abrigo do art. 64.º do CPTA.
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O Tribunal não respeitou o princípio do contraditório consagrado no art. 3.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
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O Tribunal incorreu em erro de julgamento, devendo ter ouvido o Recorrente antes de proferir uma decisão, na medida em que a Deliberação de 15.1.2010, sendo nula, é impugnável a todo o tempo, não podendo simplesmente o Tribunal extinguir a instância ao abrigo do art. 64.º do CPTA, por impossibilidade superveniente da lide, sem ouvir o Recorrente.
V. A interpretação e aplicação que foi feita das normas que estiveram na base na nomeação da actual Directora de Serviço é manifestamente inconstitucional, por desrespeitar o princípio da autonomia universitária; W. Face à profusão de normas e interpretação conforme à Constituição que é necessário fazer, conclui-se que a Administração perde a sua autonomia em casos como o vertente, estando vinculada a nomear como Director do Serviço um dos Chefes de Serviço; X. O facto de o director do serviço ser nomeado de entre Chefes de Serviço, no caso vertente, é uma decisão vinculativa da Administração, uma vez que, em concreto, tratando-se de um hospital universitário, não se verificam os casos em que excepcionalmente a Administração poderia nomear um assistente graduado.
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Tratando-se de uma situação tão excepcional, o Hospital não poderia vir em momento posterior sanar o vício de falta de fundamentação, uma vez que especialmente neste caso a fundamentação assume um papel determinante e tem de ser contextual, integrar o próprio acto e dele ser contemporânea — Acórdão do STA proferido a 17.03.2005, no proc. 0103/05.
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O acto sempre padecerá de falta de fundamentação porquanto a nomeação de um assistente graduado em preterição de um chefe de serviço não pode apenas fundamentar-se nas capacidades de gestão reveladas pelo médico nomeado tendo ainda que explicar as razões específicas que...
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